A indústria do livro é dinâmica. Cada livro tem sua história, seu mercado, seus leitores, sua função. Mas se este dinamismo é bom e atrativo por um lado, por outro ele está diretamente ligado aos maiores desafios e ameaças que o mercado editorial vem enfrentando. Afinal, como gerenciar um negócio com produtos tão diferentes e variados, lançados em alta velocidade no mercado? Como elaborar estratégias de desenvolvimento de produto, de marketing, de vendas e de produção em um mercado com tantos produtos, poucos leitores, varejo consolidado e indústria pulverizada?
Carlo Carrenho, diretor do portal especializado em mercado editorial PublishNews, estará no Cemec de 26 a 29 de maio para o curso Book Publishing: Os bastidores do livro, assinado por este Cultura e Mercado, para abordar essas e outras questões. Especializado em Publishing pelo Radcliffe College, ligado à Universidade de Harvard, Carrenho tem 20 anos de experiência nesse mercado.
Em entrevista, ele faz uma análise sobre os diversos aspectos que têm influenciado o desenvolvimento do setor no Brasil.
Cultura e Mercado – Diariamente vemos notícias sobre movimentações do mercado editorial. São novas aquisições de editoras, grandes redes de livrarias abrindo novas filiais – ao mesmo tempo em que as pequenas lojas enfrentam dificuldades -, crescimento do mercado digital, entre outras coisas. Imaginamos que a tecnologia é a grande responsável por esse dinamismo. Além disso, quais fatores influenciam?
Carlo Carrenho – A tecnologia sem dúvida é um fator importante, especialmente quando se considera o desenvolvimento do e-commerce, hoje responsável por uma parcela considerável das vendas de livros no Brasil e no mundo. Além disso, a tecnologia acelerou ainda mais o processo de globalização econômica e cultural, fazendo com que a indústria editorial, que antes era muito regional voltada para mercados domésticos, ganhasse uma atuação global. É o e-commerce quem mais ameaça as livrarias e é a globalização do mercado que tem gerado as consolidações recentes de editoras. Há também outros fatores influenciadores, mas estes agem mais localmente. No Brasil, por exemplo, o crescimento da classe C e o aumento do alfabetismo funcional, ainda que apenas no extrato do nível básico de alfabetização, são fatores que influenciaram positivamente o mercado. Mas, infelizmente, outras indústrias do entretenimento souberam aproveitar melhor a oportunidade e aumentaram seu market share, de forma que o mercado de livros de interesse geral tem estado estagnado nos últimos 10 anos.
CeM – Quais são os pontos positivos e os pontos negativos do mercado editorial brasileiro hoje em relação aos outros países? Estamos caminhando bem em quesitos como, por exemplo, profissionalismo e práticas de mercado?
CC – Estamos caminhando muito mal. O mercado editorial brasileiro ainda possui muitas ineficiências se comparado com os mercados de países como EUA, Inglaterra e Alemanha. Além do problema logístico, nossos modelos comerciais e de relacionamento entre livrarias e editoras ainda têm muito o que melhorar. E com muitas editoras ainda são familiares, o índice de profissionalismo e de aplicação boas práticas de gestão é baixo. As editoras de didáticos e de livros universitários costumam ter um perfil bem mais profissional, no entanto.
CeM – Temos acompanhado nos últimos anos notícias sobre grandes fusões entre editoras. Corremos o risco de uma concentração?
CC – A concentração já está acontecendo e vai acontecer ainda mais. Mas o risco não é de negócios, até porque esta concentração é necessária para dar escala ao negócio do livro. A indústria editorial não vai conseguir competir com as megaempresas de cinema, internet, games e telefonia se estiver toda dispersa em pequenas empresas. Além disso, com entrada de gigantes como Amazon e Apple no mercado editorial, é importante que se tenha um mínimo de tamanho para negociar. Por isso, a concentração até tem um lado positivo par ao negócio do livro. No entanto, quem sofre é o lado cultural, pois a bibliodiversidade se enfraquece e sofre muito. O desafio está em manter a bibliodiversidade na indústria de livros apesar das necessárias profissionalização e consolidação do setor.
CeM – Ao mesmo tempo, especialmente de um ano pra cá, vimos uma grande movimentação do chamado “mercado independente”, com plataformas de self-publishing, crowdfunding, etc. Isso já está mexendo com o mercado? Se não, o que falta para acontecer?
CC – Ainda está mexendo pouco porque é um movimento recente por aqui. Mas lá fora, particularmente nos EUA, já está mexendo bastante. Não é à toa que a Penguin Random House, maior editora do mundo, é dona da Author Solutions, uma das maiores empresas de auto-publicação dos EUA. Estamos uns cinco anos atrás dos países desenvolvidos nestes processos, mas não podemos nos deixar enganar. Eles vão ocorrer por aqui.
CeM – Pesquisas indicam que o brasileiro lê pouco. Em que medida o problema é o acesso? Livro no Brasil é caro? O que os profissionais envolvidos na cadeia produtiva do livro poderiam fazer nesse sentido?
CC – O acesso com certeza é parte do problema. O Brasil possui apenas cerca de 1000 livrarias de fato. São raras as boas bibliotecas. E o livro é caro graças a falta de escala e a ineficiência do setor. Ampliar o acesso ajudaria a criar leitores e facilitaria a vida de quem gosta de ler, mas não consegue. No entanto, isto está longe de resolver o problema. Na verdade, o baixo índice de leitura brasileiro está mais direcionado ao nosso déficit educacional do que qualquer outra coisa. Quando a educação brasileira melhorar e começar a dar frutos, teremos mais leitores. E para finalizar, não custa lembrar que o amor pela leitura e pelo livro é criado em casa. A escola pode ensinar a ler, mas é pai e mãe que ensina a gostar de ler.
CeM – Com relação ao livro digital: de que maneira você vê sua consolidação na indústria e no mercado editoriais? Acredita que ele vai de fato mudar os caminhos de quem atua ou pretende trabalhar nessa área – desde escritores até as livrarias?
CC – O e-book trouxe um movimento de ruptura, uma verdadeira revolução, no acesso e na distribuição dos livros. Aqueles profissionais ligados a esta parte da cadeia do livro – especialmente profissionais comerciais das editoras, livreiros, distribuidores – estão vendo os caminhos mudarem diante de seus olhos. Já quem atua na área de produção editorial, continuará com o mesmo ofício em outro suporte. O digital não muda muito o trabalho do editor, apenas permite que ele chegue mais longe.