Seminário Internacional realizado no Espaço Artecidadania discute os caminhos de políticas culturais em tempos de eleições

“Esse evento surge da necessidade de criarmos uma agenda cultural mínima nas eleições de 2006, independente de partido ou candidato”. Com essas palavras Leonardo Brant, presidente da Brant Associados iniciou o Seminário Internacional “Políticas Culturais & Eleições”. O evento ocorreu no dia 10 de junho, no Espaço ArteCidadania e contou com a participação de diversas personalidades ligadas à cultura em âmbito nacional e internacional, colocando em debate o panorama sócio-político-cultural brasileiro, a criação de políticas culturais mais eficazes e as ações e desafios do Ministério da Cultura e o que ele deixa para uma próxima administração.

Estiveram presentes como debatedores e palestrantes, George Yúdice, diretor do Centro de Estudos Latino Americano e Caribenho, da Universidade de Nova Yorke; Lala Deheinzelin, vice-presidente do <b>Instituto Pensarte</b> Ronaldo Bianchi, superintendente do Museu de Arte Moderna de São Paulo e vice-presidente executivo do Itaú Cultural; Ana Carla Fonseca Reis, também vice-presidente do <b>IP</b> Glauber Piva, coordenador de cultura do Partido dos Trabalhadores (PT) e Isaura Botelho, pesquisadora do Centro Brasileiro de Análises e Planejamento, Cebrap. Como debatedores, Leonardo Brant, Cristina Merlo, professora de Comunicação Social da Universidade Anhembi Morumbi e Ary Sacapin, consultor cultural do SEBRAE SP.

Se na mesa de debates havia uma configuração interessante e variada, na platéia não era diferente. Ocupando as cadeiras do Espaço ArteCidadania via-se uma variedade de representações: desde a academia, com o pessoal da Universidade de São Paulo (USP), até profissionais que atuam no campo da luta pela preservação do meio-ambiente, caso de representantes da ONG SOS Mata Atlântica. Também não faltou representação política: por ali se assentavam pessoas do governo e também, na figura do Secretário de Cultura de Jundiaí, Ivo Petroni. Enfim, o terreno parecia fértil para que aquele não fosse apenas mais um seminário.

Começou-se então com a palestra do professor George Yúdice. Ele colocou o arado na terra e preparou terreno para os debates que se seguiram. Sua exposição teve como ponto central a idéia de que cultura não deve ser pensada como elemento isolado em uma política de governo. “Cultura não é só teatro, dança, música, museus e patrimônio histórico, como tradicionalmente se estruturam as políticas governamentais hoje. Cultura é o universo inteiro, ela é global e faz parte de cada aspecto de uma sociedade”, defendeu.

Partindo dessa premissa, George explicou o que coloca em seu livro “A Conveniência da cultura: Usos da Cultura na Era Global” (Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005): “Uma das coisas que trabalho é o fato de que cultura tem a ver com recurso. Cada vez mais ela (a cultura) é um recurso de coesão social e crescimento econômico”, revela. George também comparou o uso da cultura como instrumento político ou apenas como ferramenta da diplomacia, o que é diminuir seu potencial: “O mais importante aspecto é usar a cultura como ativo da economia, da integração social e da governabilidade”.

Para o professor da Universidade de Nova Yorke, quando a política cultural de um país deixa de ver a cultura apenas como uma ferramenta ou como umas poucas expressões artísticas e passa a enxergá-la em um contexto global e articulado, ela passa a ocupar posição central no desenvolvimento de uma nação. Assim, “a cultura se transforma em recurso para responder a problemas econômicos, sociais, sendo protagonista no intercâmbio de bens simbólicos e, principalmente, no desenvolvimento urbano. E quando tratada dessa forma promove a diversidade, a troca, o diálogo entre grupos sociais, empresas e poder público, sendo esse diálogo importante aspecto a ser fomentado”, explica. “Quem pensa uma estratégia para desenvolvimento urbano, tem que pensar em todas as expressões da cultura e sua articulação com as outras esferas”, completa Yúdice.

Finalizando, quando instigado por Lala Deheinzelin, na parte reservada a questionamentos e discussões, George apontou alguns caminhos para uma política nacional de cultura que vise ao desenvolvimento integrado de uma nação. Para ele, essa política deve ser descentralizada e articulada com as outras políticas governamentais; deve promover uma integração entre poder público, empresas e sociedade organizada; fortalecer as indústrias criativas e fomentar pequenos e médios projetos culturais como forma de garantir a diversidade. Questionado sobre qual é o maior desafio hoje, de políticas de governo para a cultura, emenda: “Os políticos têm como grande desafio, pensar a cultura como coluna vertebral da governabilidade”.

E agora o plantio – Depois de preparada, foi hora de adubar e semear a terra na segunda parte do Seminário. Os debates que se seguiram giraram em torno de discussões sobre o Ministério da Cultura. Os primeiros debatedores, Ronaldo Bianchi e Ana Carla Fonseca Reis, falaram sobre o tema “O MinC que temos e o MinC que queremos”. Segundo os dois, esse é ponto de fundamental importância a ser discutido, independente do partido que saia vitorioso dos pleitos eleitorais.

Ana Carla Fonseca foi a primeira a discorrer. Com um discurso sintonizado com o de George, ela disse que o ministério ideal é aquele em que as plataformas permeiam e dialogam com os outros ministérios. “Devemos pensar em um Ministério da Cultura transversal para gerar desenvolvimento não apenas cultural, mas global”. Mas, segundo a especialista em economia criativa, é preciso mais. Faz-se necessário aprimorar o gerenciamento das políticas com o uso de modelos de gestão privada, no setor público. “Com planejamento estratégico haveria um mapeamento qualitativo da cultura na educação, economia, comunicação etc. A partir daí pode-se criar indicadores de desempenho, planos de metas e tudo mais quanto já se faz no setor privado e pode ser feito também no setor público”, completa. Ela ressaltou ainda pontos como transparência na gestão com relatórios de gastos e follow-up dos processos, e o foco mais no impacto das ações geradas e menos na arrecadação. “Hoje se comemora muito o quanto se arrecada com renúncia fiscal e não os resultados das ações implementadas”, explica.

Já Ronaldo Bianchi, superintendente do MAM, apresentou um histórico do Ministério da Cultura e sua atuação. Começou com a criação do Ministério da Educação e Saúde (que também contemplava a área da cultura), em 1935; passou pelo ano de 1964, quando o nome da pasta era Ministério da Educação e Cultura, que tinha muito forte o papel de perseguir opositores do regime e indexar informações, na época da ditadura militar; chegando até 1986, quando, desligado da Educação, o Ministério da Cultura estruturou-se da forma que perdura até hoje. Para Bianchi, em cada fase o Ministério mudou e agregou diferentes formas de agir. “De 1935 até 1986 temos um ministério assistencialista. A partir de 1986, com a criação da Lei Sarney, além de assistencialista o Estado passa a ser também incentivador. Papel esse melhorado coma criação da Lei Rouanet e revogação da Lei Sarney”. Ronaldo completou dizendo que em 2006 começa a se perceber uma tendência do Estado como formulador, pois o modelo de incentivo não atende satisfatoriamente às carências culturais.

Bianchi expôs ainda uma proposta daquilo que considera o ministério ideal, definido quatro papéis básicos. Primeiro, o ministério deve agir como formulador, dividindo responsabilidades com estados e municípios. Segundo, o ministério deve ser articulador e se inserir em outras esferas da gestão pública. “Exemplo disso é a regulamentação do setor, que deveria ficar a cargo da cultura; ou a atuação na educação que é essencial”, explica Ronaldo. Quando fala dos dois primeiros papéis, destaca a necessidade da descentralização da gestão para otimizar as ações na cultura –  “Devemos fortalecer os municípios. O município é o núcleo onde você vai garantir o gasto bem direcionado do dinheiro público. Assim, as ações terão mais vigor”, destaca Ronaldo.

O terceiro papel é o de incentivador e nesse ponto Bianchi faz algumas colocações: “O ministério deve criar os incentivos, mas também controlá-los, impondo limites para cada produção. Não é possível que se gaste R$ 600 mil para editar um livro! Cada tipo de produção deve ter um limite para não ocorrer certos abusos que hoje ocorrem”. Segundo ele, como incentivador, o governo deveria fortalecer a indústria criativa no Brasil com fortes centros de produção e fomento a variadas expressões culturais. E o quarto papel destacado é o de mantenedor, reservando verbas para a proteção do patrimônio histórico e cultural e a criação de museus.

Fim desse debate foi hora de continuar a cuidar do plantio e partir para a última mesa redonda, com o tema “O legado de Gilberto Gil”. A mesa teve como mediador Ary Scapin e os debatedores foram Isaura Botelho e Gláuber Piva. Scapin iniciou os debates, instigando os dois a refletir sobre o que Ministério da Cultura fez sob a batuta de Gilberto Gil e como melhorar a atuação do MinC.

Isaura foi a primeira a tomar a palavra. Fez parte da formação do MinC desde 1985 e apóia uma reestruturação no ministério para torná-lo mais leve. Ainda hoje, segundo ela, o MinC possui uma estrutura pesada demais e centralizadora. Para ela a descentralização só será possível se englobar as três esferas públicas com participação ativa da sociedade civil organizada. Mas, ciente da evolução que sofreu o MinC nos últimos quatro anos, comenta: “É absolutamente admirável o trabalho que se faz. A posição de Gilberto Gil no cenário artístico nacional e mundial lhe abriu portas que outros ministros não conseguiram abrir”. Para Isaura, “Gil recupera a vinculação cultura-cidadania”.

Além da vinculação cultura-cidadania, Isaura destacou outros pontos de evolução do MinC. “Mesmo possuindo ainda uma estrutura pesada, com pouca verba e com funcionários efetivos insuficientes, Gilberto Gil estabelece uma transversalidade política com os outros ministérios da República. Ele verticaliza o debate sobre a cultura ao estabelecer o diálogo entre os três entes da União”, diz Isaura. Ao dizer isso, ela aborda o projeto do Sistema Nacional de Cultura, que estabelece diretrizes para a política cultural do país. Essas diretrizes foram criadas à partir de conferências regionais realizadas em todo país a nível federal, estadual e municipal. “Em trinta anos de experiência pública, nunca vi tamanha mobilização para discutir os rumos da cultura”, completa.

Antes do coordenador de cultura do PT, Glauber Piva, falar sobre o que foi e está sendo feito na gestão Gilberto Gil, fez questão de colocar em que condições o MinC estava há quatro anos atrás, quando Gilberto Gil assumiu. Segundo Glauber, “o MinC poderia ser visto como um ministério virtual, inexistente, sem expressão ou força de atuação. Pouco ou nada se articulava com outros ministérios ou estatais – havia apenas um projeto em parceria com o Ministério da Educação.  Não havia projetos de financiamentos e editais”. Apesar de frisar que sua colocação era apenas para informar a precária situação de como o MinC foi encontrado e o quanto se caminhou desde então, não deixou de gerar incômodo em uma parcela da platéia, que viu em suas colocações certo oportunismo político. Mas logo, Piva esclareceu o propósito das informações que expôs.

Colocado o contexto no qual Gilberto Gil assumiu, Piva falou das premissas que nortearam as ações do MinC: cultura como política de estado e cultura como direito social básico. Segundo o coordenador de cultura do PT, partindo desses pontos o MinC age para institucionalizar as políticas culturais, para que sejam políticas de estado e não de governo, que acabam junto com o mandato. A partir daí propô-se o SNC (Sistema Nacional de Cultura), que segundo Piva não está pronto. “O desafio é criá-lo de fato, institucionalizando a cultura como política pública em todos os entes da União”, explica. Glauber ainda citou como pontos positivos da gestão de Gilberto Gil, o fato do MinC ser hoje mais abrangente, discutindo pautas de outros ministérios, como Comunicações e Educação; debater a cultura como modelo de desenvolvimento do país; ser um ministério mais atuante e debatedor. Mas ainda há muito o que se fazer. A estrutura ainda é pesada, é necessário mais transparência nas ações com políticas mais claras de divulgação de seus atos e seus impactos. “Antes o MinC era um balcão para distribuir incentivos. Hoje é um ministério, de fato. Com suas falhas, sim, mas hoje o MinC está na pauta”, fecha Glauber Piva.

O seminário não se encerrou ali. O debate sobre um Ministério da Cultura mais atuante, sobre formas de se fazer políticas culturais descentralizadas, integradas, institucionalizadas prosseguiu entre debatedores, mediadores e platéia. Para os que participaram ficou a certeza de que muita coisa foi discutida, refletida e, principalmente, semeada. Para muitos é preciso haver propostas e ações no sentido de se criar uma agenda de desenvolvimento para e através da cultura, com a participação efetiva (e essencial) da sociedade, ficando uma promessa para outros encontros. “Essa foi uma grande oportunidade para pensarmos nos rumos que daremos ao nosso projeto de desenvolvimento. Foi um lugar de se pensar a cultura de uma forma diferente, gerar propostas e novas idéias”, disse o Secretário de Cultura de Jundiaí, Ivo Petroni. Isaura Botelho completou, dizendo que “é preciso sim pensar em um projeto de cultura integral, articulado e para isso é fundamental a participação da sociedade nesse processo”.

Leonardo Andrade


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1Comentário

  • Marcos André Carvalho Lins, 16 de junho de 2006 @ 12:03 Reply

    Cultura como bem colocaram alguns debatedores e expositores, é preciso ser vista como algo menos setorial e mais global. a articulação entre as diversas pastas ministeriais não é apenas necessária mas condicionante na formulação de uma agenda cultural abrangente, menos segmentada e mais plural. muito pouco se falou na educação: peça fundamental e estrutural quando se fala em políticas públicas, e principalmente quando estas dizem respeito ao panorama cultural de um país. educação, não apenas no sentido formal do termo, mas em sentido amplo e irrestrito. toda maneira de ver o mundo reflete um coadjuvante educacional primeiramente. não se pode fazer cultura num país sem o mínimo de base educacional convergente. fato que acaba por validar atitudes do tipo: distribuir prospectos elucidativos e explicativos na portaria de cinemas, teatros ou museus. a população deveria não só ter acesso ao espetáculo mas também conhecer , ao menos superficialmente, o contexto sócio-político determinante daquele conteúdo. isso se faz pela educação!! o que se faz hoje nesse mister:- bolsa-escola, todo mundo na escola(!!??) mas que escola é essa???- distribuição de livros didáticos(??!!) mas que livros são esses???- meia entrada para estudantes(??!!) mas que “estudante” é esse ???-cotas para as universidades(??!!) , mas que universidades são essas???que formação fundamental ministramos aos nossos educandos para se chegar a conclusões quanto a parcelas oprimidas pela inapetência da escola pública. se desejamos um estado tutelar, culturalmente falando, é mister um público que
    abasteça o nosso cenário cultural com novos olhares, imagens e visões de mundo. não desejamos um público apático que ler apenas um folhetinho qualquer e acha que já sabe o suficiente. queremos um público que se integre à obra, que saiba contextualizá-la e engrandecê-la com críticas pertinentes, que abandone os espetáculos, não por pudor ou incompreensão do que está se passando diante dele, mas pela convicção, acertada ou não, de que aquilo não reflete sua realidade mas trata-se de algo com a intenção de diminuí-lo e desmerecê-lo enquanto expectador. a educação , portanto, cujo ponto matricial é a escola, deve privilegiar a inclusão pelo conhecimento no lugar da abstração pelo consumismo e pelas práticas falseadas de aprendizagem de teor alienante e dispersivo. mais claramente: a escola deve passar por uma reforma significativa da grade curricular assim como da praxe utilizada para ministrá-la. se desejamos a participação da sociedade na formulação e implementação de uma política cultural eficiente, precisamos de uma educação mais coerente, que faça sentido. o respeito ao universo particular de cada comunidade e o resgate do aluno-pensador-ativista se fazem primordiais nesse intuito. é necessário não se colocar simplesmente os artistas em pauta, mas principalmente o seu público. trata-se de uma dialética prosaica pois público e artista são uma coisa só.

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