Debate sobre imprensa cultural no mundo reuniu profissionais do setor no Seminário Internacional Rumos Jornalismo Cultural.

Quantidade das fontes de informação cada vez maior, tempo para leitura cada vez menor. No meio, o jornalismo cultural e seus caminhos – ou descaminhos. Foi desta equação complexa que tratou o segundo Seminário Internacional Rumos Jornalismo Cultural, realizado entre os dias 3 e 5 de dezembro no Itaú cultural em São Paulo. O papel do jornal, as nuances da reportagem, o advento do digital, questões como essa pontuaram os debates acerca dos horizontes da imprensa cultural no mundo, que reuniu 21 profissionais do setor cultural do Brasil e exterior.

“Não me considero jornalista, por isso não saberia dizer que rumos o jornalismo cultural vai tomar”, disse o cineasta João Moreira Salles, um dos participantes do primeiro dia do seminário. Criador da revista “Piauí”, uma das raras publicações a dar espaço às grandes reportagens, ele concorda, entretanto, que há uma tendência de redução de leitura, que coloca em xeque as narrativas mais longas. “Temos uma base de leitores muito fieis, que não encolhe, mas que também não aumenta”, conta. Com uma tiragem de aproximadamente 35 mil exemplares, Salles estima que a revista seja lida por cerca de 80 mil leitores. Ele afirma não ver problemas no número. “Se trata de uma leitura que exige mais do que tempo, não é uma publicação utilitária, na Piauí você não terá dicas de como investir na bolsa ou informações sobre qual será o próximo ministro”.

O espaço para revistas como a “Piauí” enfrenta a ameaça constante das publicações que Salles chama de utilitárias. “Apostamos que há uma dimensão não utilitária da vida que é importante, há pessoas que topam parar de vez em quando para simplesmente pensar o mundo de outras maneiras”. Entre os principais dilemas da imprensa cultural, há um consenso em torno do que seria o maior deles: o tempo (ou a falta dele). Na opinião do cineasta João Moreira Salles, essa é uma questão que reflete ainda uma distorção do jornalismo cultural, a de tratar a cultura como notícia. “Não importa dar uma resenha medíocre do novo filme do Fernando Meireles, a questão é dar antes”. O fato cultural é tratado pelas redações como furo, que exige a pressa. “O que deveria importar é ler a melhor resenha”, prossegue Salles. “Há informações que exigem urgência, a queda de um ministro, por exemplo, ler dois dias depois não faria sentido, mas ler uma crítica definitiva depois de vinte dias que o filme do Meireles foi lançado é bem mais importante do que um texto apressado que saiu no dia anterior ao lançamento.”

“Sou uma invenção do Elio Gaspari”

No primeiro dia do seminário, o sociólogo José de Souza Martins e o historiador Nicolau Sevcenko, mediados por José Castello, falaram de como migraram de suas áreas para as páginas culturais de jornais e revistas. “Eu sou uma invenção do Elio Gaspari”, afirmou Sevcenko, ao lembrar o período em que foi convidado a trabalhar como crítico de cultura na revista semanal “Veja”. “A culpa foi da ditadura”, disse. O momento era de transição política e Gaspari, então editor da semanal, via na cultura um papel fundamental para revisão de valores. “Naqueles dias de polaridades extremadas ele achou que eu serviria para uma reconfiguração necessária da editoria de cultura”.

Aos estudantes de jornalismo que acompanhavam o debate, quase a maioria dos presentes, disse que sua multidisciplinaridade foi fundamental para o exercício da profissão. Provocado, Sevcenko também falou sobre a decepção com o momento político do país. “Depois daquela votação expressiva que elegeu o atual governo imaginamos que veríamos a construção de outro país, mas o que veio foi mais do mesmo e ainda mais ortodoxo”. O sentimento de desapontamento com o cenário atual, não apenas em relação ao Brasil, apareceu também nas outras mesas. “A cultura mundial vive um impasse e não vejo condições para que as coisas melhorem. Nada prenuncia bons tempos”, disse o cineasta Eduardo Coutinho. “Mas a vida continua”, amenizou em seguida. Coutinho junto a João Moreira Salles e Otávio Frias Filho, diretor de redação da Folha de S. Paulo participaram da mesa “Jornalismo de fôlego”, sobre narrativas longas e grandes reportagens.
Crônicas e internet foi o tema do segundo dia do seminário. No debate, Antonio Prata, Arthur Dapieve, Humberto Werneck, José Gabriel de Lima e, por telefone, a cubana Yoani Sánchez. No mesmo dia os colunistas Contardo Caligaris, da Folha de S.Paulo e Roberto DaMatta de O Estado de S. Paulo, falaram sobre o processo de trabalho em suas colunas.

No último dia, o peruano Julio Villanueva e o americano Andrew Leland falaram sobre a liberdade de narrativa em face da nova realidade trazida pela internet.  Duas publicações foram lançadas no evento, a revista Singular, produzida por estudantes de jornalismo do programa Rumos Jornalismo Cultural e o Mapeamento do Ensino de Jornalismo Cultural, realizado por professores de jornalismo.

Ilustrada completa 50 anos

As mudanças do jornalismo cultural brasileiro também podem ser analisadas por meio de cinco décadas de existência do caderno Ilustrada, do Jornal Folha de S. Paulo – pioneiro entre os suplementos de cultura e variedades. “A maior mudança se deu na quantidade de assunto a ser coberto”, observa Otavio Frias Filho, diretor de redação da Folha. Livros, filmes, peças de teatro, obras de arte e espetáculos de todos os tipos desafiam diariamente a capacidade de cobertura e até de compreensão. Apesar de não conseguir sempre dar conta de um universo cultural cada vez maior e mais complexo a Folha, segundo Frias, procura cultivar um espírito de inquietude permanente. “Mudança é nossa pauta permanente”, diz. Um ciclo de debates, de 8 a 10 de dezembro, promovidos pela Folha no Masp celebram o aniversário do caderno e discutem cultura, política, consumo e jornalismo, com participações de nomes de destaque na cena cultural nacional, como os músicos Caetano Veloso, Lobão e o cineasta José Padilha. 

Por Carlos Minuano


Repórter de cultura. Além dos trabalhos em reportagem, dedica-se atualmente à produção de dois livros: Memórias Psicodélicas e a ficção Cigarro Barato.

2Comentários

  • jornalismo » Blog Archive » Os caminhos do jornalismo cultural, 9 de dezembro de 2008 @ 0:57 Reply

    […] Leia mais direto na fonte: http://www.culturaemercado.com.br […]

  • zonda bez, 9 de dezembro de 2008 @ 14:23 Reply

    uma reflexão sobre a produção cultural na mídia nacional hoje é mesmo necessária diante de tanto ‘press release’, ‘corta e cola’ e profissionais que escrevem sobre cultura a partir do telefone e da internet. não me eximo – todo comunicador para a cultura há de fazer seu ‘mea culpa’ diante desse quadro – mas acredito que a difusão da informação cultural deve vir do contato direto com a fonte, não importa se a exposição é numa instituição oficial ou num centro comunitário de subúrbio, por exemplo. se a arte está em toda a parte, não há razão para que ela se torne, na contramão, um frio fruir noticioso matinal – e ainda deixa tinta nos dedos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *