Ação Civil Pública instaurada pela Defensoria de Taubaté na Comarca de São Luiz do Paraitinga busca estabelecer limites mais rígidos à monocultura do eucalipto no município A partir de abaixo-assinado colhido no município de São Luiz do Paraitinga, de cerca de 10 mil habitantes, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo instituiu Ação Civil Pública contra as empresas Votorantim Celulose e Papel e Cia Suzano de Papel e Celulose, gigantes do ramo e praticantes da monocultura em terras próprias e arrendadas que hoje ocupam cerca de 20% da área do município. Reportagens anteriores em Cultura e Mercado já apontavam a posição dos movimentos sociais e das empresas.

O abaixo-assinado, capitaneado pelo auto-intitulado Movimento de Defesa dos Pequenos Agricultores (MDPA) do município, pontuava entre outras questões o grande impacto das empresas no ciclo econômico da região. Antes a geração de renda era centrado na pecuária e agricultura de subsistência, responsáveis pelo emprego de um maior contingente de trabalhadores e impactada pela mecanização e avanço biotecnológico no cultivo, em especial com utilização de agrotóxicos e de plantas geneticamente modificadas e clonadas. Além de impactarem sobre a oferta de água nos mananciais da região, pelo consumo das árvores e pelo desrespeito aos limites de distância para tal.

Foram destacados ainda os impactos culturais da monocultura, seja afastando a população das zonas rurais, um dos últimos resquícios da chamada “cultura caipira” do interior de São Paulo, seja impedindo o acesso e a conservação de Igrejas rurais, capelas e casas de fazendas. De acordo com o documento, “segundo moradores dos bairros Pico Agudo e Ribeirão Claro, Sertãozinho e Toca da Cotia e Selado as empresas, Cia. Suzano de Papel e Celulose e Votorantim Celulose e Papel (VCP), ao adquirir propriedades para o plantio de eucalipto, fecharam caminhos antigos que davam acesso às Igrejas e Capelas, impedindo dessa forma a continuidade das celebrações devocionais e festivas da comunidade com os seus santos de fé e devoção”.

Foi levantado ainda pelos movimentos sociais que parte das fazendas encontra-se dentro do perímetro urbano da cidade, e nas proximidades do Rio Paraitinga. No abaixo-assinado, eles solicitaram a imediata paralisação e/ou congelamento do plantio de novas áreas de reflorestamento (eucalipto) no município, incluindo também os realizados através da estratégia do fomento, por um período de 3 anos, e sua liberação somente após a realização de zoneamento agro-ecológico no município. Pede ainda que as empresas e a Prefeitura sejam condenadas a repararem os danos causados ao meio ambiente e aos moradores rurais, investindo em projetos ambientais diversos.

Desenvolvimento sustentável

Em contato com as assessorias da VCP e da Cia. Suzano acerca da Ação, esta reportagem teve somente resposta da Votorantim, que em nota oficial ressaltou seu compromisso com o desenvolvimento econômico e social das comunidades nas quais está inserida, de acordo com as diretrizes do Instituto Votorantim e das comunidades locais. Alegou ainda seguir a legislação ambiental e deter todas as licenças e autorizações exigidas para operação, possuindo um plano de manejo de suas áreas florestais disponível para o público e certificação pela ISO 14000 e pelo Forest Stewardship Council (FSC) e conservando Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais. Alegou ainda monitorar a aplicação de herbicidas e adubos, e a apoiar a formulação de um plano diretor para São Luiz do Paraitinga, não plantando eucalipto em novas áreas desde outubro de 2005.

A VCP disse ainda possuir uma área de cerca de 3.371 hectares em São Luiz, dos quais cultiva 1.916, ou 3,1% da área do município. Até a última segunda-feira (dia 3) a empresa não foi notificada oficialmente a respeito da Ação.

O texto da Ação Civil Pública, incluindo pedido de liminar, ampliou as acusações feitas pelo MDPA, reunindo documentação do movimento social e de ações anteriores iniciadas no município, inclusive uma ação por envenenamento com agrotóxicos utilizados em propriedade da VCP. Contextualizando a ação, fez menção ao mercado internacional de celulose e papel, remetendo à sua concentração em quatro grandes empresas e sua recente expansão para terras do Cone Sul latino-americano. Mencionou ainda a contínua busca do movimento e de ambientalistas locais por auxílio do Ministério Público Federal e Estadual e dos poderes executivo e legislativo locais, permitindo o plantio em níveis que hoje ameaçam “inviabilizar a concretização do tão propalado desenvolvimento sustentável” e ameaçam os recursos sustentáveis.

Embora focada nos danos ambientais, em especial na devastação resultante da exaustão das terras utilizadas no plantio, caracterizada em trechos como “As fotos – impactantes – mostram a paisagem lunar, de terra arrasada, legada após o exaurimento, e corte, da monocultura do eucalipto. A terra fica ressequida, morta, com milhares de tocos de árvores a atestar seu esgotamento ambiental”, a Ação diz respeito ainda aos impactos ao patrimônio cultural, citando, além da posição de pesquisadores locais, os casos da Capela de Nossa Conceição da Água Santa, que ruiu por falta de cuidados da Cia. Suzano, que impediu inclusive o acesso dos populares a seu interior, na década de 1970, e da Capela do Pico Agudo, antigo centro de festejos no bairro de mesmo nome, em relação ao qual se diz: “O sagrado violado. Em meio à vegetação, sobrevivem as ruínas da antiga Capela de Nossa Senhora do bairro do Pico Agudo. A companhia Suzano de Papel e Celulose, no ano de 1973, ao adquirir terras da fazenda Teodoro para o plantio de eucalipto, fechou um caminho secular que dava acesso à mesma”.

A ação faz menção ainda a impactos semelhantes, em especial os ambientais, nas margens do São Francisco nos estados de Minas Gerais e da Bahia, e na concentração de terras das companhias de Celulose e Papel no Rio Grande do Sul. São notórios ainda o plantio destas culturas nos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Amapá. Foi mencionada ainda a relação entre as pesquisas genéticas das empresas, em especial da Cia. Suzano, e recursos públicos, através de pesquisas financiadas na Escola Agrícola Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, e no projeto para mapear o genoma do eucalipto, capitaneado pelo MCT.

Críticas de pesquisadores e professores universitários, como o professor da UFRGS Ludwig Buckup e do professor da USP Aziz Ab’Saber remeteram ainda à promiscuidade de governos locais com as empresas, inclusive com o financiamento de campanhas de políticos. Críticas semelhantes foram feitas à imprensa em geral.

Em entrevista ao Cultura e Mercado, o defensor Wagner Giron chamou atenção ainda para que a Ação deve demorar ainda alguns anos para chegar a um resultado, mas que liminar, pedida na Comarca de São Luiz do Paraitinga e ainda sem resposta, pede a interrupção de novas plantações até que o resultado apareça. Na possibilidade de a liminar, ou mesma a Ação, não serem aceitas na Comarca, restará ao órgão apelar ao Tribunal de Justiça do Estado. Entre os pedidos da Ação, estão a recomposição da situação anterior à monocultura e a condenação das empresas por danos morais, a ser disponibilizada ao Fundo Estadual de Recomposição Ambiental.


Morador do Campo Limpo (Zona Sul de São Paulo), é jornalista e mestre em comunicação, além de pesquisador no núcleo Alterjor, da ECA/USP.

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