Segundo o cineasta Luiz Carlos Prestes Filho, que organizou pesquisa sobre economia da cultura, o setor representa 3,8% do PIB do RJ. Leia entrevista03/01/2003

A Revista Sistema, da Fecomércio-RJ (Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro), entrevistou o diretor e roteirista de documentários Luiz Carlos Prestes Filho, que recentemente concluiu pesquisa sobre Economia da Cultura e agora se dedica a estudo da Cadeia Produtiva da Economia da Música. O cineasta é formado pelo Instituto de Cinema de Moscou, da antiga União Soviética, onde fez mestrado em Arte Cinematográfica.

Entre os anos de 1999 e 2001, foi subsecretário de Cultura do Rio de Janeiro e também participou do Conselho Estadual de Cultura, quando se dedicou ao estudo inédito sobre a importância da Economia da Cultura para o desenvolvimento econômico. Os resultados foram apresentados durante o Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Cultura. Entre os anos de 2001 e 2002 exerceu o cargo de Superintendente da Secretaria de Estado de Planejamento, Desenvolvimento Econômico e Turismo, onde aprofundou as pesquisas sobre Economia da Cultura. Entre outros projetos, está se dedicando a mapear a importância da música na economia do Rio. O objetivo é fornecer informações para que os empresários possam investir com mais segurança.

Leia a entrevista na íntegra.

O senhor está estudando a importância da música para a economia. O que é exatamente a Economia da Cultura?
É um trabalho de equipe que consiste em analisar a Economia da Cultura através do ângulo da política tributária, do ponto de vista estatístico, sociológico, econômico e do direito de propriedade intelectual e industrial. Pretendemos dar aos empresários e produtores culturais a exata noção da importância da cultura como fator de geração de renda e emprego. Essa equipe já obteve alguns resultados importantes. O primeiro, com uma pesquisa sobre o ano de 1999 e que provou que a Economia da Cultura, aqui no Rio, contribui com 3,8% na formação do PIB regional. A segunda fase levantou a série histórica e analisou os indicadores econômicos de 1995 a 1999. Nessa segunda fase abrimos mão de chegar a um consenso sobre o PIB e contribuição da cultura para o PIB, porque no Estado do Rio e Capital temos vários PIBs.

Assim, resolvemos apresentar a arrecadação gerada para os cofres públicos em ISS e ICMS, valor consolidado, nestes cinco anos, de R$ 1,2 bilhão. Agora, chegamos a uma terceira fase que é o estudo sobre a Cadeia Produtiva da Economia da Música no Estado. Criamos uma metodologia baseada no Valor Econômico do Tributo, ferramenta fundamental para evitar erros de avaliação.

Como foram divididas as pesquisas?
Em três macrosetores: a economia do som, que inclui as gravadoras, as editoras musicais, as rádios, os espetáculos e grandes eventos como o Carnaval e o Rock in Rio; o macro setor do audiovisual, que inclui a televisão aberta e por assinatura e a distribuição e exibição de filmes, com destaque para os filmes americanos, porque são os que geram tributos, já que a produção e exibição dos brasileiros têm um peso insignificante; e o setor de texto, com a indústria gráfica e editorial de livros, jornais e revistas.

Quem trabalha nesse levantamento?
Especialistas das áreas tributária, da propriedade inte-lectual e industrial, estatísticos, sociólogos e economistas. Como nas ou-tras duas pesquisas, essa está dividida em quatro blocos importantes: produção, distribuição, comercialização e consumo. Estão envolvidos no projeto a Incubadora de Empresas Culturais da PUC/RJ, através do Instituto Gênesis, o Sebrae-RJ, o Escritório Central de Arrecadação de Distribuição ( Ecad) e o Rock In Rio. Contamos ainda com o apoio do Instituto Fecomércio-RJ.

Por que nunca foi feito esse trabalho?
Há um problema histórico e cultural. Em 1995, o Governo começou a preparar grupos para a realização do Censo 2000. Foram convocados ministros e representantes para colaborar na reformulação do Catálogo Nacional de Atividades Econômicas, para identificar milhares de segmentos que não apareciam na origem desse catálogo, elaborado nos anos 50 e 60. Ora, o Brasil mudou. Só o setor de serviços mudou tanto que em certas cidades é responsável por até 80% da atividade econômica. Por isso, o IBGE queria reformular este documento, focando algumas áreas que não foram estudadas nas décadas passadas, entre elas a cultura. Como o Ministro da Cultura, Francisco Weffort, apesar de convidado, não participou e nem indicou ninguém, a cultura ficou de fora do levantamento. Perdemos dez anos, uma oportunidade histórica. Tanto que para o Estado brasileiro a música não é uma atividade econômica.

A última referência do Ministério da Cultura é um estudo feito em 1998 pela Fundação João Pinheiro. Nele, consta que o Governo estima que a cultura, no todo, movimenta atualmente R$ 10 bi-lhões no País. O que o senhor acha dessa cifra?
Eu penso que seja mais. Analisando as informações das Rais, fornecidas pelo Ministério do Trabalho, verificamos que tanto a massa salarial como a massa de empregos é uma coisa impactante na área de cultura. Vou dar alguns exemplos: a Companhia Siderúrgica Nacional tem uma média de faturamento de R$ 2 bi-lhões e emprega cerca de três mil pessoas, e a indústria naval movimenta cerca de R$ 500 milhões a R$ 600 milhões por ano e gera cerca de cinco mil empregos. Pois bem, só a TV Globo, que tem sua sede no Rio, deve fechar o ano com faturamento de R$ 5 bilhões, empregando no Projac cinco mil pessoas E o Projac paga impostos, enquanto a indústria naval não paga nenhum imposto há quatro anos. Não vou entrar no mérito da conceituação, mas é inegável que a TV Globo gera cultura, emprega músicos e é a única TV no Brasil que produz mais de 60% da sua programação.

Mas por que o inte-resse pela importância da música para a economia do Rio?
Porque é no Rio que estão localizadas todas as grandes gravadoras, a sede-matriz de todas as grandes editoras musicais e a sede do Ecad. Aqui também é a sede da Globo, que tem importância fundamental para a música. E, além do mais, temos o Rock In Rio e o Carnaval, dois dos maiores eventos musicais do planeta. A música está tão presente no estado que Conservatória, distrito de Valença, vive quase que exclusivamente dela. Há 60 anos os irmãos Borges saem de quinta-feira a sábado com a seresta pelas ruas. Essa manifestação transformou a indústria do turismo local, com a construção de pousadas, hotéis e restaurantes, impulsionando um artesanato e culinária originais. E não há alta ou baixa temporada. Conservatória recebe nos fins de semana cerca de 1.500 turistas atraídos pelo lado musical da cidade. Se tirar a música…

A proposta é levantar dados para novos investimentos?
Exatamente. Estamos procurando mapear o setor para dar subsídios a novos investimentos. Há centenas de pessoas que têm suas pequenas editoras, que promovem shows musicais em seus restaurantes, existem centenas de músicos, de compositores, de produtores culturais que merecem receber informações que possam dinamizar suas atividades econômicas. Muitos não atuam nessa área porque não têm informações seguras.

O senhor é contra ou a favor do incentivo fiscal?
O incentivo é uma necessidade. Hoje, a indústria naval não viveria sem os incentivos. Quando fiz a comparação com a Rede Globo, não foi para desmerecer os estaleiros. Agora, em relação à cultura, há quase o consenso de que o Ministério da Cultura privilegiou demasiadamente o incentivo fiscal. O ministério deixou de executar políticas públicas, se despiu de suas obrigações para com o patrimônio artístico e cultural e deixou praticamente tudo na mão do mecenato. O incentivo fiscal na área cultural passa por uma crise muito grande pela concentração das atividades apenas no eixo Rio-São Paulo. Oitenta e quatro por cento dos projetos beneficiados pela Lei Rouanet ou pela Lei do Áudio Visual são realizados no Rio ou em São Paulo. Essa descentralização é muito difícil de acontecer nos próximos anos porque as grandes empresas estão mesmo nessas duas cidades. E também porque a infra-estrutura de equipamentos culturais – teatros, bibliotecas, cinemas, provedores de internet, gravadoras, jornais diários, editoras, gráficas, bibliotecas, emissoras de TV etc. – estão por aqui.

Como combater essa concentração?
Seria necessária uma reforma tributária para modificar esse quadro. É necessário também modernizar e modificar a infra-estrutura de equipamentos culturais no Brasil. Tem cidades em que você chega e só encontra o sinal da televisão aberta para a pessoa consumir cultura.

Há problemas também nas grandes centros?
São Gonçalo tem uma população de 800 mil habitantes, com uma massa salarial razoável, com escolas e faculdades e apenas uma sala de cinema. Essa cidade teria condições de receber um complexo de cinema do tipo Multiplex ou Cinemark. O Estado poderia ser o indutor, oferecendo uma linha de incentivo. Por que isso não acontece? Por um lado, pelo preconceito daqueles que vão dizer: “não se deve dar incentivos para salas que vão exibir filmes americanos”. Claro que vão exibir esses filmes, porque a indústria americana tem produção estabelecida, tem peso maior. Nossa produção é artesanal. Mas por que o cidadão de São Gonçalo tem que pegar um ônibus, a barca e outro ônibus para conhecer essas salas no Rio? Na concessão do incentivo poderia ficar acertada uma cota para filmes brasileiros.

Algum incentivo deu resultados relevantes na área musical?
Nos anos 70 foi criado o crédito tributário para as gravadoras. Ele autoriza as gravadoras a reter quantias que deveriam pagar de ICMS e destiná-las para o pagamento de direitos autorais aos músicos brasileiros. Isso fez com que as gravadores fossem obrigadas a ter um catálogo de artistas nacionais. Por conta dessa redução do imposto a pagar de 18% para 8% ou 9%, a música brasileira, que, nos anos 70, detinha 25% do mercado nacional, passou para 85% do mercado. Por isso, não posso ser contra os incentivos. Defendo é uma racionalização. Com esse incentivo criamos uma grande indústria, particularmente no Rio. O Brasil é o sexto maior mercado mundial em vendas de discos, com cerca de 101 milhões de discos ao ano e é o décimo-segundo em faturamento.

A área de serviços será marcante neste milênio?
Estamos ingressando na sociedade das marcas, das patentes, do direito da propriedade intelectual, na sociedade que vai privilegiar a atividade de prestação de serviços. O primeiro mundo está se livrando das indústrias poluidoras e devemos seguir o mesmo caminho. Por isso, cada vez mais será importante o mapeamento da Economia da Cultura. Vejo que o poder público e o empresariado não estão conseguindo enxergar as oportunidades de negócios nessa nova era. Ao mesmo tempo, parte do empresariado tem ocupado importante espaço na área cultural e de serviços. E aí quero dizer da minha satisfação de estar dando entrevista para uma revista que está ligada a uma entidade importante para a cultura, que é o Sesc Rio. O Sesc Rio realiza investimentos que têm repercussão na ponta final, que é com aquele consumidor normalmente excluído.

Apesar dos incentivos fiscais, os ingressos para shows e peças não são caros demais no circuito comercial?
Num país com 170 milhões de pessoas e apenas 35 milhões de consumidores, tudo é caro. É incrível, tivemos que esperar um operário ser eleito Presidente da República para que a bandeira contra a fome fosse içada. Mas, muito antes disso o meu pai, Luiz Carlos Prestes – O Cavaleiro da Esperança – já alertava para o problema. Ele fez a maior marcha da história da humanidade, a marcha da Coluna Invicta, entre 1924 e 1927, e no final perguntaram o que mais o tinha impressionado em dois anos de luta armada revolucionária. Ele respondeu que não entendia como um país tão rico, com tanto potencial, poderia ter um povo passando tanta fome. Isso há 80 anos!

O Governo do Estado, por exemplo, mantém o Theatro Municipal com dinheiro público. Só que o cidadão, que é o verdadeiro dono desses recursos, não vai ter dinheiro para comprar uma frisa a R$ 700 para ver a Filarmônica de Berlim. E não adianta liberar a portaria porque o teatro é pequeno. Eu acho que o Municipal deveria ser terceirizado. Haveria licitação de dois em dois anos, com a obrigação de o vencedor realizar projetos que atendam às necessidades de políticas públicas. O cidadão de Angra não tem que pagar a conta de um teatro que ele nem sabe da existência. Milhões de reais economizados na terceirização seriam investidos na recuperação de teatros que estão abandonados.

O que o senhor espera do governo Lula na área cultural?
O Lula dirige um partido que está inserido dentro das lutas democráticas, que antecedem a anistia política de 1979. O PT não pretende realizar a revolução socialista, não propõe a mudança do sistema político e nem pretende implantar o sistema de partido único. O Lula terá que costurar um pacto com os gestores de políticas culturais, tanto do lado empresarial quanto do setor público e sociedade civil. No programa do PT existe uma capítulo inteiro sobre a Economia da Cultura. E isso é bom porque o próximo presidente entende a cultura como um fator de integração social, de desenvolvimento econômico e de soberania nacional.


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