Ultimamente temos lido quase que diariamente, artigos e notas sobre a produção cultural brasileira e as leis de incentivo. O que deflagrou essa nova onda foi o caso do projeto poético de Maria Bethânia. Ela foi vítima de uma verdadeira cruzada contra a Lei Rouanet e artistas consagrados, iniciada na gestão passada do Ministério da Cultura (MinC). Entre muitos artigos encontrados na mídia, existe uma tônica comum a todos, o desrespeito e desprezo pelo artista consagrado.
A revista Veja, em sua edição de 30 de março passado, traz mais uma dessas demonstrações, no artigo de Sérgio Martins, sob o título, “Viciados na Bondade de Estranhos”, onde o jornalista questiona até se Bethânia deve ou não se dedicar a poesia, “…até prova em contrário, a única coisa que o público dela espera, é que cante”. Afirmação que demonstra a total falta de qualificação do jornalista para escrever sobre cultura. Seria o mesmo que dizer que Wagner Moura não deve fazer teatro porque o público só quer vê-lo no cinema. Portanto, já que cultura não é o forte de Sérgio Martins, vamos trazer um outro enfoque à essas questões. Em seu artigo, o jornalista diz que não há nada de ilegal em artistas consagrados utilizarem-se da Lei Rouanet, mas questiona se é ético que eles solicitem subsídio estatal para suas carreiras. E eu pergunto: É ético ter subsídios para a indústria têxtil, para indústria eletroeletrônica, para o papel que a mídia impressa usa, para a indústria automobilística e tantos outros setores da economia? Porque não seria com a indústria cultural? Jornalistas desavisados poderão argumentar que essas outras indústrias geram emprego e renda para o país. Pois bem, já em 1998, pesquisa da Fundação João Pinheiro afirmava que a indústria criativa empregava mais do que a automobilística, 53% mais postos de trabalho e a Gazeta Mercantil no mesmo ano afirmava que nosso setor empregava o dobro do que a indústria eletroeletrônica. Além disso, nossa indústria é limpa, tem conexões profundas com a educação e a formação da identidade nacional e um papel importantíssimo no turismo. Países como a Inglaterra investem um valor enorme do orçamento público na cultura, porque sabem que para cada euro investido nessa área, três retornam para o estado e as cidades. São os turistas que vão a shows, peças, museus etc, e que também gastam em hotéis, lojas, restaurantes, taxis, salões de beleza. Os artistas consagrados são um dos pilares dessa cadeia produtiva chamada, Economias Criativas, termo muito em voga, mas pouco entendido.
Mas voltando a matéria de Sérgio Martins, ele chega ao cúmulo do desrespeito com os artistas nacionais, quando afirma, que ao contrário deles, artistas americanos como Brad Pitt, Branford Marsalis, Tony Bennet e outros, (ao invés de solicitar verbas do estado) contribuem para a sociedade com projetos sociais. Ora meu caro Sérgio, você bem sabe que o valor que Brad Pitt ganha em um filme, talvez nenhum artista brasileiro ganhe em uma encarnação. Porque lá na América, o artista consagrado é herói, por isso a indústria cultural americana é tão eficiente. Mas mesmo que a comparação acima venha carregada de preconceitos, gostaria de sugerir uma pauta para a próxima matéria do jornalista. Que tal uma reportagem sobre artistas brasileiros consagrados que realizam projetos sociais? Para facilitar sua pesquisa, vão aqui algumas indicações. Xuxa e sua fantástica fundação para crianças carentes. Daniela Mercury e seu Instituto Sol da Liberdade, que trabalha com jovens na educação e nas artes, Carlinhos Brown e seu Instituto Pracatum, reconhecido internacionalmente, Raimundo Fagner e sua Fundação que atende mais de 250 crianças num dos bairros mais violentos de Fortaleza, Nicete Bruno e Paulo Goulart com sua Casa da Fraternidade em Pirituba, São Paulo, que tem projetos na área da saúde, educação e formação profissional. Além desses consagrados você vai encontrar uma centenas de artistas anônimos espalhados por esse imenso Brasil, que doam seu tempo, seu talento e seu amor por suas coletividades. Dá para fazer uma matéria bacana, não é? Até o Brad Pitt ficaria orgulhoso deles.
*Publicado originalmente no site da APTI
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