O lead, a fixação em responder perguntas básicas já lhe atormentara o suficiente. Falar em novo jornalismo sem a liberdade que o mesmo faz questão de ter, é mesquinho demais. Sem moldes quadrados, sem contemplação à informação alienante, a narradora fica feliz, transformou-se em protagonista da própria informação, da mesma história.
A verdade é que ela pouco anotou, gravou ou registrou de alguma forma palpável seu caminho até chegar aqui, não que achasse que sua memória seria tão eficaz como a de Capote, que guardou em sua fértil memória, anos de informações para o futuro e famoso livro, seu romance de não-ficção. Apenas não sabia que tudo que fez acidentalmente acabara por tornar real, a sensação do que iria falar.
Seria justo explicar que tudo caminhou com pernas tortas, errado, pouca sorte mesmo. O tema escolhido, além de causar um encantamento a primeira vista, foi também a única palestra a ser sugada pela moça. Jornalismo literário, algumas surpresas e ainda muitas dúvidas.
A correria de uma semana infernal acrescentou uma porção de coisas desagradáveis, desnecessárias naquela cabeça já cheia de enxaqueca. Aí o tempo passa e o que talvez pudesse estar longe, não tinha nem mesmo saído. O tema da palestra estava firme e forte, junto com as caraminholas.
O tempo da entrega, rapidamente se aproximou, até demais, quando viu, a segunda já tinha se levantado – Não vai dar tempo. Como fazer então a matéria sobre esse Novo Jornalismo? Preciso de mais informações, entrevistas, preciso definitivamente de mais tempo. O tempo: esse grande compositor de destinos. Ela realmente entendeu o quão ele é importante, a imersão nos fatos, a questão de humanizar tudo, e o pior, a internet já não podia mais ajudá-la. Sem saída Ctrl C mais Ctrl V, com o google de lado, o modo era pesquisa interna, mergulhar na fonte que lhe restava, Sergio Vilas Boas e sua palestra num repeteco mental.
Após café, cigarro, nervoso, alguns telefonemas, ajuda de um simpático professor desconhecido e um piriri corporal, começa o tec tec nas teclas, percorrendo e dando um baile no dead line. Enfim. A idéia da oficina de jornalismo é arriscar. Não poderia ser de outro jeito, não teria mais chance de errar. Fantástico. Lá estava ela narrando sua semana nada ficcional e seu primeiro contato com o que acabava de escrever.
O lead, a fixação em responder perguntas básicas já lhe atormentara o suficiente. Falar em novo jornalismo sem a liberdade que o mesmo faz questão de ter, é mesquinho demais. Sem moldes quadrados, sem contemplação à informação alienante, a narradora fica feliz, transformou-se em protagonista da própria informação, da mesma história. Lembrou do seu amigo citando, que o caminho se faz caminhando, de conhecimentos arrastados e que, começara a escrever muito antes de sentar a bunda na cadeira, a composição de idéias já tinha tornado seu texto apenas inacabado.
As Testemunhas
Talvez exista uma falta de personagens aqui, o jornalismo precisa deles. Enaltece os fatos, acrescenta e talvez os tornem mais reais, já que existe um certo desconforto sobre a fidelidade dos fatos nesse novo jornalismo, já que a criatividade deve reinar – Como se o jornalista mentisse… com lead, ou sem ele, nunca, imagina – Mas já está tarde, todos estão dormindo, e ao lado dela só um gato. Pronto. Ele deve servir de testemunha.
É bem difícil, ela se sente livre, mas sempre com um desconforto, a dúvida de ter respondido ou não, todas as informações sem fórmula, parece sempre estar na pergunta não inclusa, o “e daí?”. E daí que pelo menos a transparência que o gênero precisa ter, está timidamente acontecendo. Aí ela olha para frente, perto: a bíblia, fita o livro de Truman Capote mais uma vez, coça o nariz e percebe que pode ter feito uma besteira, já não existe mais tempo para fazer de outro jeito, pode sim, ter dado tudo errado, e ela nem mesmo se lembra como iniciou as palavras desta página.
A academia não lhe mostrou o suficiente sobre tudo isso, na mídia talvez não haja espaço disponível para aprofundar, não poderiam perder o valioso campo publicitário com longos textos a contar histórias desse dia-a-dia não-ficcional.
Com a ponta sempre existente, daquele velho amigo saudosismo, pensa nos tempos que o novo jornalismo (termo realmente novo naquela época), podia menos e conseguia mais, tempo que se firmou na década de 1960, onde a poda intelectual servia para o bonsai mental se tornar mais verde. Enfim, agora, ditadura mercadológica. A cutucaram com a provocação que advogar o gênero pode ser bem interessante comercialmente também – e o que não é?
O tempo também é mais escasso e os acontecimentos são muitos, veículos diários hoje são perigosos para jornalistas, ainda mais com essa doença do século, o stress está solto e dizem que hoje pega até bebê. Escrever quatro, cinco matéria/dia. Questão de sobrevivência.
– É então interrompida, a luz laranja de uma mensagem a faz parar. Mais um amigo pseudo-conhecido, que compartinha da mesma aventura, da mesma vivência jornalística da tal oficina. – O tempo está acabando, está frio e os pés descalços encostam o chão gelado. O gato ainda dorme, e o pensamento parece fritar na pista do raciocínio. São quase duas da manhã. Pensando no inicio, relembra que tudo começou com a única preocupação de contar histórias, sem técnicas, apenas narrar, não era jornalismo literário, isso veio depois, era contar o que precisavam saber. Século 19 e ponto.
Comunicação na sociedade digital foi o tema deste ano no Intercom. Isso é fruto do mesmo. Engraçado é o fato de que ela poderia ter escrito tudo isso com carvão em qualquer madeira, mesmo que utopicamente por alguns longos minutos, e apenas durante eles, e que os passos reais contaram mais do que o tempo navegado por essas bandas.
Não é interessante largar a corriqueira forma de notícia, agora ficou nela o gosto de misturar isso também. Independentemente da moça ter acertado o alvo ou não, os anseios não ficaram em branco, igualmente a essas páginas, poderia ter sido diferente sim, ela adoraria que o perfeccionismo tivesse tempo, mas não foi, e não é. Só queria contar uma história, foi só mais um dia, dia difícil, passou por ela e agora por você.
Thâmara Malfatti *
* reportagem experimental produzida na I Oficina Itinerante de Jornalismo Cultural, promovido pelo 100canais.