Aprovado no Senado, PL sobre crimes cibernéticos, tramita na Câmara sob intenso fogo cruzado, dividindo opinião de especialistas.
Provedores e usuários brasileiros da rede mundial de computadores continuam na mira do projeto de lei de autoria do senador Eduardo Azeredo (PSDB) que pretende definir crimes cibernéticos. Aprovado no Senado, o PL tramita na Câmara desde o inicio deste mês, sob intenso fogo cruzado. Especialistas contrários à nova lei apontam um suposto favorecimento a bancos, que deixarão de ser responsáveis por fraudes na rede, e a empresas de segurança de dados, beneficiadas pelo artigo 22 do PL, que define a regulamentação de provedores e, entre outras exigências, obriga que dados de internautas sejam armazenados e passem por auditoria. Um retrocesso no uso da internet no país, segundo o sociólogo Sergio Amadeu. “Navegação precisará ser constantemente vigiada”.
“Na verdade, a regulamentação do artigo 22 do projeto do Senador Azeredo, que exige a guarda dos logs (registros de acesso) dos usuários por três anos, exigirá a identificação do usuário de redes abertas”. Segundo ele, isso inviabilizará as redes wireless (sem-fio). Para o sociólogo, o projeto do Senador Azeredo busca destruir o anonimato na internet, tornando antecipadamente todos suspeitos. “Expressa a visão da comunidade do controle que não se conforma com a existência da comunicação descentralizada e distribuída”. O argumento que busca justificar o projeto, destaca justamente os crimes que utilizam terminais de acesso público, principalmente nos denominados cibercafés e lanhouses. “A grande maioria desses estabelecimentos não exige identificação de seus usuários, o que permite a atuação virtualmente anônima dos malfeitores”, afirma o texto assinado pelo senador Gerson Camata.
Debate público
A falta de consenso generalizada levou a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática a concordar com a realização de uma audiência pública, proposta pelos deputados Jorge Bittar (PT-RJ) e Paulo Teixeira (PT-SP). O debate deve ser realizado em conjunto com duas outras comissões da Câmara O presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia, deputado Walter Pinheiro (PT-BA), defendeu a análise em conjunto com as outras comissões para que seja possível inclusive afinar o conteúdo do projeto e buscar sintonia sobre texto que será levado à deliberação no plenário da Câmara. “O relatório aprovado no Senado tem suscitado muita controvérsia, e deverá merecer atenção especial dos deputados para que as dúvidas sejam esclarecidas”, justificou o deputado Bittar. Uma grande mobilização virtual também foi articulada por meio de blogs, comunidades e sites em protesto ao PL. Entre elas, uma petição online, que chegou a arrecadar mais de cem mil assinaturas.
Outra justificativa do PL é criminalizar a pornografia infantil e crimes como roubo de senha na rede, mas dependendo da interpretação dada ao PL, as conseqüências extrapolam o suposto objetivo. É o que defende o professor Pedro Paranaguá, da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas (FGV). “A redação do PL, tal como aprovado pelo Senado, ficou melhor, mas continua ampla, o que dá margem a múltiplas interpretações”, observa. O professor ressalta a possibilidade de criminalização de usos corriqueiros da internet. “É muita insegurança jurídica para a população, ainda mais vindo de uma lei criminal, caberia ao Juiz aceitar ou não as diversas interpretações”.
A internet brasileira precisa de uma regulamentação civil, e não criminal, defende o professor. “Com a aprovação do projeto no Senado, nossa primeira lei abrangente sobre a rede corre o risco de ser um frankenstein criminal, aprovado às pressas”. Ele lembra que não há legislação que trate de temas como a privacidade online, o regime de proteção aos dados pessoais, as salvaguardas e responsabilidades dos provedores, o comércio eletrônico e os serviços online. “O caminho natural é a regulamentação civil”. Paranaguá defende que a lei penal seja aplicada apenas em casos excepcionais. “Quando tudo mais dá errado, recorre-se a ele”.
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