Parceiros do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE) e da Confederação Nacional da Indústria/ Serviço Social da Indústria (CNI/SESI) entregaram nesta segunda-feira, dia 30, a consolidação de uma carta de princípios para nortear a reforma da Lei Rouanet ao Ministro da Cultura, Juca Ferreira. O documento é o resultado do 1º Fórum de Investidores Privados em Cultura (FIPC), realizado em dezembro de 2008, em Brasília.
Segundo Fernando Rossetti, secretário-geral do GIFE e membro do grupo que fez a entrega do documento ao ministro, o material foi produzido coletivamente antes do MinC apresentar sua minuta de projeto de reforma da Lei Rouanet. “É um documento que serve para, agora, nortear a análise mais técnica que será necessária para o debate público em torno do projeto de lei”, completou Fernando.
O ministro recebeu a carta de princípios (veja a íntegra do documento abaixo) e disse que aguarda, agora, posicionamentos mais detalhados do grupo sobre a proposta do Ministério da Cultura. “A negociação está colocada: esses 45 dias (em que o MinC coloca a minuta em debate público) são para isso. Para que a sociedade participe da construção dessa reforma”, afirmou o ministro.
Sobre possíveis críticas ao projeto da nova Lei, Juca Ferreira negou qualquer intenção do governo em aumentar o controle do Estado sobre a cultura nacional. “Há muitos fantasmas em torno desta reforma, e o maior é o dirigismo cultural”, disse ele. “Mas isso jamais seria a nossa abordagem. A história é cheia de casos, à direita e esquerda, de dirigismo nefasto do Estado na área cultural”, acrescentou.
Os argumentos de Ferreira foram baseados na repercussão que o texto proposto pelo governo motivou, principalmente na imprensa nacional. “Todo cuidado é pouco para impedir que a lei reformada se torne um instrumento para o arbítrio estatal. O governo poderia usar qualquer pretexto para discriminar este ou aquele setor cultural, sob inspirações ideológica, eleitoral ou paroquial”, afirmou o editorial do jornal Folha de S. Paulo, desta segunda, dia 30.
O ministro reforçou que, no processo de discussão na sociedade que o ministério vem promovendo, “a grande maioria é favorável a mudanças na Lei Rouanet. Não é um projeto tirado da cartola. Há seis anos de debate por trás”, ressaltou Juca.
Resumindo o conteúdo do documento entregue ao ministro, o diretor-superintendente da CNI/SESI, Antonio Carlos Maciel afirmou que “o importante é o fortalecimento da cultura, que considere as diferenças regionais e as várias expressões artísticas do país”.
O 1º Fórum de Investidores Privados em Cultura (FIPC), realizado em dezembro de 2008, em Brasília, contou com a presença de cerca de 70 pessoas, entre representantes de institutos, fundações e empresas, que realizam investimento social privado em cultura; especialistas e produtores culturais; membros da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC); representantes das organizações do Sistema S – Serviço Social da Indústria (SESI), Serviço Social do Transporte/ Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (SEST/ SENAT) e Serviço Social do Comércio (SESC), além de uma equipe do Ministério da Cultura.
Veja abaixo a consolidação da carta de princípios na íntegra:
OFÍCIO
São Paulo, 30 de março de 2009.
Ref.: 1º Fórum de Investidores Privados em Cultura: A Reforma da Lei Rouanet.
Excelentíssimo Senhor Ministro,
Encaminhamos a Vossa Excelência contribuições para a reforma da Lei Rouanet, consolidadas no 1º Fórum de Investidores Privados em Cultura, realizado em 01 de dezembro de 2008, em Brasília. Esta é uma iniciativa dos parceiros GIFE – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas, CNI/ SESI – Confederação Nacional da Indústria/ Serviço Social da Indústria e SEST/ SENAT – Serviço Social do Transporte/ Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte, com apoio estratégico deste Ministério.
2. O evento contou com a presença de cerca de 70 pessoas, entre representantes de institutos, fundações e empresas que realizam investimento social privado em cultura, especialistas e produtores culturais, membros da CNIC – Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, representantes das organizações do sistema “S” – Serviço Social da Indústria (SESI), Serviço Social do Transporte/ Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (SEST/ SENAT) e Serviço Social do Comércio (SESC) – e equipe do Ministério da Cultura.
3. Os trabalhos, que iniciaram pela manhã com a fala de Vossa Excelência e uma rodada de debates, estenderam-se pelo período da tarde no qual os presentes foram divididos em quatro grupos, cada qual orientado a debater uma das seguintes questões:
a) Quais os princípios que deveriam orientar uma reforma da Lei Rouanet?
b) Que aspectos deveriam constar em um diagnóstico do atual cenário das políticas culturais?
c) No que diz respeito à proposta de reforma, do que discordamos?
d) No que diz respeito à proposta de reforma, o que falta incorporar?
4. O resultado deste dia de debates é, portanto, o material ora apresentado. Trata-se de uma obra coletiva, construída a partir do consenso entre os diversos atores presentes. O documento não tem a pretensão de exaurir a profundidade do tema, mas de fortalecer a presente instância de participação social, bem como de auxiliar na definição de uma proposta de reforma da Lei Rouanet.
5. Colocamo-nos à disposição, para eventuais esclarecimentos, pelo telefone (11) 3816-1209, ramal 15 e e-mail diretoria@gife.org.br.
Respeitosamente,
Fernando Rossetti
Secretário-Geral
GIFE – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas
Antonio Carlos Maciel
Diretor-Superintendente
CNI/ SESI – Confederação Nacional da Indústria/ Serviço Social da Indústria
PRINCÍPIOS
As considerações foram divididas em princípios que devem orientar o processo de mudança da legislação de incentivo e fomento à cultura, até o momento de sua aprovação pelo Congresso Nacional e sua sanção presidencial, e princípios que devem nortear a própria lei.
1) Princípios que devem orientar o processo de reforma:
a) Transparência, alcançada pela disponibilização do anteprojeto de lei, o quanto antes, nos mais diversos meios de comunicação, com o objetivo de mobilizar a sociedade civil para este debate;
b) Visibilidade, segundo a qual o Ministério da Cultura deveria utilizar os meios disponíveis para efetivar uma comunicação didática sobre o processo de reforma, além de desmistificar certas práticas da lei;
c) Participação, decorrente da adoção da transparência, consiste em fortalecer o diálogo com a sociedade civil, mediante a construção de espaços de participação social e de canais para encaminhamento de contribuições à proposta de reforma da atual legislação;
d) Transversalidade, segundo a qual, durante o processo de reforma, seriam implementadas estratégias de intercomunicação com todos os atores da cultura do país;
e) Celeridade, da qual decorre o entendimento de que a proposta de reforma da Lei Rouanet deve tramitar em regime de urgência.
2) Princípios que devem constar da nova lei de fomento e incentivo à cultura:
a) Democratização de acesso a recursos;
b) Capacitação;
c) Conscientização;
d) Co-responsabilidade, reafirmando o papel do Estado e da sociedade como co-responsáveis pelo fomento da cultura no país, bem como pela implementação e pelo acompanhamento da nova legislação;
e) Transparência, quanto aos critérios de avaliação e aprovação de projetos e quanto aos dados. Dados claros e transparentes garantiriam acompanhamento e monitoramento da política pública incentivada e, conseqüentemente, revisão e atualização dos mecanismos de fomento e incentivo à cultura;
f) Desburocratização, garantindo maior celeridade nos processos de aprovação de projetos sujeitos à captação de recursos incentivados;
g) Sustentabilidade cultural, em que a preservação e o desenvolvimento da cultura seja a centralidade dos mecanismos de fomento e incentivo à cultura;
h) Eqüidade, a partir da qual será dado tratamento diferenciado diante da diversidade cultural do país.
DIAGNÓSTICO DA CULTURA
Ressaltou-se a necessidade de observância do princípio da transparência de dados pelo Ministério da Cultura.
As contribuições apresentadas foram identificadas como necessárias para aperfeiçoar o diagnóstico do atual cenário das políticas culturais e, assim, gerar informações qualificadas para o desenvolvimento de estratégias que visem a efetivar o potencial de utilização da Lei Rouanet.
Ao ministério foi apresentado o desafio de, além de dispor de dados, possuir condições e estrutura para analisá-los, produzindo conhecimento para orientar a construção de políticas públicas, a exemplo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação.
São sugestões:
1) Abertura completa dos dados do MINC, com grau de eficiência e eficácia, que contemplem as seguintes questões:
a) Quantos projetos são patrocinados a cada ano?
b) Quais são as áreas culturais e artísticas mais patrocinadas a cada ano?
c) Qual é o número de projetos realizados por ano?
d) Quais são os dados por segmento?
e) Quais indústrias e/ ou segmentos do mercado mais investem em cultura?
2) Criação de relatório que demonstre resultados atingidos e prestação de contas, orientado pelos seguintes questionamentos:
a) Qual é o impacto social e econômico do projeto aprovado?
b) Quantos são os empregos e os serviços gerados?
c) Quais indicadores devem ser melhorados por Estado?
d) Quais e quantos projetos estão alinhados à política nacional de cultura?
e) Quais são os números despendidos com publicidade pelo Ministério da Cultura?
3) Utilização de sistema de geo-referenciamento, que identifique:
a) Onde foi captado o recurso?
b) Onde, de fato, foi executado o projeto incentivado?
c) Qual é o impacto produzido na economia?
d) Quanto de impostos é gerado pela produção e execução de um projeto incentivado pela Lei Rouanet?
e) Qual o impacto econômico de cada projeto na cadeia produtiva em determinada área?
4) Geração de informações e pesquisas que identifiquem:
a) Por que apenas 5% das 400 mil empresas que podem investir em cultura via Lei Rouanet patrocinam projetos?
b) Por que as empresas contidas nos 5% decidiram investir? Quais são os fatores que geram o interesse e a política de investimento?
5) Para a parametrização, recomenda-se:
a) Criação de departamento/ instituto de pesquisa que produza e cruze dados sobre cultura entre os diversos órgãos do governo;
b) Diagnóstico da estrutura cultural do país, pública e privada;
c) Realização de pesquisa de preço médio dos projetos culturais;
d) Verificação estatística dos projetos aprovados não captados, por produto cultural;
e) Identificação do impacto econômico e social das ações culturais;
f) Identificação de quais artes, quando integradas, conseguem captar mais;
g) Elaboração de pesquisa estatística quantitativa, que contemple o número de:
i. projetos aprovados captados;
ii. projetos aprovados não captados;
iii. projetos rejeitados/ indeferidos.
DISCORDÂNCIAS E DESAFIOS
Foram identificados pontos de discordância da atual legislação que tem o mecanismo de incentivo fiscal como a centralidade do fomento à cultura. A mudança de paradigma, que consagra o Plano Nacional de Cultura como a finalidade precípua de uma política pública de Estado, foi reconhecida pelos investidores sociais privados presentes no fórum. Alguns desafios foram identificados para a efetivação do novo paradigma.
1) Superar a idéia da decisão do investimento ser exclusivamente do patrocinador. Para tanto, é proposto:
a) Definir critérios que estimulem o investimento em áreas que não têm apelo de mídia e que fazem parte das manifestações ameaçadas de extinção;
b) Criar mecanismos que garantam o patrimônio cultural e artístico brasileiro.
2) Garantir a participação dos setores na gestão dos fundos e das políticas culturais, mediante a proposta de:
a) Tornar público o processo de avaliação e acompanhar a aplicação dos recursos durante a execução do projeto;
b) Criar parcerias com o objetivo de avaliação e acompanhamento dos projetos.
3) Buscar que o orçamento do Ministério da Cultura corresponda a 2% do orçamento total da União e não somente, 1%.
4) Esclarecer o conteúdo das políticas culturais e fazer com que a democratização dos recursos estimule a auto-suficiência da economia da cultura como bem estar social e educação cultural.
NOVAS CONSIDERAÇÕES
Foram formuladas novas propostas que poderiam ser incorporadas ao novo modelo de lei de incentivo e fomento à cultura, que dessem conta de superar desafios da atual legislação.
1) Superar a concentração por região geográfica, proponentes, patrocinadores e áreas culturais. Para tanto, é proposto:
a) Ampliar o incentivo fiscal de 4% para 6%, para empresas tributadas com base no lucro real, cuja receita bruta anual seja de até determinado teto em reais por ano, com o objetivo de aumentar a base de patrocinadores com lucro real;
b) Criar instrumentos legais para pessoas físicas e jurídicas realizarem o patrocínio até o momento do fechamento da declaração do imposto de renda;
c) Buscar que empresas tributadas com base no lucro presumido utilizem a lei de incentivo à cultura, sob a condição de apenas poder apoiar projetos de proponentes de seu estado;
d) Criar o “INEP” da cultura para geração de informações usuais, dados culturais e artísticos, gerenciais e estatísticos e construção de séries históricas.
2) Construção, articulação e divulgação de uma política cultural de Estado, pautada pela acessibilidade, democratização do acesso, projetos perenes, alinhamento com a convenção da UNESCO e espaços de ação estratégicos. Recomenda-se, portanto, que a nova lei:
a) Adote princípios, critérios e parâmetros públicos que norteiem a graduação do benefício fiscal, entre os 30% e 100%;
b) Defina critérios para a concorrência de instituições de governo com a sociedade, a exemplo das Organizações Sociais (OS), Associações de Amigos e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP);
c) No caso de organizações ligadas ao poder público estadual, distrital ou municipal que acessem recursos originários da nova lei de incentivo e fomento à cultura, preveja contrapartida, em percentual a ser fixado, originária de orçamento próprio do ente federado.
3) Tramitação. A nova lei deveria:
Conceder benefícios diferenciados para organizações e instituições que possuam acervo com acesso público, atividades contínuas, editais públicos, programas de formação e informação voltados à sociedade e gratuidade com inclusão.
4) Garantir monitoramento da nova lei de incentivo e fomento à cultura. É proposto:
Criar mecanismos de monitoramento da nova lei, a exemplo dos adotados pela Organização das Nações Unidas (ONU), para aferir o cumprimento de convenções e tratados internacionais de direitos humanos celebrados no seu âmbito.
A criação desse sistema almeja o constante aprimoramento da nova legislação, na medida em que permite a avaliação crítica dos resultados alcançados com sua aplicação e permite a identificação de carências, potencializando o desenvolvimento de políticas públicas na área da cultura. O Poder Público continuaria a elaborar relatórios periódicos para avaliar os avanços e resultados alcançados com a aplicação da nova legislação. A sociedade civil, por meio de pessoas e/ ou organizações atuantes na área da cultura, constituiria um Comitê, a quem caberia elaborar relatórios alternativos, também conhecidos como relatórios sombra ou relatórios paralelos.
A idéia de conjugar relatórios elaborados pelo Poder Público com a vigilância da sociedade civil busca conferir legitimidade e transparência às considerações e resultados apontados por cada uma das partes, para que, de forma conjunta, se verifiquem os avanços e retrocessos da nova Lei.
ANEXO I
INCENTIVOS FISCAIS
PARA INICIATIVAS DE INTERESSE PÚBLICO
Tradicionalmente, os incentivos fiscais se destinam a encorajar uma determinada conduta que beneficia, de forma mais direta, o próprio contribuinte e, apenas indiretamente, a sociedade. Exemplo disto é a faculdade de dedução, no cálculo do IR, dos gastos em educação ou saúde realizados pelo contribuinte consigo próprio e/ou com seus dependentes. Os recursos que o Estado deixa de arrecadar são apropriados pelo contribuinte, em seu proveito imediato.
Nos dizeres do jurista Eduardo Szazi, há uma distinção entre os incentivos fiscais tradicionalmente formatados – que denomina de incentivos de primeira geração – dos incentivos fiscais para iniciativas de interesse público – os de segunda geração.
Nos incentivos fiscais de segunda geração, o valor que o contribuinte deixa de pagar como tributo é diretamente canalizado a uma finalidade de interesse público, sendo apropriado por terceiro – organização da sociedade civil ou fundo público – para o desenvolvimento de ações e projetos em prol da coletividade.
Os incentivos fiscais para iniciativas de interesse público cumprem dois importantes papéis. O primeiro, financeiro, consiste em alavancar recursos para uma determinada área ou setor. O segundo, de extrema importância, é o de mobilização social, com o propósito de estimular indivíduos e empresas – investidores sociais privados – a se envolverem nas causas da política pública incentivada.
*Com informações do GIFE.
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