Sete representantes de países ibero-americanos se reunirão em São Paulo, entre os dias 19 e 22 de maio, no Centro Cultural da Espanha, para participar do processo de criação da RAIA (Rede Audiovisual Ibero-Americana), voltada para a discussão e troca de experiências e alternativas para proteção e promoção da diversidade cultural neste território. O encontro promovido pelo Divercult, organização cultural internacional fundada no Brasil, hoje sediada na Espanha, faz parte do projeto Conversas Diversas, que desde janeiro de 2009, se dedica a refletir sobre o tema.
A rede será composta por articuladores com atuação no território ibero-americano, todos envolvidos com a questão da diversidade cultural e em alguma ação prática de audiovisual em diferentes áreas do setor, como produção, distribuição e políticas.
“O encontro marca o início da construção dessa rede de articuladores internacionais que vai pesquisar e debater novas formas de pensar, fazer e divulgar conteúdos audiovisuais em seus países, considerando a produção local e global”, explica Roberta Milward, diretora-executiva do Divercult, na Espanha.
Outra ação do Divercult para desvendar os efeitos de Hollywood sobres as culturas locais é a produção do webdocumentário “Te Están Grabando”, dirigido por Leonardo Brant. O objetivo do filme, segundo ele, é traduzir para um público maior as discussões até então restritas à rede.
“Optamos por utilizar a própria linguagem audiovisual e uma maneira de fazer que já fosse uma proposta, uma alternativa de desenvolvimento, produção, distribuição, e difusão”, diz. Por isso, aliás, é todo feito com uma câmera fotográfica digital Cannon G10 e será lançado e difundido pela web.
“Queremos mostrar ser possível desenvolver produtos audiovisuais com toda a riqueza de um filme, com capacidade técnica avançada e baixo custo”, afirma Brant. O webdocumentário quer também estimular outras iniciativas similares. “Atualmente, os recursos para promover um debate na sociedade sobre determinados assuntos estão bem mais acessíveis”, observa o diretor.
Um videolog de “Te Están Grabando”, está sendo lançado nesta semana com trechos das entrevistas que irão compor o filme, que deve ser lançado em outubro na Espanha. Neste caso, a intenção é promover uma discussão interativa em torno das entrevistas. “Ao participar do debate, todos poderão interferir no processo de produção, trazendo respostas e acrescentando questões ao projeto”, acrescenta Roberta Milward, do Divercult.
Os tentáculos de Hollywood
Segundo dados do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), 86% de conteúdos audiovisuais produzidos mundialmente têm origem em apenas 13 países. “É pouca gente produzindo o que todo o mundo consome”, observa Brant. Cenário em que, segundo ele, os mecanismos de Hollywood prevalecem. “Há uma predominância de linguagem e do jeito de produzir, uma influência que vai do tipo de filme, imposta a indústria de forma geral, até os meios de produção”, diz.
No Brasil, existe em todo o sistema de distribuição e exibição de um filme, uma oligarquia das majors internacionais. “Na verdade é uma “truste” formada por grandes grupos empresariais da área de comunicação, empresas multinacionais de capital misto, mas de origem norte-americanas”, afirma Brant. No caso brasileiro, por exemplo, distribuição e exibição estão nas mãos de empresas cujo capital vem desses grupos empresarias. “Na prática são quem decidem o que vai e o que não vai ser exibido em nossas telas”.
Esse monopólio exercido pelas majors funciona como um cartel organizado por meio de empresas locais da Motion Picture Association of América, acrescenta Brant. “Possuem escritórios avançados na maior parte do mundo atuando em defesa de seus interesses”.
A atuação das majors, no entanto, vai para além da telinha, atingindo níveis políticos. Aprovação de leis e aumento de subsídios públicos são alguns caminhos buscados para tornar a legislação favorável para uma atuação cada vez mais expressiva do grupo. As ações ocorrem de modo mais expressivo no Brasil e nos países em desenvolvimento. Porém, os tentáculos de Hollywood, conta Brant, também estão presentes na Europa.
Entretanto, na avaliação de Fernanda Martins, presidente do Divercult, a Europa sofre menos os impactos proporcionados pela indústria audiovisual norte-americana por possuir estruturas internas mais consolidadas no setor. Segundo ela, nas principais capitais é possível encontrar um maior cardápio de produções. “Existem salas que exibem somente produção nacional, gratuitamente ou a preços baixos”. O resultado é a presença constante de público.
Ela destaca outro ponto importante: a frequência das mostras e festivais. “Muitos acontecem em diversas capitais levando conteúdo diferenciado por toda a Europa”. Na Espanha, a maior parte dos projetos audiovisuais são financiados com verba pública, diz Martins, principalmente em âmbito local, por meio das prefeituras. “É fácil encontrar mostras gratuitas e cinema ao ar livre com milhares de pessoas, o que contribui muito para que a decisão de ‘ir ao cinema’ permaneça no habito dos espectadores”, conclui.
Diversidade cultural e cooperação internacional
A história do Divercult começou no Brasil, em 2002. A Unesco, na época, acabava de promulgar a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural e iniciavam as discussões sobre a proposta da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, concluída em 2005. “Nesse momento pensamos a oportunidade de criarmos uma plataforma aqui no Brasil para disseminar essa discussão e desenvolver uma agenda para a diversidade no país”, recorda Brant.
É criado então, no Brasil, em 2003, o IDC (Instituto Diversidade Cultural), fruto de parceria entre a Rede Internacional para a Diversidade Cultural e a Brant Associados, com o objetivo de propor e defender políticas de promoção da diversidade e colaborar com os princípios que nortearam o acordo internacional. Em 2007, o IDC torna-se uma organização espanhola e passa a se chamar Divercult.
Participam do encontro que será realizado em maio, na capital paulista, Cesar Piva, do projeto brasileiro Fábrica do Futuro, voltada à inclusão social por meio da apropriação de novas tecnologias; Alina Frapiccini, diretora geral de projetos da ONG argentina Fundación Kine, de inclusão social, cultural e educacional de crianças e adolescentes; Dino Pancani, do projeto audiovisual chileno Tramas; Eva Piwowarski, da entidade uruguaia Recam, de produção audiovisual, Suzana Salerno da Paraguay Cultural, organização paraguaia de promoção da diversidade cultural; Humberto Mansillas do Centro de Gestión Cultural PUKAÑAWI – Festival de Cine de Derechos Humanos, entidade boliviana que atua na defesa dos direitos humanos, e Eli Lloveras da produtora cultural espanhola Hamaca.
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