Foram 5 dias de homenagens, seminários, debates e apresentações, que pautaram ícones da literatura universal e questões urgentes da diversidade cultural
110 escritores, 4.500 participantes e 12 mil crianças participaram da 11º Jornada Nacional de Literatura em Passo Fundo, entre 22 e 26 de agosto, pelo debate da Diversidade Cultural: o diálogo das diferenças. Ariano Suassuna, Carlos Heitor Cony, Frei Betto, Lobão, Leonardo Boff, Muniz Sodré e Moacyr Scliar foram alguns dos que representaram a cultura brasileira. Entre os autores internacionais, participaram Jostein Gaarder e Gilles Lipovetsky.
Outras atividades movimentaram simultaneamente o cenário cultural da Jornada: o Encontro Nacional da Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro; a 3º Jornadinha de Literatura; o 4º Seminário Internacional de Pesquisa em Leitura e Patrimônio e Seminário Nacional de Jornalismo Cultural, além de 30 cursos, exposições, apresentações artísticas, homenagens e leituras, que juntos, construíram uma reflexão ampla e multidisciplinar para tratar da questão da diversidade cultural.
Homenagens
A família Veríssimo, representada por Luiz Fernando Veríssimo, esposa e filhas, recebeu da coordenação da 11ª Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo uma homenagem à Erico Verissimo, que completaria 100 anos em 2005. Ao lado de Miguel de Cervantes e Hans Christian Andersen, Veríssimo foi homenageado nos cinco dias do evento, sendo tema de peça teatral, exposição e letra da música-tema do evento.
Ao escritor Ariano Suassuna, o maior nome da Jornada, foi concedido o título de Doutor Honoris Causa, no circo da cultura. Durante a solenidade, o professor da Faculdade de Artes e Comunicação, César Augusto Azevedo dos Santos, autor da homenagem, lembrou o papel da obra de Suassuna em defesa da identidade nacional e da diversidade cultural brasileira: “sua luta é contra a diluição das fronteiras e a uniformização da cultura”. O escritor agradeceu a homenagem com entusiasmo, por estar sendo realizada em um circo: “o circo e a leitura são duas encantações da minha infância”, garantiu.
Debates
Um dos pontos altos do evento foi um debate que reuniu 9 escritores, entre eles João Ubaldo Ribeiro, Silviano Santiago e Cecília Costa, para discutir O nacional e as manifestações populares na ficção narrativa. Questões cruciais do tema diversidade cultural, como identidade nacional e as dicotomias erudito X popular e regionalismo X nacionalismo, dentre outros conceitos sempre presentes nos debates culturais, alavancaram questões históricas, políticas e sociais. O escritor Silviano Santiago levantou a questão do conceito da cultura popular e das relações semióticas que ali representam o colonialismo e suas expressões impostas. Para ele , a problemática da identidade do brasileiro pode ser percebida em Iracema, de José de Alencar, onde se difundem a influência portuguesa nos termos tupi, “uma língua híbrida que nos representa como identidade.” Santiago afirma que o popular na cultura brasileira é “subalterno”, especialmente na literatura, no sentido de que expressa esta dominação, onde “o escritor acaba emprestando a voz para o subalterno”. Ubaldo Ribeiro acrescentou a força da hibridação do erudito e o popular nessa identidade, ressaltando a necessidade de que a educação seja priorizada neste processo como fator decisivo. A discussão caminhou para a dificuldade de se formular um conceito de nacionalismo, pela ameaça de imposições escondidas por trás do conceito. Para Alcione Araújo, o estado autoritário demarca o que considera nacional e transforma em sua representação.
Num encontro paralelo, o 1º Seminário de Jornalismo Cultural, a jornalista Regina Zappa expressou a necessidade de que a cultura abrace estes domínios e que os temas culturais não sejam tratados isoladamente, e sim na transversalidade. “Não pode ser assim. A cobertura cultural, assim como as outras, deve estimular o debate, ter uma mediação com o leitor, deve estar ligada à realidade, à vida da cidade, do país, do mundo. A cultura deve ser encarada como o alicerce de tudo.” A jornalista chama atenção para o fato de que o jornalismo cultural precisa ser tratado com fidelidade à sua essência, e não da mesma forma e nos mesmos moldes do jornalismo tradicional, das demais editorias. O jornalismo cultural, segundo ela, precisa recuperar uma interação maior com o leitor, ao contrário de como vem sendo produzido atualmente, onde “a notícia aparece como um bibelô e não como um fato importante e que faz parte da vida da gente”.
No dia 25, o tema Literatura, música, teatro e cinema: transposições foi a pauta de um debate descontraído entre Luiz Carlos Abreu, Antonio Grassi, Lobão, Walmor Chagas e Margarida Rebello Pinto. A diversidade de temas possíveis nos romances e a fidelidade das adaptações para o teatro foram argumentadas com a legitimidade de autorias, por Aderbal Ferreira Filho. Em seguida, Lobão, que se intitulou o “homem bomba”, mudou o tom da discussão ao dizer que o “jabá” é o “mensalão do rádio”. Fez também críticas polêmicas à igreja católica e aos intelectuais, e concluiu: “Eu quero é mudar o mundo”.
As multifacetas do cantor mostraram-se latentes ao longo da jornada. No show, na atuação do debate e na entrevista coletiva, onde expôs contradições que comprometem a diversidade cultural no Brasil e confundem essa diversidade no imaginário nacional. Para ele, o que se toca na rádio não corresponde ao cotidiano do país. A crítica de Lobão sugere que o jabá e o jeitinho brasileiro perpetuam uma censura disfarçada, uma idéia falsa da cultura. “Está sendo imposta uma trilha sonora que não corresponde ao que nós vivemos. Por exemplo, esse é o Ano do Brasil na França e exportamos Ivete Sangalo, Carlinhos Brown e Caetano Veloso, monoculturalmente. Isso representa o Brasil? Não me representa”. Na tentativa de justificar a redundância de manter seu foco nestas questões, disse que “não é o discurso que está velho, mas o sistema que não muda”, ressaltando a necessidade de se ter discernimento para escolher. Disse ainda que apesar do monopólio das rádios pelas grandes gravadoras que impõem um repertório repetitivo, existem alguns nichos no mercado cultural para atuar. “Apesar de a gente não ter tanta visibilidade no rádio, há muitos eventos, um calendário e um público que crê no nosso trabalho”, concluiu.