“A miséria é culpa da nossa elite, e a origem está na escravatura.” “O Império me preocupa muito, mas acho que a visão imperial não vai durar”. (Olavo Setúbal)
Nós, filhos de uma camada intermediária, ainda carecemos de um grande, livre e profundo debate, em suas mais delicadas questões.

O campo das batalhas políticas, tão freqüentado por nós, chega com um grau de contaminação e carga de dogmas, obedecendo ao formato conservador, seja de que lado for.

As palavras de ordem acabam ganhando o mesmo tom displicente com as questões reais da cultura brasileira, com isso, vamos perdidos e aos saltos, todos num mesmo terreno, carregando bandeiras de um discurso binário sem eficácia.

Quando Lembo, ex-governador de São Paulo, no episódio dos ataques do PCC, classificou como histérica e mesquinha as declarações da, “Elite Branca” termo imortalizado pelas próprias declarações do governador, todos, direita e esquerda se pasmaram, ficaram estarrecidos com tal audácia do chefe de governo, principalmente sendo ele, de um partido conservador de direita que historicamente é avesso a este tipo de reflexão. Seria um desabafo contra este fardo que é o preconceito imposto pela elite econômica? Sim, estava nítido em suas palavras.

Agora, pergunto: a reação da cúpula do Canecão no começo do primeiro mandato de Lula, não é idêntica a da “elite branca” que encheu as medidas de Lembo?

Na realidade, a reflexão não é um prato que apreciamos, temos expectativas sempre voltadas a um produto pronto, com formato e acabamento final já batizado, um modelo amarrado e defendemos com o nosso habitual calor, posições que talvez não sejam na realidade tão nossas, pois não podemos ter olhares tão díspares diante dos mesmos fatos.

Construímos muros psicológicos intransponíveis, limitações “morais” e pudores estéticos em contrapartida a outras propostas ou posições, mas estamos sempre ocupando espaço em alguma manada e, como na cultura, a manada é controlada do alto dos castelos. Nós, fantoches, nos limitamos à vontade do ventríloquo.

Confesso-me surpreendido com as revelações do jornalista Mino Carta sobre as declarações do ex-presidente do Banco Itaú, Olavo Setúbal. Mino Carta diz, repetidas vezes que as duas maiores desgraças que se abateram sobre o Brasil, foram, os quase 400 anos de escravidão, (uma vergonha para a humanidade), e a ditadura militar, o que assino embaixo.

As discussões sobre as formas de incentivo à cultura são, na verdade, um laboratório de farta matéria-prima para a compreensão do quanto ainda precisamos caminhar na busca por um sentido de justiça e entendermos de uma vez por todas que ela, a justiça, não é caridade, muito menos esmola, é um direito sagrado de todo homem brasileiro.

Quando imaginamos que a busca por uma solução compensatória no sentido da inclusão e, consequentemente de um ganho da sociedade, seja esmola ou caridade, nos excluímos do grande debate sobre a nossa história de horrores e nos desviamos do principal foco que poderá trazer ao contexto cultural, uma imagem que revelará a urgência de mudança de rumos no pensamento do Estado brasileiro, o que dará sentido ao discurso de que a arte está no ambiente critico de uma sociedade e que, portanto, é de extrema relevância estratégica para o desenvolvimento de um país.

O Estado brasileiro é profundamente racista, cheio de vícios e preconceitos de toda ordem, seja por falta de atenção, despreparo, ou mesmo para manter os privilégios de quem dele se ocupa. Não há governo que mude isso, se nós, sociedade, não quisermos mudar.

O nosso pensamento clássico, “oficial”, induz a crença de que as subcondições humanas produzem uma subcultura, pensamento esse Herdado dos escravocratas para justificar toda a crueldade da escravidão. É a isso que Olavo Setúbal se referia, sobre esses valores morais de uma sociedade constituída sob os cabrestos conceituais, vindos logicamente, com quem sempre lucrou com eles, as classes dominantes, herdeiras diretas da aristocracia cafeeira.

E é nessa cadência que caminha toda uma gestão que envolve a questão orçamentária para a cultura no Brasil, para se desviar de um embate sangrento, para fugir das críticas do “senhor dos anéis”, do intelectual fisiológico que é produzido em série no Brasil.

O governo busca abrigo numa repescagem, que são os programas que têm os olhos, ou pelo menos, o discurso voltado às camadas mais pobres, e termina por incentivar ainda mais o preconceito.

Os investimentos não podem ser proporcionais às condições sociais de um artista ou de um grupo de artistas ou ainda a uma comunidade, mas sim à representatividade de sua arte, estejam eles onde estiverem, seja num palacete de cristal ou numa tapera de sopapo, já que não existe régua que meça a qualidade em cultura.

Sugerir esse preconceituoso olhar através de aportes maiores que atendam às atividades culturais de camadas mais opulentas, e aportes menores às atividades de camadas desfavorecidas socialmente, é jogar gasolina na fogueira de um abismo secular entre dois Brasis. Pior que isso, é não integrar o país e nos manter num curral estético, num pensamento único e limitador.

O governo, se não tem como dar conta do Estado, seus vícios e preconceitos, ele tem, por obrigação, que buscar na sociedade soluções através de um amplo debate com a sociedade e não com a “alta sociedade”. Estamos cansados de saber o que querem, ou seja, continuar com os privilegiados financiamentos aos delírios, arrotos, arrogâncias e separatismo através das expressões artísticas brasileiras.

Temos que parar de acreditar e incentivar um pensamento absurdo de que “pobre produz cultura pobre e que rico produz cultura rica”. Porque é isso que se percebe em discussões sobre cultura, Lei Rouanet para a arte dos ricos e a compensação como o programa “Cultura Viva” para os pobres. As duas são bem-vindas, mas precisam ter os seus focos corrigidos.


Bandolinista, compositor e pesquisador.

2Comentários

  • evany fanzeres, 9 de setembro de 2008 @ 6:55 Reply

    Quanto ao comentário do sr. Olavo Setibal
    Esse senhor Olavo Setúbal parece um homem leigo e sem visão,
    como são muitos políticos brasileiros. Chega a ser preocupante que estes políticos cheguem a ser ministros e ocupem posições admnistrativas e postos importantes no estado.
    No Brasil a pobreza NÃO É por culpa da “elite”., mas sim de origem arcaica, tão antiga quanto sem memória, porque pertence a povos muito cultos por um lado mas que antes nunca participaram da cultuta do dinheiro.. O dinheiro é uma cultura na historia da humanidade – Cultura no sentido de modo de vida, costume.. Então é preciso entender que a chamada “pobreza dos pobres” é pobreza relativa, e na verdade uma forma de viver dos povos tribais antiquíssimos. O dinheiro não faz parte da cultura do sstema tribal , que assim é desde tempos inimaginavelmente arcaicos.. Abundancia de alimentação, uma expressão artística musical e recursos naturais próprios, poder andar sem sapatos, ter alto índice de natalidade e por outro lado alto índice de mortalidade infantil não significa pobreza, mas sim uma forma de vida..
    As falsas politicas culturais brasileiras ajudam a não integração, segregando.os remanescentes de culturas poderosas e arcaicas.aos ghettos culturais, tirando o canto orfeônico das escolas e inserindo batucadas, de forma a perpetuar as expressões de uma cultura de pobreza relativa, sem dinheiro e que não tem retorno, a não ser, então, a POBREZA REAL.

  • Marcos, 9 de setembro de 2008 @ 11:30 Reply

    A crítica e auto-crítica que o autor faz do sistema de valores brasileiro é clara e concordo inteiramente, mas fiquei um pouco em dúvida sobre sua opinião, especialmente no que se refere aos programas citados ao final. Me parece que essa “preguiça Macunaímica” tanto na reflexão quanto na prática da construção de uma sociedade e de seu sistema cultural nos faz preferir utilizar dogmas e modelos prontos ao invés de sofrer o processo contínuo e dialético que resulta numa sociedade dinâmica e que responde a seus desafios. Mas parece que ao final ele diz algo tipo: esse pessoal “rico” quer dinheiro para financiar as linguagens e os “pobres” ficam com o Cultura Viva; parece que sua crítica é sobre isso. Entendi direito? Se for assim, o que vejo é o mesmo vício que ele crítica, separando entre “arte rica e arte pobre”.

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