Quem não se lembra do clichê dos economistas no período da ditadura em que o país viveu o artificial milagre econômico e produziu uma vala de conseqüências sociais absolutamente irresponsáveis?

O Brasil, com o malfadado clichê econômico, “crescer para repartir o bolo”, construiu, durante duas décadas nas mãos dos militares, um grande espetáculo de desigualdade social, ampliada com a terceirização e privatização do Estado nas eras, Collor e FHC, frutos de uma mesma visão concentradora, paternalista com os ricos e excludente, criminosa e massacrante com os pobres, homens, mulheres, idosos e crianças, brasileiros que, por uma soma de inconseqüentes políticas econômicas, foram jogados ao relento diante da miséria em um país com todas as condições de proporcionar ao seu povo uma vida de absoluta harmonia, de equilíbrio, de desenvolvimento sustentável, de progressão científica e avanço tecnológico.

Com a invejável riqueza natural que o Brasil possui, poderia perfeitamente abraçar cada brasileiro, incluí-lo nas mínimas condições de cidadania, mas, com décadas de políticas desumanas, a desigualdade transformou-se no símbolo máximo da sociedade brasileira fazendo com que todos nós fôssemos classificados, não mais como cidadãos, mas como consumidores, garantindo assim, os contornos do pensamento irracional, o que amplia ainda mais a desigualdade.

A arte, a cultura poderia ter um papel histórico neste momento, o de convocar o Brasil e revelar as perdas que temos quando deixamos de incluir cada um dos brasileiros que formam o mais espetacular caldeirão cultural do mundo. O que é mais nacional do que o homem brasileiro? O que mais representativo culturalmente do que o homem brasileiro? O que é mais produtivo que o homem brasileiro? Não é tão difícil assim, basta que abandonemos esse quadro lastimável de acreditar em miragens faraônicas e tenhamos um mínimo de humildade e abandonemos nossos pequenos projetos de alavancar com a mesma artificialidade dos anos de chumbo, uma economia cultural centralizadora.

A inestimável contribuição de vários documentaristas brasileiros que mapeiam e registram, em áudio e vídeo, este país, já é uma senha explícita de que carecemos de um pensamento mais equânime.

O Brasil precisa neste momento se fortalecer em duas frentes fundamentais, na agricultura familiar e na cultura familiar. Nem o agro-negócio e muito menos os grandes espetáculos ou produções de entretenimento funcionarão para o benefício do conjunto da sociedade brasileira. Carecemos de uma costura artesanal com menos estardalhaço, mas que traga resultados efetivos na educação, no desenvolvimento das pequenas agriculturas e manifestações culturais.

A crítica liderada editorialmente por Ali Kamel (O Globo) ao programa bolsa família reflete, na realidade os defensores de um Brasil mapeado por PROERs de toda ordem econômica, que insistem em bater, com argumentos risíveis, uma das ações mais exemplares deste governo. É lógico que grande parte da mídia, digo, grande mídia e não jornalismo, pois o que temos hoje são pessoas que escrevem em grandes jornais, matérias e editoriais a mando da ganância de seus patrões e que nada têm a ver com o jornalismo crítico e responsável. Pessoas que tomam de assalto uma profissão tão necessária ao país e se utilizam da liberdade de expressão dos veículos de comunicação em prol do uso criminoso de uma arma em riste contra a sociedade e a justiça social.

A Lei Rouanet é um veículo que poderia ter uma importante contribuição neste momento se optasse pela democracia dos seus benefícios, se seguisse vias de oxigenação social e, consequentemente cultural, construindo novas trilhas e caminhos que promovessem o fluxo de um sentimento já unificado e interligado pela alma artística do povo brasileiro, o que contribuiria para o desenvolvimento de um amplo e efetivo mercado cultural, oportunizando artistas, produtores, técnicos, pessoas ligadas à cultura em todo o país. Novos espaços públicos seriam contemplados, assim como a capacitação técnica de inúmeros profissionais da cultura, promovendo com isso, um diálogo maior entre a multiculturalidade brasileira.

Os gargalos da Lei Rouanet são visíveis, eles estão na burocracia estatal, na concentração de recursos em projetos dos grandes centros, onde estão instalados os escritórios das maiores empresas, estatais e privadas, promotoras e patrocinadoras da “cultura brasileira”, empresas que não têm o mínimo interesse em estender as suas ações a meia-dúzia de quilômetros do seu quartel-general.

Quando cito, como exemplo, o programa Bolsa Família, quero chamar a atenção para que os críticos saiam um pouco da manada teleguiada e procurem se interar dos seus efetivos resultados, não só na questão social, mas também na questão econômica. Para tanto, existem serios estudos realizados por agências brasileiras e estrangeiras que mostram a extensão do impacto benéfico que  programas sociais do governo como o Bolsa Família vêm proporcionando às classes menos favorecidas do Brasil. Então, perceberão que não é o pobre, como acreditam e que cantam em coro, o manipulado, o que não percebem é que manipulados são eles próprios, os “bem-informados” por uma mídia tendenciosa e alugada para expandir os ecos de um pensamento reacionário, o que há de pior na sociedade brasileira.

Está nas mãos de artistas, produtores, técnicos, enfim, profissionais da cultura, a possibilidade de provarmos que a nossa grita em prol do significado da cultura de um país tem relevância estratégica e, consequentemente, prioritária para nos fazermos entender. É só abandonarmos a mesquinhez, o medo que produz concentração e encolhimento e abraçarmos o nosso maior símbolo cultural, o homem brasileiro, do sertão, das cidades, das metrópoles, dos grotões, dos morros, das favelas, das taperas, enfim, onde estiver a cultura brasileira, ou melhor, onde tiver brasileiros, artistas ou platéia, nas ruas, nos teatros, nos bares, nas biroscas, nos terreiros e etc, sem ufanismos patrióticos, mas com responsabilidade cidadã que dê suporte suficiente para externarmos um sentimento natural de brasilidade, brasilidade essa de universalidade ímpar no mundo.

Portanto, a palavra de ordem neste momento, por força das circunstâncias, tem que ser “repartir para crescer”. Essa é a nossa urgente e necessária revolução cultural.


Bandolinista, compositor e pesquisador.

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