Outro dia alguém me perguntou como entender esses nossos tempos pós-modernos em toda a sua complexidade, aceleração e virtualidade, considerando, ao mesmo tempo, os sonhos e as utopias. Não pretendo aqui dar uma definição do pós-moderno, uma vez que se trata de um conceito fluido e multifacetado, e muitas vezes controverso, mas tão somente relembrar alguns aspectos importantes nesse contexto. De qualquer modo, falar do pós-moderno é antes de mais nada falar do presente, em contraposição a um passado próximo, de poucas décadas atrás.

Um de seus traços mais evidentes é a fragmentação das linhas de orientação de nossa existência, tão caras aos tempos modernos: a razão esclarecedora, a história determinista, o Estado absoluto, a ciência a serviço da maioria, o sujeito coletivo e a massa coesa, capaz de mudar a sociedade e fazer revoluções. Todas essas certezas, como sabemos, se esfacelaram junto com o muro de Berlim.

Vivemos hoje um presente contínuo, ao contrário dos tempos modernos nos quais se vislumbrava o futuro. Em nossos tempos quase não se crê que seja possível aprender algo com o passado, tampouco se criam expectativas ou projetos em relação ao futuro. As fronteiras entre as várias disciplinas do saber, as práticas sociais, as identidades, as linguagens artísticas se dissolveram ou se tornaram tênues. Os conceitos de transversalidade, transdisciplinaridade e interface orientam muitas de nossas ações e atividades. Mesmo fronteiras bastante sólidas foram abaladas: entre masculino e feminino e entre realidade e ficção, por exemplo. Nesse aspecto, das inúmeras opções sexuais aos variados reality shows há um leque amplo de gradações.

Predomina, portanto, uma liberdade de combinar tudo com tudo, de aproximar conceitos muitas vezes excludentes. De um lado é algo positivo que nos remete ao anarquismo e aos fundamentos da criação artística. Por outro lado, convivendo com esta riqueza de possibilidades, constata-se uma ausência de finalidades, de metas, de objetivos claros e definidos, e de conclusão.

Acostumamo-nos com a flexibilidade, a impermanência, a fluidez e a ausência de garantias, sejam elas relativas às crenças, ao emprego ou à organização social. Quanto mais risco, mais variação. Quanto mais garantias, mais estabilidade. O poder perdeu a sua centralidade. Para muitos a ausência de verdades absolutas significa também o fim dos totalitarismos, embora alguns apontem formas mais sofisticadas de controle em nossos dias. Segundo Chomsky, com a extrema vigilância que reina nos dias atuais as formas de controles se tornaram sutis e eficazes.

Não temos mais um discurso universal, pois seria algo dispensável na pluralidade de centros em que vivemos, pois não necessitamos mais de verdades permanentes. Tomemos duas áreas fundamentais da vida humana que foram bastante flexibilizadas, tornando-se completamente fluidas: o amor e o trabalho. Ambas deixaram de ser uma eleição única, para toda a vida. Perderam a característica de obrigação e escravidão e ganharam em ludicidade e não seriedade. A cara-metade para toda a vida tornou-se um “ficar” que pode ser rompido a qualquer momento. O conceito de vocação, relativo à esfera do trabalho, foi substituído pelas experimentações, enquanto a auto-realização vinculada à escolha de uma profissão deu lugar à busca do reconhecimento e muitas vezes do êxito fácil e imediato, que leva a um desapego ao trabalho. Há sem dúvida uma valorização excessiva do sucesso rápido em detrimento da experiência e do aprofundamento.

Discernir, avaliar, separar e escolher impõem-se, portanto, como exigências básicas de nossa época, uma tarefa cotidiana e contínua. Surgirão daí novas utopias?


Gestor Cultural, diretor de teatro, dramaturgo e tradutor. Foi gerente na Secretaria de Políticas Culturais do MinC e é sub-secretário da cultura do Espírito Santo.

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