O Ministério da Cultura reformulou recentemente o seu site e realizou uma modificação que causou uma forte reação de usuários das mídias sociais, blogueiros e internautas contra a recém-nomeada ministra Ana de Hollanda, irmã do cantor Chico Buarque. A mudança que gerou a reação foi a troca da licença Creative Commons por uma frase em português.

A ministra já vinha sendo criticada porque solicitou ao congresso a devolução, para revisão, do projeto de lei que altera as regras de direitos autorais. Hoje li um post do Renato Rovai, por quem tenho grande admiração dando a entender que a Ministra estaria ligada ao ECAD e traindo as promessas de campanha de Dilma. Menos, né? Até porque pessoalmente acho que uma coisa é discordar de decisões, outra bem diferente é levantar suspeitas da honestidade.

Primeiro é preciso explicar que Creative Commons é uma organização não-governamental de origem americana criada para facilitar o compartilhamento de conteúdo com a permissão do autor, já que o país de origem possui leis rígidas contra cópia de material protegido por direitos autorais. Ela possui afiliadas no mundo todo, inclusive no Brasil, que tem site próprio em português e explicações na nossa língua, no entanto mantém o nome em inglês e a marca CC nos selos. Então, o autor tem um site e escolhe uma das licenças da Creative Commons e usa o selo específico no seu site, e aquele selo é a forma de informar as regras para quem quiser copiar o seu conteúdo.

O MinC já explicou que não precisava ostentar a marca porque as leis brasileiras autorizam a uso do conteúdo. A frase descrita no rodapé no site não deixa dúvidas quanto à autorização para uso do conteúdo:

“O conteúdo deste site, produzido pelo Ministério da Cultura, pode ser reproduzido, desde que citada a fonte”

E a recomendação para citar a fonte, da mesma forma como recomenda o Creative Commons. Mas afinal o que mudou para tanto rebuliço? Os simpatizantes veem como um gesto simbólico que os autorizaria a enxergar retrocesso na política de democratização da cultura promovida pelo Governo Lula, mesmo com o anúncio nessa semana que o governo continua apoiando o software livre nacional.

Eu vejo como uma mudança positiva. A gente tem que levar sempre em consideração que são os usuários avançados de internet e os nerds que conhecem o CC e o significado das licenças. A maioria esmagadora que usa a internet e tem conhecimento básico não possui a menor ideia do que aqueles selos significam e muito menos em uma sigla em língua estrangeira. A frase grafada no rodapé da página, escrita em português informa melhor a um número maior de pessoas. As pessoas que não conhecem o significado dos selos da CC podem ter seus sites ou blogs e querer usar material do site do MinC, e com essa mudança eles também vão saber que podem usar o conteúdo, desde que citem a fonte.

Considerei a reação do Creative Commons contra a decisão do MinC de não usar mais seus selos agressiva e prepotente. Parece que a organização se acha detentora da exclusividade no direito de compartilhamento de conteúdo ao afirmar que a decisão iria criar insegurança jurídica. Só se for para a própria Creative Commons, porque a frase grafada no rodapé tem tanta validade quanto o selo da organização e no quesito entendimento é notadamente superior. A organização reclama porque se sente desprestigiada. A ameaça de que o MinC estaria descumprindo regras, porque estaria obrigado a mostrar indefinidamente o logo da organização fez acender o sinal amarelo por aqui. O Blog já tinha uma página em português sobre as recomendações e permissões de uso do nosso conteúdo, e ainda mantinha o selo do CC por romantismo, mas depois da reação exagerada eu retirei. As regras para uso do conteúdo continuam as mesmas, adoramos ver nossos textos em outros blogs e sites. Compartilhar sim, Ditadura do CC não.

Já fui entusiasta de organizações não governamentais com origem e mantidas pelos EUA como o Greenpeace e Jornalistas sem Fronteiras, mas com o tempo percebi que as motivações dessas organizações não eram sempre as mais nobres e, muitas vezes se intrometem em decisões importantes para a soberania de outros países, sem fazer o mesmo nos seus próprios países de origem. O Brasil não precisa mais de organizações internacionais para dizer o que devemos ou não fazer, e aqui não vai nenhum antiamericanismo juvenil, adoro a música e o cinema americano.

Quanto à revisão da lei de direitos autorais, prefiro esperar para ver se acontecerão mudanças e quais, porque até agora só existe muita especulação e insinuação baseada no radicalismo, mas aí é outra boa discussão. Sou pessoalmente a favor da democratização da cultura, mas não sou contra direitos autorais, se tirar do autor o ganha pão que alimenta a sua família ele vai procurar outra atividade para conseguir esse pão e a nossa cultura vai para o buraco. Prefiro o caminho do meio. Discussão nunca é demais. Pode ser até que venha criticar as decisões da ministra, mas nunca antes de conhecê-las. A reclamação se dá porque dizem que o projeto de lei ficou em consulta pública, mas quem gostaria, depois de ser recém-nomeado para uma função, receber um marco regulatório pronto em um pacote sem dar a sua contribuição e incluir as diretrizes da sua administração? Talvez o erro tenha sido apressar o envio desse projeto de lei sem passar pelo crivo da nova administração que chegava.

*Publicado originalmente em www.pontoecontraponto.com.br


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Químico, microempresário, libertário de esquerda sem filiação partidária, isento de preconceitos, progressista, agnóstico, democrata, respeito o contraditório.

9Comentários

  • gil lopes, 27 de janeiro de 2011 @ 14:46 Reply

    Muito bem.

  • Eliene Rodrigues, 27 de janeiro de 2011 @ 16:07 Reply

    Enfim, alguém sem “paixão radical” que discorre sobre o assunto com lucidez, discernimento e ética. Gostei do que li. Salve, salve o autor LEN!!!!

  • Carlos Henrique Machado, 27 de janeiro de 2011 @ 21:47 Reply

    Quem diria…. Como esse mundo da voltas, e rápidas. Algumas parecem pinotes.
    Viver é praticar a paciência….Não há dúvidas. Uma hora o poder volta para às mãos dos de sempre. É o jogo do jogo, do poder. O poder perseguido pela tara do poder. O jogador joga 24 horas, 365 dias do ano. Uma hora os astros se alinham, e ai… a sorte grande chega! Mas é preciso jogar,jogar e jogar.

  • JC Lobo, 28 de janeiro de 2011 @ 7:02 Reply

    O que eu não suporto mais ouvir é essa história de que o ECAD defende o direito dos autores! Alguém aí sabe dizer quem manda no ECAD? Bem, dá pra descobrir. Vi dia desses um comentário num blog sobre isso e fui pesquisar. Numa ata da assembléia do ECAD que definiu o poder de voto das associações que o controlam, o votos estão divididos da seguinte maneira para o biênio 2010/2011: 14 pra ABRAMUS; 13 pra UBC; 3 pra SOCINPRO; 2 pra AMAR; 2 pra SBACEM; 1 pra SICAM. Num total de 35 votos. não precisa ser muito bom em matemática pra ver que quem manda mesmo são só duas: ABRAMUS e UBC (juntas tem 27). O resto serve só pra desempatar de vez em quando, pelo visto. A ata que definiu isso estava na internet até outro dia, talvez por descuido. Dizem por aí que transparência não é e nem nunca foi o forte deles, mas de vez em quando eles deixam escapar alguma informação, ao que parece. (tava aqui, se já não removeram: sss://www.ecad.org.br/documentos/comunicados/Ata%20da%20367.pdf )
    Pois bem, se essas duas mandam, temos que ver quem são os diretores delas. Pelo próprio estatuto, a ABRAMUS tem 8 diretores; metade são de empresas multinacionais: duas de gravadoras e duas de editoras musicais ( entre elas a ABPD, das majors, as Big Four da música no mundo). Já a UBC tem 7 diretores; 5 são editoras musicais (Três pontas, Dubas, Peermusic, Tapajós, Jloureiro). Dá pra descobrir isso fuçando as páginas delas (espero que não sumam com essas informações…).
    Duas coisas interessantes que constatei pesquisando na internet: no mundo, de uma forma geral, gravadoras e autores NUNCA estão numa mesma associação; editores e autores até estão, mas jamais com uma representação tão desproporcional. Tudo bem que tem compositor que é dono da sua própria editora, é um “editor-autor”. Mas os contratos que eles oferecem aos colegas não diferem muito das demais empresas.
    Fiquei sabendo disso ao conversar com um velho amigo que é compositor. Ele me mostrou um desses contratos das editoras musicais. É um descalabro! Eles obrigam o artista a ceder todos os direitos pra editora, é impressionante. E na página da ABRAMUS achei mais um absurdo: um modelo de contrato para a cessão dos direitos de execução pública! Algo que na maior parte do mundo é irrenunciável, os “defensores dos autores” daqui ainda facilitam!
    No momento em que se discute uma mudança da legislação, uma chance de se mudar toda essa zona, tem muito compositor desavisado que se deixa levar pela cortina de fumaça erguida em torno do tal de “creative commons”, que é uma grande besteira, não ameaça nada nem ninguém.
    Fico me perguntando sobre os autores e artistas, alguns até com uma obra admirável na MPB, que dividem a diretoria dessas associações com esses empresários. Não sei se estabelecem com eles uma relação promíscua, oportunista, de favorecimento mútuo, ou se é por doença psicológica mesmo, tipo “síndrome de estocolmo”. Afinal, tem muita meretriz que se apaixona pelo gigolô, acha que ele é seu protetor. Coisas da vida. É muito desolador.

  • Carlos Henrique Machado, 28 de janeiro de 2011 @ 8:14 Reply

    CPI do Ecad chega ao fim
    quarta-feira, 15 de abril de 2009

    A CPI do Ecad chegou ao fim. E concluiu que os direitos autorais ligados à música estão em “estado institucional anárquico”, em razão da falta de poder de normatização, supervisão e fiscalização do Estado. Segundo o relatório final da CPI, esta “anarquia” permite ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição(Ecad) exorbitar das suas obrigações financeiras, legais e estatutárias, dando origem a irregularidades e indícios de crimes como falsidade ideológica, sonegação fiscal, apropriação indébita, enriquecimento ilícito, formação de quadrilha, formação de cartel e abuso de poder econômico.

    As denúncias de irregularidades praticadas pelo Ecad já foram alvo de investigação de duas outras CPIs, uma na Câmara dos Deputados em Brasília e outra no Mato Grosso do Sul. Os resultados, contudo, foram praticamente nulos. “Nossa intenção foi propor soluções para o problema, para que a CPI da Assembleia Paulista possa servir como um marco nas relações entre músicos, compositores, associações e o próprio ECAD” afirmou o deputado Bruno Covas, presidente da CPI.

    As medidas preconizadas pela CPI são:

    1. Moção aos presidentes da República, Câmara e Senado propondo ampla reforma na Lei 9610/98, com objetivo de criar uma agência reguladora para fiscalizar a atuação do ECAD na arrecadação e distribuição de direitos autorais no país.

    2. Oficiar a Procuradoria Geral da República para investigar irregularidades na arrecadação e distribuição dos direitos autorais no país.

    3. Solicitar à Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, através do CADE, que verifique a existência de infrações à ordem econômica na relação do ECAD com as entidades que o compõem.

    4. Organizar visitas dos deputados que fizeram parte da CPI do ECAD para entregar documentos comprobatórios adquiridos pela CPI ao Ministério Público Federal, Câmara dos Deputados, STF, Ministério da Cultura e CADE.

    5. Criação do Conselho Estadual de Direitos Autorais (CEDA), nos mesmos moldes propostos para o âmbito federal. Leia a íntegra do relatório final da CPI aprovado na última sessão.

    O relatório foi aprovado por unanimidade pelos integrantes da CPI.

    Veja também:
    * Leia a íntegra do relatório final da CPI aprovado na última sessão

  • Sergio Evangelista, 28 de janeiro de 2011 @ 14:10 Reply

    Aqui no Cultura e Mercado não há referência sobre a possibilidade de publicação dos conteúdos em outros sites.

  • alcina meirelles, 30 de janeiro de 2011 @ 14:50 Reply

    Prezado Leonardo,
    Gostei muito de sua “opinião” sobre a polêmica do Minc, pois muito tem me desagradado as reações à Ministra Ana de Hollanda.
    Conheço a Ana há alguns anos e tenho o maior respeito por ela.
    Ela sempre se mostrou inteligente, competente e de muito bom senso. Parece que, infelizmente, ainda temos dentro da cultura (e também nos outros segmentos) aqueles que adoram ser contra, ou porque queriam outra pessoa e aí torcem mesmo para que dê errado, ou porque gostam mesmo de criticar sem ter certeza do que estão falando.
    E duvidar da honestidade da pessoa é muito sério. Ana sempre se mostrou muito correta em suas atuações.
    Quanto à iniciativa da Ministra de rever o projeto de lei que altera as regras de direitos autorais, endosso suas palavras, Leonardo.
    Deixem a Ministra trabalhar!
    Estou torcendo para que ela faça uma excelente administração. Ela tem toda competência para isto.

  • Raquel Mattes, 30 de janeiro de 2011 @ 16:16 Reply

    É isso aí!!!
    Gostei tanto que estou enviando para meus amigos e vamos reproduzí-lo na nossa pg http://www.alexandria.com.br (sem cc rsrsrsrsrs)

  • rita, 30 de janeiro de 2011 @ 16:22 Reply

    J C Lobo seu texto é muito eclarecedor. Quem manda no ECAD – é a pergunta certa. Quanto a resposta – está aí – gravadoras e editoras. As editoras, nos contratos que assinam com os autores cobram 25% do direito autoral decorrente de execução publica. As gravadoras são beneficiadas com 41,7% de um terço da arrecadação do ECAD destinados ao pagamento dos titulares da área conexa.

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