A atuação do Mincom com Hélio Costa vem sendo questionada sistematicamente pela sociedade civil. As últimas decisões do Ministro culminaram em um manifesto virtual
A desconfiança não é paranóia e se sustenta com argumentos múltiplos. Desde o anúncio oficial de sua nomeação frente ao Mincom, atitude estratégica da conturbada reforma ministerial do Governo Lula, que por si só já sugere o jogo político da conveniência, o ministro vem sendo “monitorado” por instituições do setor e pela sociedade nas decisões mais importantes da pasta, como a política de inclusão digital e a digitalização dos serviços de rádio.
O vínculo do ministro com empresas do setor pode inviabilizar o diálogo com entidades e mudar o rumo de projetos, conforme avalia o presidente do Congresso Brasileiro de Cinema, Geraldo Moraes, no Boletim Prometheus (informe do Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura – Indecs). Para ele a perspectiva é inexistir no Minicom qualquer posição ou iniciativa para definir mais regras no setor audiovisual, uma vez que Hélio Costa representa o interesse das grandes redes, que historicamente se caracterizaram por defender como política a falta de regulação do setor.
O coletivo de comunicação Intervozes questiona o fato de que o ministro, a quem chamou de lobista da Associação Brasileira de emissoras de Rádio e Televisão (Abert), seja dono de emissoras de rádio comercias e ao mesmo tempo fiscalize a radiodifusão, contradição que apresenta um “impedimento ético”. O jornalista Gustavo Gindre questiona que “se o governo escolhesse um dono de hospital para o Ministério da Saúde ou de uma universidade para o Ministério da Educação, seria um escândalo. Mas, como a grande mídia não discute a comunicação, ninguém fica sabendo que o atual ministro das Comunicações (responsável por fiscalizar a radiodifusão) é dono de uma rádio em Barbacena e ex-empregado do maior grupo de comunicação no país”. Opinião semelhante é a do colunista Luciano Martins Costa, que lembra uma reportagem que escreveu sobre um sistema de banda larga simples e eficiente, mas que não foi publicada, “nem paga!”, alfinetou. Objetivo, Luciano disse que a discussão sobre o software livre não é mais forte porque “a democratização da mídia não interessa à mídia”.
“Historicamente, Hélio Costa tem defendido no Congresso Nacional os interesses dos grandes empresários da comunicação do país, representados principalmente pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). Agora, comprova que sua gestão tem pouca disposição para dialogar com a sociedade civil e democratizar as comunicações no país – política esta que, vale lembrar, estava na essência do programa de governo de Lula”
(Do manifesto do Intervozes através da carta “A quem interessam as propostas de Hélio Costa”.)
Os antecedentes de Hélio Costa que sugerem contradição frente à pasta do Mincom vão além da Abert e da propriedade de uma emissora de rádio. Glindre lembra o fato de que o ministro “ex-collorido, foi um dos principais representantes dos interesses da Globo dentro do Congresso Nacional, ajudando a derrotar o projeto da Ancinav”. Para reforçar a desconfiança, a declaração onde o ministro se posiciona contra o desenvolvimento de um padrão de TV digital próprio no Brasil por uma “questão de custos”, não se sustentou. “Como vamos fazer um padrão com R$ 80 milhões? O padrão japonês custou US$ 3 bilhões”, argumentou. Entretanto, esses R$ 80 milhões seriam investidos em estudos técnicos, numa fase preliminar. Segundo cálculos de pesquisadores brasileiros, o custo para desenvolver um padrão nacional seria de US$ 250 milhões. Esta confusão reflete um interesse maior em importar tecnologia estrangeira. O país perde em dinheiro, educação, cultura, e na possibilidade concreta de uma independência tecnológica. Numa tentativa de reverter a má impressão, o Ministro interveio num debate sobre TV Digital da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), dizendo que “todas as pesquisas na área continuam e a questão da inclusão digital é assunto fundamental de qualquer governo na atualidade”.
Passado o período de “adaptação” frente ao Ministério, Hélio Costa continua preocupando várias frentes, o que ficou evidente na inconsistência no diálogo com a Software livre, na justificativa para a suspensão das licitações do Ministério, no cancelamento de uma reunião com as rádios comunitárias, e até mesmo sobre o encontro que Costa teria tido com a embaixadora dos Estados Unidos, Donna Hrinak. “Ainda é cedo para avaliar sua gestão, mas o meu desejo é que ele se mantivesse omisso, se não atrapalhasse já seria uma enorme ajuda”, sugere Gustavo Gindre. Entretanto, “as primeiras declarações de Hélio Costa, pondo em dúvida o sucesso do Sistema Brasileiro de TV digital, criticando o uso de software livre, entre outras temeridades, indicam que o Ministro pretende deixar sua marca no Ministério”. O colunista Luciano Martins acredita na implantação do Software livre num prazo médio de 3 anos. Apesar da complexidade do processo, que exige muito conhecimento para que seja de amplo alcance, a “visibilidade do Ministro pode ajudar. A classe média está mais informada e pode exigir mudanças”, afirmou.
Hélio Costa tem defendido a interatividade no que diz respeito à TV digital. Mas especula-se que a pressa do Ministro em adotar uma tecnologia estrangeira já existente, possivelmente o padrão japonês, possa comprometer o projeto.
A criação de um padrão nacional vinha sendo estudada pelo Mincom, por iniciativa do ex-ministro Miro Teixeira, através da CPqD. O engenheiro da instituição, Takashi Tome, diz que “os grandes problemas ocorrem fora dos laboratórios: são os entraves burocráticos e as críticas de setores que deveriam estar apoiando o projeto, que acabam conturbando o ambiente e provocando mais atrasos”. Mas aponta que uma das vantagens é a definição de padrões abertos e livres, em consonância com a política de apoio ao software livre do governo federal. “Há um entendimento comum de que o uso do software livre não é uma questão ideológica, ela traz vantagens concretas. Ao implementar um software em ambiente proprietário, você corre o risco de acabar utilizando, inadvertidamente, alguma biblioteca proprietária, e isso acarreta em custos adicionais. Além disso, a idéia é que o Brasil se torne um grande produtor de conteúdo multimídia interativo. Para possibilitar isso, é necessário que existam boas ferramentas de criação a um custo módico, para propiciar a eclosão de pequenas produtoras independentes, que é o começo desse processo. Uma ferramenta de edição para os outros middlewares custa entre 7 e 20 mil dólares. São valores proibitivos para uma pequena produtora” , afirma Takashi. O projeto pode trazer, segundo o engenheiro, um grande avanço para o país. “Ficaríamos um pouco menos dependentes de tecnologia estrangeira – o déficit na balança comercial de componentes eletrônicos foi de US$ 2,8 bilhões em 2004”. A posição do atual Ministro inviabiliza a extensão do projeto, agravando ainda mais a possibilidade de que uma manifestação organizada aconteça.
A última escorregada de Costa aconteceu no dia 19, com a exoneração do diretor do Departamento de Serviços de Inclusão Digital do Mincom, Antônio Albuquerque, que atuava à frente do programa Gesac (Governo Eletrônico Serviço de Atendimento ao Cidadão), que funciona como uma plataforma multimídia de apoio à comunidades distantes. “O Ministro acaba de demitir o responsável pelo projeto e já há quem comente que o PMDB estaria interessado em fazer uma distribuição ‘mais política’ dessas antenas”, diz Glinder. A comunidade Software Livre, que considerou a demissão como um retrocesso na política governamental, se uniu a uma petição criada na Internet (s://www.petitiononline.com/helcosta/petition.html) pelo engenheiro eletrônico Milton Maldonado Jr, pedindo a saída de Hélio Costa do Ministério. Destinada ao Presidente Lula, o manifesto consiste em um abaixo-assinado em repúdio à desistência do padrão nacional da TV digital; ao congelamento da implantação de software livre; à falta de transparência na implantação do rádio digital; à ausência de “unbundling” – abertura da rede para concorrentes na telefonia fixa; e à demissão de Antônio Albuquerque do Departamento de Serviços de Inclusão Digital do Ministério.
Maira Botelho