No dia 4 de abril, o MIAN – Museu Internacional de Art Naïf do Brasil, encerrou suas atividades após uma sobrevida de dificuldades em busca de verba para o seu projeto de autossustentabilidade.

Realização da Fundação Lucien Finkelstein, o museu ocupa um casarão barroco do século XIX, localizado no bairro do Cosme Velho, no Rio de Janeiro. O casarão abriga o maior acervo naïf do mundo.

Em 2004, o inesperado cancelamento da verba fornecida pela prefeitura do Rio de Janeiro tornou o negócio insustentável, uma vez que era o único subsídio externo que o MIAN possuía.

A museóloga e diretora do MIAN, Jacqueline Finkelstein, filha de Lucien Finkelstein, falecido em 2008, relata nesta entrevista as dificuldades enfrentadas.

Qual a definição de arte naïf?
Naïf é um adjetivo francês que significa ingênuo. Era utilizado como um apelido do mesmo jeito que, expressionista, surrealista e impressionísta eram apelidos que caracterizavam outras tendências que emergiram da arte moderna. O artista naïf é autodidata. Ele não segue regras, escolas ou tendências. Pelo contrário, ele elabora a própria técnica e desta atitude vem a noção de primitividade. Embora a proximidade com o artesanato e o espírito popular, o artista naïf vai além de reproduzir tradições. Enquanto experimenta caminhos e constrói sua técnica ele se inventa.
A inspiração vem do seu entorno e da manifestação direta do subconsciente. Como não estão comprometidos com o racional trazem o onírico misturado ao cotidiano. Existe ainda uma preocupação ecológica e com a preservação da Natureza que caracteriza este artista desde sempre. É portanto um precursor de questionamentos contemporâneos.
A arte naïf pode ser entendida também como uma arte pura, natural e espontânea.

Como se deu a decisão do encerramento das atividades do MIAN?
Tudo o que se poderia fazer para que o Museu continua-se ativo foi feito. Ao longo dos anos realizamos e aprovamos inúmeros projetos nas leis de incentivo fiscais, mas a dificuldade era evidenciada na hora da captação.

Fale mais sobre esta dificuldade na captação de recursos.
Em 2007 quando fechamos o MIAN pela primeira vez, o assessor parlamentar de um deputado federal nos procurou sensibilizado com o encerramento dos serviços do Museu e nos orientou em busca de patrocínio na Petrobrás. Em março de 2008 o projeto de revitalização do Museu, aprovado pela Lei Rouanet, foi encaminhado à gerente de patrocínio da Petrobrás. Depois de um ano de negociações, tivemos a afirmativa contundente da empresa quanto a concretização do projeto. Mas a parceria não foi efetivada e não houve esclarecimentos.
Em 2008, mais uma vez surgiu a esperança de continuidade e concretização do Museu Naïf. Realizamos em parceria com a Light e o Instituto Cultural Cidade Viva, um estudo de viabilidade econômica para o projeto de autossustentabilidade do Museu. O que parecia ser uma parceria bastante promissora com a Light – apesar do interesse declarado mediante as apresentações e reuniões – sem maiores esclarecimentos não seguiu adiante.
Fica aqui uma grande icógnita, um grande mistério em relação a postura empresarial no que concerne a política de captação de recursos.

O que foi possível fazer com a verba da Prefeitura?
A Lei No. 2734 de 24/12/1998, autorizou o pagamento anual de 195.000 UFIR à Fundação Lucien Finkelstein. O que significa entorno de 16 mil reais mensais que destinamos à realização de mostras e exposições periódicas, ao atendimento das visitas programadas de estudantes da rede pública de ensino, ao pagamento do pessoal e à infra-estrutura de base. Não era possível, por exemplo, cobrir os serviços de manutenção das obras. Apesar de estar aquém do orçamento necessário, a verba da Prefeitura nos possibilitava funcionar.

Qual foi o período de duração dessa verba?
Recebemos da Prefeitura de 1999 à 2006. Em 2004 não recebemos no tempo previsto, procuramos saber o que havia acontecido, eles alegaram falta de verba e nos repassaram um valor específico para a realização de uma exposição. A partir de 2005 a verba repassada pela Prefeitura foi bastante reduzida e de 2007 em diante não recebemos mais.

Quem são os artistas mais representativos da pintura naïf?
Brasileiros temos: P.P. Leal, Chico da Silva, Heitor dos Prazeres, Miranda, Lia Mittarakis, Cardosinho, Aparecida Azedo, Waldomiro de Deus, Gerson, Elza, dentre inúmeros outros. O grande pintor estrangeiro é sem dúvida o francês Henri Rousseau. Temos ainda, Seraphine, Vivin, Bombois, Rabuzin, Generalic, Prefete Duffaut, Grandma Moses, e muito mais.

Conte-nos sobre a história do MIAN.
O acervo básico do Museu é constituído pela coleção particular de Lucien Finkelstein acumulada durante 40 anos. Apaixonado pela arte naïf, Lucien começou a colecionar as obras dos artistas naïfs brasileiros que descobriu. Posteriormente adquiriu também obras de artistas naïfs estrangeiros.
Quando alcançou um número significativo de obras, Lucien resolveu compartilhar o acervo e constituiu em 1985 a Fundação Lucien Finkelstein, entidade destinada à manter o Museu. Este por sua vez foi criado em 1995, quando Lucien aquiriu o casarão do Cosme Velho para receber o seu acervo.
Antes mesmo da abertura do MIAN, a Fundação Lucien Finkelstein expôs o seu acervo. A primeira grande mostra de parte do acervo, foi: O Mundo Fascinante dos Pintores Naïfs, exposta no Paço Imperial em 1988. Em seguida, no ano de 1990, o CCBB – Centro Cultural do Banco do Brasil recebeu 100 quadros da coletiva: Pintores Naïfs do Equador. Em 1994, participou da INSITA 94, Trienal Internacional de Arte Naïf, em Bratislava, Eslováquia. Participou da coletiva na Feira Internacional do Livro, em Frankfurt, Alemanha, com a mostra: Naïfs Brasileiros de Hoje.
Em 1995, apoiado pela Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro, inaugurou a exposição Naïfs do Estrangeiro abrindo as portas do MIAN ao público.

Quem foi Lucien Finkelstein?
Lucien nasceu na França e quando veio pela primeira vez para o Rio tinha 16 anos. Lucien tornou-se joalheiro reconhecido pelo talento na concepção de seu design. Uma de suas jóias foi encomendada pelo então governador da cidade do Rio de Janeiro para presentear a rainha Elizabeth quando da sua visita a cidade. Lucien criou uma pulseira em forma de golfinho, o símbolo do Estado da Guanabara. Lucien era um estudioso apaixonado pelas artes, intelectualizado e amigo de Di Cavalcanti, dentre vários outros artistas da época. Foi numa viagem à Recife, quando visitava uma lojinha de artesanato, que, por acaso, Lucien deixou cair uma tela do artista alagoano, Miranda. Encantado pela pintura, ele passou a encomendar as obras de Miranda regularmente, acabando por comprar-lhe toda a produção. Da mesma forma que Lucien, o grande crítico, Anatole Jakovsky também deslumbrou-se com a pintura de Miranda. Assim surgiu o colecionador e o mecena, que não parou mais de descobrir artistas naïf  brasileiros e estrangeiros.

Quantas obras compõem o acervo do MIAN?
O acervo possui cerca de 6000 obras. Hoje, o MIAN reúne o maior e mais completo acervo do gênero no mundo, entre obras brasileiras e estrangeiras. Há representações de todos os Estados do Brasil e de mais de 120 países. São peças que datam desde o século XV aos dias de hoje, fazendo do Museu Internacional de Arte Naïf do Brasil, o maior registro da história da arte naïf no mundo.

Quem são os outros países de grande representabilidade no gênero?
A França, a Iugoslávia, o Haiti e a Itália, compõem com o Brasil o grupo dos 5 maiores produtores de arte naïf do mundo. Os nossos artistas fazem parte do acervo dos principais Museus de Arte Naïf existentes.

A arte naïf brasileira possui algum diferencial em relação a arte naïf de outros países?
Não. Cada artista se apresenta como um diferencial perante os demais, ao desenvolver sua técnica e o seu autodidatismo. O resultado é sempre particular e não caracteriza um diferencial entre regiões, mas revela individualidades.

E daqui em diante? Existe interesse na compra do acervo?
Embora o interesse de instituições estrangeiras na compra do acervo, a orientação da direção do MIAN sempre foi a de manter a coleção no Rio de Janeiro, cidade que tão bem recebeu Lucien. Por outro lado, acabamos de tomar a difícil resolução que se deu com o fechamento do Museu. Agora precisamos refletir e reavaliar a nossa posição.


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Artista multimeios e especialista em Psicologia Junguiana, Arte e Imaginário.

1Comentário

  • Samanta, 17 de junho de 2011 @ 13:49 Reply

    Que notícia triste!
    Um museu com um acervo tão rico fechar por falta de financiamento.

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