Em editorial do último domingo, dia 05 de abril, o jornal O Globo, questiona o dirigismo governamental que a nova proposta da Lei Rouanet sugere, escondida no mito de que “a centralização do poder de decisão sobre o destino das verbas nas mãos da burocracia ajudaria a arte das regiões menos desenvolvidas”.
Veja abaixo o texto na integra.
O Globo – 5/4/2009 – Editorial
Ideia fixa
No momento certo, Lula demonstrou sensatez e engavetou a proposta
A pouco menos de dois anos para o final do governo Lula, voltou a dar sinal de atividade o espírito intervencionista, dirigista, estatista que inspirou o Ministério da Cultura ao propor, no primeiro mandato do presidente, a criação da Ancinav — agência que deliberaria sobre o conteúdo da produção audiovisual apoiada por incentivos fiscais, e até instituiria uma pesada taxação extra sobre as emissoras de TV, para criar um fundo a ser administrado ao bel-prazer pela culturocracia do ministério.
No momento certo, Lula demonstrou sensatez e engavetou a proposta.
Mas aquele espírito continuou vagando por Brasília e acaba de baixar num projeto de lei, colocado em audiência pública até 6 de maio pelo ministro da Cultura, Juca Ferreira, com o objetivo de revogar a Lei Rouanet — um caso de sucesso legislativo há 15 anos — e instituir novo sistema de enquadramento de projetos culturais, com fins de captação de recursos provenientes do abatimento tributário de pessoas jurídicas e físicas.
No que está estabelecido na proposta, e mesmo nas suas calculadas omissões, transparece a conhecida posição velada do MinC contrária ao instrumento da renúncia fiscal por empresas interessadas em investir em cultura, e delineia-se o antigo desejo de sua burocracia de ter poder, se possível absoluto, na destinação dos recursos captados.
É sugestivo que aspectos fundamentais da lei, como a definição de critérios claros para enquadramento dos pedidos de incentivos, sejam deixados para regulamentação posterior, o que não acontece com a Lei Rouanet. Trata-se de desejo mal dissimulado de escantear o Congresso em decisões importantes, deixando pontos-chave da política cultural do governo a serem definidos em gabinetes fechados do Poder Executivo, por meio de decretos presidenciais. Inaceitável.
Não é pouca coisa que está em jogo. Hoje, a Lei Rouanet mobiliza R$ 1,4 bilhão. Há, ainda, R$ 300 milhões no Fundo Nacional de Cultura (FNC) administrado pelo próprio MinC. Por trás do projeto de lei em audiência pública, além da conhecida ojeriza ideológica de facções do governo Lula a grandes empreendimentos e grupos empresariais, há uma série de mitos. Um deles é que a centralização do poder de decisão sobre o destino das verbas nas mãos da burocracia ajudaria a arte das regiões menos desenvolvidas.
Ora, dados oficiais demonstram que sequer o dinheiro do FNC — administrado pela culturocracia — foge à regra da concentração no Sul e no Sudeste. Afinal, é nestas regiões que existe demanda por projetos culturais.
Outro aspecto preocupante do projeto de lei é que, ao revogar a Rouanet, o novo diploma legal que a substituiria precisaria ser renovado a cada cinco anos, como estabelece a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para casos de isenções fiscais. Então, será criada uma grande insegurança jurídica para quem pretende usar os incentivos tributários de forma duradoura em projetos nessa área.
Será um tiro pela culatra, pois grandes grupos financiadores da cultura preferirão pagar o imposto à Receita Federal, diante das incertezas e dificuldades. Ou seja, a verba para teatro, música, etc. minguará.
E, com ela, a própria importância do MinC. Se tudo isso não bastasse, a reta final de um governo, com o cenário político já influenciado pelo calendário eleitoral, não é hora de se tratar de mudanças profundas como esta. Até por uma questão de legitimidade.
6Comentários