Diretor do CBC, Geraldo Moraes aponta a necessidade de providências em relação à incapacidade do país de exibir produções nacionais no mercado interno

BRASÍLIA – O Congresso Nacional iniciou, nesta semana, o debate sobre o pacto de estímulo ao setor audiovisual proposto pelo governo federal na forma do Projeto de Lei 7613, que prorroga e amplia os prazos de incentivo fiscal e cria o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). Em audiência realizada no Senado, representantes da Agência Nacional do Cinema (Ancine), grandes produtores, exibidores e empresas de radiodifusão mostraram que vários pontos da proposta ainda está longe do consenso. A queda-de-braço ficou basicamente circunscrita ao choque entre o ímpeto da livre iniciativa dos grandes empresários e as propostas na área de regulamentação defendidas pelo governo e pela Ancine.

Apesar dos avanços presentes na proposta PL 7613 de incentivo ao setor, o cineasta e ex-presidente e atual diretor do Congresso Brasileiro de Cinema (CBC), Geraldo Moraes, aponta a necessidade de providências em relação à raiz do problema: a incapacidade do País de exibir produções nacionais no mercado interno.

Segundo o cineasta, o Fundo atende reivindicação de longa data dos produtores pela criação de um sistema de financiamento que corrigisse o cenário de dependência dos recursos obtidos por meio de leis de incentivo fiscal. Ele argumenta que este modelo gera um fluxo de produção ‘muito irregular’, impede a continuidade da realização de obras, prejudica a possibilidade de um planejamento por parte dos produtores e gera uma dependência em relação a áreas externas. “Quando você vai fazer um filme e depende exclusivamente de leis de incentivo, a produção anual do cinema é dependente dos lucros de empresas de outras áreas, como petróleo e sistema financeiro. Você fica a reboque destes lucros e da própria decisão destes setores”.

O PL 7613 reforça as captações por meio de patrocínio, estendendo mecanismo da Lei Rouanet, e cria nova norma que permite às empresas de TV reservar parte do imposto sobre a remessa ao exterior para a compra de conteúdo de produção independente. A prorrogação da vigência da Lei Rouanet (que permite investimento retornável com isenção de imposto) até 2010 completa as normas de incentivo a Lei do Audiovisual. O Fundo melhora a outra perna do sistema de financiamento, dos recursos arrecadados pela União, colocando diversas fontes como a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) sob a gestão de comitê que terá a participação do governo e de representantes do setor.

Para Moraes, contudo, esta política precisa ser vista como algo compensatório, e não estruturante. “Como o acesso ao mercado é muito restrito, os produtores precisam de mecanismos compensatórios”, diz. Hoje, continua ele, há potencial de produção muito maior do que o materializado nas obras realizadas anualmente, mas o principal gargalo está na distribuição, comercialização e exibição. “O Brasil está produzindo muito mais filmes do que o mercado absorve. Mas eles ficam restritos a festivais, não conseguem espaço na televisão e sequer há acesso por parte de vários segmentos a outros formatos, como o curta metragem”, analisa. Hoje são feitos pouco mais de 50 filmes por ano. Cerca de um terço desse total tem exibição que pode ser considerada regular. Dentro destes, somente três ou quatro, “que são co-produzido pela Globo Filmes e pelas grandes distribuidoras internacionais”, atingem maior número de pessoas.

Todo o sistema de comercialização, que define na verdade que filme vai chegar às salas de cinema do País, está nas mãos de empresas internacionais. Na última década, este sistema passou a dominar 85% da distribuição mundial e impediu o crescimento de empresas de capital nacional no segmento. Segundo pesquisa realizada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) na década de 90, 66 entre 73 países com produção e mercado audiovisual registrado tinham os Estados Unidos como o 1o ou o 2o país de origem dos filmes exibidos. A ofensiva foi sentida na própria economia norte-americana, que de 1986 a 1998 aumentou a participação das receitas no mercado externo de 25% para 55%.

O resultado é um quadro generalizado de déficit na balança do audiovisual. No período da pesquisa realizada pela Unesco foram identificados 98 países do mundo com produção regular audiovisual, mas somente oito com índice de realização de obras maior do que a quantidade de filmes importados. Os dados ilustram uma mudança de perfil no setor do audiovisual em que o rendimento passa a estar diretamente vinculado à exportação, daí a importância das empresas de distribuição. O diretor da CBC, que também participa do Coalizão Mundial pela Diversidade Cultural, defende a diversificação no intercâmbio internacional de produtos audiovisuais. Dentro desse quadro, a Nigéria consiste em uma curiosa exceção. O país africano produz 1,2 mil filmes por ano (contra “apenas” 611 dos EUA) e encontrou escoamento no mercado interno por meio da venda direta na forma de DVDs por meio de camelôs.

O caso brasileiro é bem diferente. Segundo dados do projeto Cultura Livre, ligado à Fundação Getúlio Vargas, em 2004 apenas 51 dos 302 filmes exibidos eram nacionais. No caso do faturamento, a situação fica pior. A renda da indústria nacional contribuiu com apenas 14% dos R$ 776 milhões gerados pela indústria cinematográfica neste mesmo ano. “Enquanto não se mexer na estrutura de distribuição e exibição de modo que o filme brasileiro tenha mercado dentro do seu País, vamos estar sempre na dependência dos outros países”, defende Geraldo Moraes. E como fazer então? A resposta passa pelo fortalecimento a distribuição nacional e pela regulamentação da exibição, diz o cineasta. “Uma das formas é colocar recursos nas distribuidoras nacionais, mas a resolução é regulamentar a forma de comercialização, fazendo o que tem na Europa”.

No caso da França, o percentual chega a 45% para a produção local e há percentuais ainda para o caso de filmes da União Européia. O país garante também o escoamento das obras realizadas ao reservar cotas para produção independente também na TV. Nesse segmento, o modelo de programação francês é hegemonizado pela veiculação de produção própria das emissoras, como no Brasil. No entanto, Geraldo Moraes alerta para o caráter contraditório deste instrumento. “Se por um lado a cota de tela garante a sobrevivência do cinema nacional, por outro ela significa um limite de participação. É óbvio que quando chega no limite da cota de tela o filme importado não permite que a produção nacional vá além que ela”, diz. A cota de tela brasileira para 2006 é a mesma de 2005: exibição de no mínimo dois longas-metragens durante 35 dias do ano. O desafio é garantir o cumprimento. Dados da Ancine mostram que apenas 60% das salas de exibição respeitaram a exigência em 2004. Ou seja, não bastam mais recursos para a produção nacional se não houver espaço para exibi-la à população.

Fonte: Agência Carta Maior

Jonas Valente


editor

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