Antes do surgimento do Plano Nacional de Cultura do ministro Gilberto Gil, uma nova primeira tentativa de ação mais efetiva no setor pode ser observada logo após o golpe militar de abril de 1964, durante o governo de Castelo Branco, mais precisamente em 1966, ano em que foi criada “uma comissão destinada a apresentar sugestões para a reformulação cultural do país. Essa comissão recomendou a criação do Conselho Federal de Cultura”. (Conselho Federal de Cultura, 1975). Esse órgão, ligado ao Ministério de Educação e Cultura (MEC) deveria ser estruturado nos moldes do Conselho Federal de Educação e foi criado pelo Decreto-Lei n° 74, de 21 de novembro de 1966 e instalado a partir do Decreto n° 60.237, de 27 de fevereiro de 1967. O CFC deveria ser responsável pelas formulações de políticas culturais para o Brasil e, futuramente, constituir as bases para a formulação do Plano Nacional de Cultura. O CFC também defendeu a criação de outros órgãos e conselhos de cultura estaduais, o que mais tarde deveria servir como suporte para a atuação no setor também em nível municipal.
Outro documento referente ao setor cultural foi produzido pelo CFC, em 1973, durante a gestão de Jarbas Passarinho como ministro do MEC e foi intitulado com “Diretrizes para uma Política Nacional de Cultura”. Segundo Sérgio Miceli, em seu livro Estado e Cultura no Brasil, esse documento enfatizava a “necessidade de criação de um novo organismo ou a adaptação de algum órgão já existente, com uma atuação mais efetiva no setor, ou seja, o documento já indicava a importância da criação de um Ministério para a Cultura. Essa proposta, assim como tantas outras, também apresentava uma preocupação da cultura como formadora da “identidade nacional”. O documento afirmava a necessidade de uma ação mais efetiva nesse setor, no sentido em que deixar de promover ou de preservar as manifestações e o patrimônio culturais nacionais ocasionaria um risco para a segurança nacional. Entretanto, divergências políticas impediram seu surgimento.
Também representante dos interesses governistas em aumentar sua atuação no setor cultural foi a criação, ainda em 1973, do Programa de Ação Cultural – o PAC. Esse programa voltava afirmar a necessidade da atuação do Estado no “desenvolvimento da cultura”. Diferentemente do documento anterior, as propostas do PAC não apontavam para a criação de um órgão específico para a cultura, o que deixou o documento com um caráter meramente de “assistencialista cultural”.
A atuação estatal no setor da cultura nacional resultou em 1975 na criação da Política Nacional de Cultura (PNC), um programa político criado durante o governo Geisel, que tinha a frente do MEC o ministro Ney Braga. A PNC concretizou, portanto, o reconhecimento oficial, à sua maneira, da necessidade de incluir a cultura no programa de desenvolvimento pretendido pelo governo para o país. Nesse instante, a atuação do estado no setor cultural passou a assumir um lugar de destaque na política de desenvolvimento e segurança do governo através da Política Nacional de Cultura.
Entretanto, seguindo a cartilha do histórico das políticas nacionais implantadas para “fortalecer” a cultura brasileira, essa também se caracterizou pelos objetivos de controlar e direcionar o processo cultural, pois, os diversos mecanismos de atuação na cultura, criados pelos militares como forma de neutralizar os trabalhos artísticos até então realizados pelas forças “adversárias” do governo – como a censura e as intervenções diretas nas produções artísticas – também foram utilizados como forma do governo assumir o controle do processo que deveria guiar e adequar a produção cultural nacional. Todas as iniciativas estabelecidas pela “política cultural militar”, tinham como finalidade, não apenas controlar o que deveria ser produzido como “cultura oficial”, mas, adequar essa política de desenvolvimento nacional aos novos valores trazidos com as transformações no mundo capitalista, na tentativa de inserir o Brasil no círculo dos países de “primeiro mundo”. Nesse processo a cultura foi presente com estratégias do governo militar que criou diversos organismos como o Conselho Nacional de Cinema (Concine), reformulou a Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme), criou a Fundação Nacional da Arte (Funarte), de “reestruturar” do Serviço Nacional do Teatro (SNT), entre outros, o que fez de maneira a utilizar a estratégia getulista e convidar diversos representantes respeitados do setor cultural nacional para fortalecer e viabilizar o projeto cultural governista.
Mesmo com as intenções políticas, caracterizadas também por mecanismos que restringiram e reprimiram diversos produtores e trabalhos artísticos em favor da implantação da Política Nacional de Cultura, diversos autores apontam para uma significativa” mudança nas intenções do governo militar em “institucionalizar” o setor cultural brasileiro. Entretanto, uma “institucionalização” cultural ligada a um projeto de desenvolvimento que caminhava na contramão de grande parte dos projetos e trabalhos artísticos que vinham sendo criados e desenvolvidos desde finais da década de 1950. A “centralização” pretendida pela PNC, além de privilegiar o fator mercadológico da cultura, também fez o governo atribuir para si a função de identificar o que interessam ou não como produção cultural. Com isso, mesmo que na prática a PNC tenha favorecido o surgimento de diversos órgãos e instituições, temos que observar em que sentido esses mecanismos tiveram uma efetiva atuação nos setor, já que, esse mesmo governo, “preocupado” com a cultura no país, censurou e reprimiu violentamente diversos trabalhos artísticos no período, além de prender, torturar e mandar para o exílio diversos artistas, até mesmo aqueles que não tinham ligações diretas ou mesmo indiretas com projetos que questionassem o governo.
A PNC, além de centralizar a atuação do governo como “formulador” da produção cultural e artística por meio de prêmios, incentivos e financiamentos, também ficou caracterizada pela função mercadológica e pela forma como pretendia assegurar para o governo o controle dos mecanismos político e ideológico nacional. Esse mecanismo, estimulado pelas transformações ocorridas na economia brasileira juntamente com o crescimento do parque industrial e do mercado de bens materiais, possibilitaram o fortalecimento do mercado cultural nacional.
Hoje, ainda em processo de formulação, o Plano Nacional de Cultura do governo Lula se configura pelos diversos debates e Seminários, realizados em todos os Estados brasileiros, que visam discutir com a sociedade civil os rumos que essa política deve assumir. A perspectiva é que o novo PNC seja aprovado e comesse a ser implementado a partir de 2009, orientando os planos regionais. Para o ano que vem está prevista a realização da II Conferência Nacional de Cultura, onde todo o processo será concluído.
1Comentário