Em debate realizado em São Paulo, o filósofo Pierre Lévy questionou: se as tecnologias de informação não estão tendo efetiva aplicação na educação, será que o problema não está na estrutura do espaço educacional?
“O problema não está relacionado somente aos professores e a sua experiência pessoal, e ao fato de que eles não são tão fluentes em novas tecnologias quanto seus alunos. Um fator muito importante são as regras institucionais nas escolas e a cultura geral que prevalece na educação tradicional”. Com estas palavras, o filósofo francês Pierre Lévy, em visita ao Brasil, iniciou sua participação no encontro de trabalho promovido pelo Laboratório de Inteligência Coletiva da PUC-SP, pela Fundação Vanzolini e pela Fundação Telefônica, respondendo a um questionamento de um dos representantes das fundações que apresentaram seus trabalhos, acerca de como fazer para que os professores aceitem e permitam a utilização de ferramentas tecnológicas e a inclusão digital no dia-a-dia da escola.
Neste “encontro-laboratório”, o acadêmico, autor de conceitos hoje popularizados para definir relações de rede em redes virtuais, em especial na Internet, como a “Inteligência Coletiva”, tema do encontro em questão, analisou a forma como estão estruturados o Portal EducaRede, da Fundação Telefônica, e o Portal Rede Social, da Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo. Mas ficaram, daí, ganchos importantes para se entender e para provocar, sobre a forma como trabalhamos nossa educação e os norteadores das fundações e ONGs mantidas com recursos, geralmente públicos pois oriundos de recursos dedutíveis de impostos e que, como Lévy colocou, buscam objetos públicos, não necessariamente respeitando dinâmicas e impulsos das comunidades em que atuam.
Entre estes pontos, dos quais vale o “pitaco” do pesquisador pelo distanciamento que é facilitado a alguém de fora do nosso cotidiano, posição em que Lévy coloca-se, vale ressaltar o que esclarece que não se cria um movimento social, ou uma rede social, ao se criar, por exemplo, um portal. O objetivo, o prêmio social, precisa ser muito atraente, e é necessária a figura dos líderes, que devem emergir naturalmente durante os processos. Estes objetivos, por sua vez, são a essência das comunidades sociais, e vem das pessoas que as compõe.
Ficam, porém, algumas questões, a que talvez não seja possível responder nesta reportagem, e talvez não ainda em muitas outras: o uso das tecnologias informacionais nos espaços educativos constituídos é estritamente necessário, dada a permeabilidade, em especial da escola? Há, hoje, um ciberaluno no grosso de nossas salas, ou estes ainda são uma elite? E quem ou o que seria este ciberaluno? Qual o papel do professor frente a este aluno midiatizado?
Enquanto isso, na escola e na Câmara
As respostas a essas questões aparecem, pouco a pouco, em tentativas de trazer equipamentos tecnológicos para a escola, transformando a estrutura do ensino. Uma opção? “Eu tenho certeza que não devamos opor o presencial ao on-line. Nós podemos trabalhar com as mesmas regras fazendo algo no computador que será colocado on-line, por exemplo, ou podemos ajudar uns aos outros a resolver problemas que nós estamos enfrentando, on-line ou presencialmente. Então, a questão não é o on-line e o presencial, mas a de entrar numa nova cultura de trabalho colaborativo, de aprendizado colaborativo. E também esta noção de que a principal fonte de valores é o conhecimento, e que o conhecimento pode ser acumulado coletivamente e ser acumulado on-line colaborativamente”, pontuou Lévy.
Rogério Costa, mediador do debate e professor do LInC, coloca, por sua vez, que não é a tecnologia que dará para as pessoas as competências para atuar em redes sociais, ou para o processo educacional, em relação ao que diz: “não é poder usar esta tecnologia que permitirá alguma alteração, algum avanço no aluno. A questão não é treinamento ou capacitação no digital, mas é a educação no digital”.
Indo para o campo experimental, vale atentar para projetos como a aplicação do programa internacional “Um Computador por Criança”, no Brasil (One Lap Top per Child). O programa, hoje com 275 máquinas em uma escola no bairro de Parada de Taipas, na periferia da cidade de São Paulo e entrecortada pela Serra da Cantareira, tem como proposta o uso de computadores à razão de 1 para 1 para alunos e professores, durante as aulas presenciais, para exposição de conteúdos e para pesquisa após as aulas. Também foram inseridas mídias de captação, como câmeras de vídeo e fotografia, numa proporção equipamento/aluno menor, e com o objetivo de permitir aos alunos produzir conhecimento, para seus colegas de turma e para o restante da escola. “Um exemplo foi uma visita feita recentemente por alguns alunos na Estação Ciência. Os alunos filmaram alguns experimentos e explicações, e os levaram para os colegas”, conta Roseli de Deus Lopes, coordenadora do projeto e diretora da Estação Ciência.
Ainda de acordo com Lopes, a experiência tem sido positiva, principalmente por ter sido desenvolvida junto com os professores. “Há uma necessidade, para que o projeto funcione, de que a escola tenha autonomia em sua aplicação. Nós damos suporte, mas quem decide o que e como será aplicado é a gestão da escola, em parceria com os professores. Na aplicação inicial, com uma segunda série e uma quinta série, os professores primeiro conheceram o equipamento, para depois analisarem como utilizá-lo, facilitando o aprendizado da escrita e de outras disciplinas, como geografia e ciências”.
Estão em implantação e estudo a construção de um blog coletivo e de textos coletivos, os últimos a partir de ferramentas Wikipédia, assim como o ensino de ferramentas de programação e de conhecimento em hardware e reparação ou troca de peças defeituosas. O experimento conta ainda com a participação de alunos das sétimas e oitavas séries, como moderadores.
A questão, para Lopes, é cultural, e perspassa tanto a necessidade de ensinar, a professores e alunos, que a construção do conhecimento no ambiente escolar diz respeito também à forma como se constrói este conhecimento, e na forma como alunos e professores se dispõe a utilizá-los, apropriando-se das tecnologias e descobrindo sua pró-atividade. Defende ainda que há a necessidade de se alterar a estrutura das escolas, pensando espaços diferentes, relações diferentes entre professores, não mais responsáveis pelo domínio de um conhecimento estático, mas por uma melhor gestão do conhecimento.
“Algumas das transformações que acontecerão a gente não tem noção do que serão, mas é certo que hoje uma série de ferramentas é pouco utilizada, pela falta do hábito de colaborar em ambientes virtuais ou não. As novas gerações estão com esta cultura em desenvolvimento, mas não é possível saber a que resultados chegaremos”, diz a professora, ao que completa: “estamos trabalhando com tecnologias deste século e conceitos pedagógicos do século passado. É preciso repensar estes conceitos, e inclusive as estruturas curriculares e as grades de aulas”. Ainda de acordo com a pesquisadora, mudada esta cultura o ideal seria que as crianças tivessem liberdade para o uso dos computadores, mediada pelo professor, para que estes computadores não tenham a mesma função de Lan Houses. O papel do educador é o de um orientador, responsável por ajudar o aluno a entender os riscos e as possibilidades dos meios, que se somem à curiosidade dos alunos e lhe possibilitem, de forma autônoma, entender problemas e aprender a usar e entender os dados e mecanismos oriundos, inclusive, de sua realidade.
Discutindo ainda sobre o paradigma atual de estrutura curricular e de metodologias de ensino, outra transformação começa a se constituir: a inserção, após muito debate, de elementos da cultura e da história africana, indígena e populares – como a caipira e a ribeirinha – nos currículos básicos. A valorização destes aspectos, por sua vez, indica uma possibilidade de mudança no foco do ensino formal – da valorização de conhecimentos de uma cultura dita elevada para a valorização dos elementos culturais formadores do cotidiano, e dos processos que contribuíram na formação destes conhecimentos e modos de vida. A discussão destas questões está em andamento na Câmara Federal. Para Lévy, a questão diz respeito ainda à administração dos conhecimentos como elemento formador de comunidades, e gerador de identidades e de memórias coletivas, o princípio das redes sociais.
Se esta escola, se esta escola fosse minha
Mas é possível pensar em inclusão no atual paradigma da educação no Brasil, com salas lotadas e bibliotecas mal utilizadas? Para Sergio Amadeu, professor da pós-graduação em Comunicação da Faculdade Cásper Líbero e responsável pela implantação dos telecentros, ambientes de acesso à Internet da Prefeitura de São Paulo, a dificuldade não está nos recursos, mas nas dinâmicas destes espaços: “Falta motivação ao professor, e o elemento-chave para gerá-la é a rede, é se sentir útil numa rede, e isso ocorre a partir do momento em que o professor assume a figura de orientador, de explorador, e a consciência de que é o primeiro estudante da turma que coordena, portanto o mais experiente e mais preparado para explorar estratégias e construir conhecimento. Assim, podemos romper barreiras culturais, construídas por professores e estudantes”.
Amadeu entende ainda que todo sistema educacional está constituído com base num sistema de ensino que não tem como acompanhar a velocidade do avanço em informação e conhecimento, especialmente no contexto atual, motivo pelo qual as estruturas de ensino não conseguem absorver a dinâmica das novas tecnologias. “E, por isso, a sociedade da informação é a sociedade da ignorância, e nela você tem de se preparar para acompanhar e selecionar a informação que tem alguma qualidade. O ensino precisa ser reorganizado, através de elementos de tensão positiva. É necessário ter o computador como intermediário forçando uma nova reflexão, um novo tipo de ensino”. Considerando que as técnicas tradicionais de ensino não atentam para a possibilidade de novos caminhos e formas de construir conhecimento, Amadeu acredita que a mudança só será possível a partir de processos “Botton Up”, a partir de iniciativas vindas da ponta da rede. “O gestor, por sua vez, precisa incentivar estes processos”, completa.
Rogério Costa completa as idéias de Lévy e de Amadeu: “Para o ambiente educacional formal adaptar-se a estas novas tecnologias, ambas tem de atuar como estruturas abertas, que se complementam. Não é preciso pensarmos numa substituição completa, anulando uma aula presencial. O que se pede é que os professores assumam outros papéis, o de orientadores, o de líderes e o de estimuladores de lideranças, pois as regras que se estabelecem no uso de ambientes virtuais, não podem ser, de forma alguma, obstáculos à próatividade. Por esse viés, não se supõe que a atividade presencial possa ser substituída pela atividade virtual, mas que ambas vão constituir cada vez mais o universo da aprendizagem, pois a presencial tem aspectos positivos e importantes, como a relação entre os alunos e a atenção do professor específica aos alunos, percebendo diferenças e necessidades de cada um”.
Para Ronaldo Lemos, professor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, e representante do consórcio Creative Commons no Brasil, “estamos assistindo de modo geral ao surgimento de modelos novos de gestão do conhecimento, que se distanciam do modelo tradicional do século XX. Na área de educação isso não é diferente: o modelo tradicional de conhecimento ‘fechado’ convive agora com o surgimento de modelos novos, baseados no acesso aberto aos conteúdos. É interessante notar que o modelo aberto vem ganhando cada vez mais força e essa abertura se dá tanto nas plataformas tecnológicas de ensino quanto também no regime de acesso aos conteúdos, que passa a ser cada vez mais aberto”.
Em outro seminário ligado ao tema, realizado na Cidade do Conhecimento e relatado no site da instituição [s://www.cidade.usp.br/blog/], núcleo de pesquisa da Universidade de São Paulo, uma das respostas ao que é o ciberaluno diz respeito a apropriação destas tecnologias e destas redes, ao que o professor Gilson Schwartz colocou que “Emancipação Digital vai além da Inclusão Digital. O digital deve ser apropriado pelas pessoas que devem usá-lo num âmbito mais político e como forma de produção de conhecimento. A Internet por si só não gera conhecimento, para isso acontecer, é preciso que haja conteúdo sendo construído e colocado em circulação por essa inteligência coletiva”.
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* Colaborou Elisangela Oliveira.