Pedro Alípio Nunes é presidente do Instituto Cultura em Rede, em Santa Catarina. Uma iniciativa que reúne produtores, artistas e gestores públicos e privados, e gerencia a Rede de Integração Cultural (RIC) do estado, integrando mais de mil e quinhentos profissionais do setor: “A Lei Rouanet e o próprio PNC refletem interesses politicos que não é o da sociedade civil, como se observa na reação das pessoas e entidades envolvidas no mercado cultural brasileiro. A pergunta que se faz é: podemos viver com esse filho bastardo, que um dia pensamos ser legítimo? ”

Pedro já esteve do outro lado do balcão. Coordenou, quando gerente de cultura do Estado de SC, a conferência estadual de cultura e 8 conferências intermunicipais. O vice-presidente do Instituto Pensarte na região sul e concedeu a Cultura e Mercado a seguinte entrevista:

Leonardo BrantVoltamos a discutir a Lei Rouanet. Da estaca zero. As mesmas acusações, os mesmos argumentos. A diferença agora é que a situação inverteu: antes a sociedade exigia mudanças do governo, agora o governo quer que a sociedade mude para se enquadrar a algo que ele próprio não sabe o que é. Você, que já foi governo e agora lidera um importante movimento socioeconômico em Santa Catarina, o que pensa disso tudo?

Pedro Alípio – As leis são elaboradas, geralmente, para regular as ações das pessoas, organizações e o comportamento destas em relação ao objeto da lei. O governo então fiscaliza sua aplicação. Não é assim que isso acontece com a cultura, porque os governos além de fiscalizar continuam manipulando, através de decretos e portarias, a destinação dos recursos com objetivos politicos partidários, favorecendo grupos ou situações que respondam aos seus interesses. Esses interesses nem sempre objetivam ao desenvolvimento cultural. É evidente que não se pode generalizar. O fato de existir a Lei Rouanet já é um fato relevante. Toda discussão e debate sobre ela são importantes para nos dar uma dimensão de sua importância, contextualizada no cenário cultural de forma equivocada. O governo e a lei pela qual a cultura é financiada hoje não podem continuar sendo os atores principais deste cenário chamado mecenato.

Mesmo porque o número de atores secundários e coadjuvantes é muito pequeno, restrito e direcionado muitas vezes unilateralmente. São sempre os mesmos. Se isso precisa continuar ao custo de sobrevivência da Lei Rouanet, que se continue. Porém, a sociedade civil precisa pensar em mecanismos pelos quais ela, a sociedade, desempenhe o papel princial no desenvolvimento cultural. Existem meios e mecanismos técnicos e econômicos disponíveis para que a cultura seja financiada e regulada por valores demandados da sociedade como um todo. Governo incluso, pois sempre a parceria, a contribuição múltipla, são mais eficientes e eficazes do que outras formas de decisão.

LB A ONU vem apontando, em vários estudos, a economia da cultura como a que mais cresce no mundo. O Brasil tem todas as condições de entrar para competir de igual para igual nesse mercado, mas parece que ainda temos culpa do dinheiro capitalista, que nos parece sujo e vergonhoso. Por outro lado, queremos concentrar a distribuição do dinheiro no governo, como se ele fosse mais justo, mais limpo, menos vexatório.

PA – O produto artístico não é medido apenas pelo seu valor mercadológico. Tinta, pincel e tela não determinam o valor de um quadro. Num país de criadores, por outro lado, não se atribui o devido valor à criação. O produto, o objeto, é mais valorizado do que o conteúdo que carrega. Isso precisa mudar. Se queremos crescer estruturalmente (papel do governo) e desenvolvemos a capilaridade da cultura, reforçando seu valor econômico (papel dos atores culturais) é preciso um diálogo mais aberto e transparente entres eles.

Hoje os paradigmas culturais estão mudados e mudarão muito mais e rapidamente. Isso todos sabemos. Sentimos também que estamos em um processo caótico entre a esperança e o pessimismo com relação às artes e a cultura em geral.

A sociedade precisa forjar, por si, instrumentos autônomos, de construção dos seus próprios processos identitários, que alimentam seus anseios, lhe fazem bem, lhe dão sentido à vida. É ela, e não o governo, quem deve misturar os ingredientes e temperos que alimentarão o crescimento e reforçarão esses processos identitários. Quando isso acontecer no Brasil, a questão do financiamento à cultura será mera questão técnica e não político-ideológica, como vivemos hoje.

LBO Ministério da Cultura forjou uma nova proposta de participação política, a partir do Sistema Nacional de Cultura, da Conferência Nacional, dos fóruns e do Conselho de Política Cultural. Como você enxerga essa proposta? Ela garante realmente a participação da sociedade? O Plano Nacional de Cultura, por exemplo, é filho legítimo desse processo?

PA – Não é. Coordenei as Conferências de cultura em Santa Catarina, junto com pessoas e setores do governo da sociedade civil. 70% dos municípios catarinenses assinaram o protocolo de intenções com o MinC, para criar estruturas mínimas de cultura, como conselhos, fundos, leis de incentivo e órgãos gerenciadores locais. Fomos a Brasília para a Conferência Nacional, com quase cinqüenta pessoas, entre delegados, produtores culturais e entidades. Isso para criar-se um Plano Nacional de Cultura, um novo momento, um novo caminho, para esta cultura pensada pela sociedade cilvil e governo juntos. Muito democrático e promissor.

O que se percebe hoje é fomos usados. Muitos estados e o próprio Minc investiram pesado para que esse processo democrático se consolidasse. Um documento seria criado para embasar o projeto de Lei que seria encaminhado para congresso para a aprovação do Plano Nacional de Cultura. O que temos hoje? A Lei Rouanet e o próprio PNC refletem interesses politicos que não é o da sociedade civil, como se observa na reação das pessoas e entidades envolvidas no mercado cultural brasileiro. A pergunta que se faz é: podemos viver com esse filho bastardo, que um dia pensamos ser legítimo?


Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

2Comentários

  • alvaro santi, 2 de julho de 2008 @ 10:17 Reply

    Esta entrevista a meu ver sofre de um defeito jornalístico, que é técnico e ético ao mesmo tempo: ao final da leitura, fiquei com a impressão de saber mais sobre a opinião do entrevistador do que a do entrevistado.
    Fiquei curioso para saber exatamente quais os “interesses politicos que não é (sic) o da sociedade civil”, onde eles aparecem no texto do plano e qual tem sido “a reação das pessoas e entidades” a respeito.

  • Leonardo Brant, 2 de julho de 2008 @ 11:21 Reply

    Caro Álvaro,
    Seria um problema ético se a opinião do entrevistador não ficasse clara. Estamos viciados num tipo de jornalismo totalmente dissimulado, que se diz isento e carrega consigo interesses e representações de poder. O meu jornalismo (se é que podemos chamá-lo disso) é direto, claro, opinativo, localiza o meu discurso dentro de um espaço geográfico, político e social. Assume suas fragilidades, não quer ser dono da verdade. Mas quer colocar a opinião. Faça o que quiser como ela, inclusive critique. É essa a intenção mesmo. Obrigado! Abs, LB

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