Foto: Flavouz
Na indústria, vende-se mais porque é de plástico, ou é de plástico porque vende mais? Os consumidores são indivíduos não-organizados que tomam, em suas escolhas de compra, a escala da multidão. Nós, ainda que sob massificada tentativa de determinação de nossos desejos por parte da indústria e da publicidade; de nossa possível imaturidade diante da necessidade afetiva de pertencimento; ainda assim, temos o privilégio de fazer escolhas e tudo parece necessitar ser sacrificado pela atenção consciente.

Por serem diferentes dos espetáculos teatrais, do cinema e da música, as artes visuais e, dentro deste campo, as artes experimentais e as artes públicas, tornam-se, por suas qualidades relacionais, “ponta de lança” do sistema cultural, das diretrizes e ações públicas de desenvolvimento social. Também sob essa ótica, escolhas que estariam em uma escala do individuo, ou do grupo e seu micro-cotidiano, tornam-se escolhas coletivas, escolhas sociais.

Presenciamos a todo instante o perigo eminente da forma amornada, das propostas inseridas no sistema instituído sem posicionamentos críticos e tensionadores, na busca por estar em relação de manutenção de mão dupla com ele… Como reconhecer o ponto em que simplesmente reproduzimos o que não nos serve mais? Como pode ser uma relação fronteiriça de negociação diferenciada com as instâncias de poder? E como podem os que trabalham em posições de poder estabelecer tomadas de decisão, governança e empoderamento de forma diferenciada? Quais os valores e princípios fundamentais? Quais as diretrizes e indicadores que nos guiam? Qual o sentido que estamos construindo?

Nas práticas e negociação pessoal, o que vem atrás, recebe esse mesmo ponto, ou padrão, que se torna dado de referência ou parâmetro pré-estabelecido. Faz-se necessário perder a ingenuidade, ou qualquer tipo de mitificação e tabu nas negociações, sobretudo nos acordos jurídicos e econômicos.

No entrelaçamento das práticas artísticas e culturais da sociedade, na lógica das redes, pelas novas organizações e economia criativa, encontramos alguns exemplos de práticas (cultura livre; democratização do conhecimento e livre circulação; intervenções e ações diretas; happenings e arte relacional; manifestações públicas e midiáticas; práticas pacifistas e desobediência civil não violenta; entre outros), que pressionam transformações para outras tomadas de decisões das instâncias de poder, ao imprimir novos valores e ética no trabalho e suas relações (como nas manifestações frente as situações jurídicas e econômicas das atuais leis de isenção fiscal, direito autoral e propriedade intelectual). Dessa forma, todas as escolhas no âmbito do trabalho – desde a escala individual – serão sempre, para o sistema, escolhas coletivas.

Vivemos em uma sociedade pautada nos processos de Troca e Partilha, buscando aprender práticas de Compartilhar e Colaborar – detalhes do COMO – geradoras de novo processo cultural para essa sociedade.

Já é possível perceber que se apropriar singularmente, ou grupalmente, dos meios de produção e difusão, importante prática dos artistas e agrupamentos independentes, dinamizados pelo uso das atuais tecnologias, não basta para o fortalecimento das novas organizações em rede como possibilidade de reorganização social. Pois, ou são efêmeras e pontuais, ou são facilmente absorvidas pelo sistema vigente, necessitado de novidades geracionais para se manter. Desse modo, as dinâmicas coletivas que imprimem novas éticas e valores; o ambiente compartilhado e estruturado de maneira a gerar menos disperdício e ampliação das possibilidades de relações, como lentes que nos amplificam a visão; e, principalmente, a continuidade dos processos, são eixos fundantes na transição para uma sociedade colaborativa.

Porém, são justamente as novas organizações em rede, capazes de experimentar – criando e praticando conceitos diferenciados como autogestão – compartilhar e colaborar em escala macro (ex.: www.indymedia.org – 1999 e www.wikipedia.org – 2001) ou comunitária (ex.: s://gen.ecovillage.org – 1993), ou ainda coletiva (ex.: www.corocoletivo.org – 2003), que estabelecem novos meios produtivos, circuitos e conhecimento livre. O fundamental na construção cultural é que essas organizações são exemplos para novos procedimentos e valores nas tomadas de decisões, governança, empoderamento, comunicação e resoluções de conflitos, sendo propositivos em soluções e sobresaindo-se ao status quo claramente insuficiente e ineficiente hoje, porque destrutivo e com alto nível de desperdício.

Na organização comunitária, se o foco do investimento de energía produtiva (produtor + processo + produção) e das outras partes da econômia, for direcionada em sua maioria para o interior da rede colaborativa, de forma a nutri-la mais, do que o ponto de maior externalidade, a boa tendência é o fortalecimento e a possibilidade da comunidade estar em manutenção continuada e crescente de sua funcionalidade sistémica; o contrario, tende a gerar desperdício sistemico. Para tanto, se torna necessário atuar no cinturão da resistência e para além dele, saindo da zona de conforto e dos padrões estabelecidos sobre códigos e necessidades que já não nos pertencem, para que haja construção efetiva de outro modo de existir.

Nesse momento, o redesenho organizacional, economico e relacional, integrados… talvez seja o caminho politico-cultural mais necessario, de estratégia e tática possível, para uma comunidade em rede fundada na lógica da autogestão, do compartilhamento, da colaboração, da dinamização da economia local, do fortalecimento das novas estruturas organizacionais e de uma nova ecologia do sistema e da cultura.

Política? São as escolhas coletivas de cada um, que estabelecem acordos, fronteiras, modos de viver, de relacionar-se e de construir o conhecimento comum. É o desafio e responsabilidade de todos que escolhem viver em sociedade e, dessa forma, necessita ser encarada como construção cotidiana, inteligente, criativa, saudável e prazerosa, porque justa.

Flávia Vivacqua é artista, educadora e designer cultural e de sustentabilidade.

* Texto originalmente publicado na revista Tatuí.


Artista, educadora e designer cultural e de sustentabilidade. Dirige a Nexo Cultural, agência de design cultural e sustentabilidade.

4Comentários

  • Fique por dentro Cultura » Blog Archive » :: CULTURA E MERCADO :: o mais influente blog sobre política …, 24 de julho de 2009 @ 11:29 Reply

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  • José Mariano, 27 de julho de 2009 @ 10:34 Reply

    Rara colaboradora Flávia Vivacqua, grato
    apenas quero saber se é irmã da Claúdia Vivacqua que mora na Africa do Sul e é casada com Yohannes?
    São grandes amigos do coração.
    em paz Axé.
    Mariano

  • Flavia Vivacqua, 30 de julho de 2009 @ 0:15 Reply

    Olá José, tudo bem. Não sou irmã da Claudia… mas aqui no brasil, os vivacqua tem uma unica raiz de uma familia de muitos filhos… deve ser alguma prima distante.
    um abraço,
    fv

  • Claudia, 22 de setembro de 2009 @ 13:30 Reply

    Ola Flavia, navegando pela net “sem eira nem beira” deparei-me com a mensagem de nosso (meu e de meu marido) querido amigo Jose Mariano. Pois eh, podemos, sim, ser primas distantes, ja que a origem da familia eh do Espirito Santo e, diga-se de passagem, possuimos grandes nomes como o de Luz del Fuego na familia. Ela, que por sinal, ja era uma grande defensora do meio ambiente e da sustentabilidade, como nos! Prazer em conhece-la.

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