Foto: João Gabriel
O governo federal propôs recentemente a extinção da Lei Rouanet, o principal mecanismo de financiamento à cultura do Brasil. Entre os argumentos defendidos pelo ministro da cultura estão a democratização do acesso aos recursos e a ampliação do sentido público do investimento. Mas será que a mudança proposta resolve os problemas apontados pelo MinC? Ao aprofundar o estudo do projeto apresentado, a resposta é negativa.

Dados do IBGE referentes ao ano de 2003 apontam que a Cultura emprega cerca de 4% da população economicamente ativa, além de abraçar mais de 5% do total das empresas brasileiras. Considerando-se que é um segmento em franca expansão, como comprova o próprio aporte de recursos estatais no setor, que só fez crescer nos últimos anos, acreditamos que esses dados devem ser hoje ainda mais significativos, sem falar do mercado informal que se relaciona com o segmento.

É de se destacar que, infelizmente, apenas um instrumento contribuiu sobremaneira nos últimos anos para o aumento do investimento estatal na Cultura, e esse instrumento foi a Lei Rouanet, de 1991, mas que só “pegou no breu” nos últimos anos, após ocorrer a profissionalização e consequente formalização de inúmeros profissionais que atuam no setor. Essa lei, que apresenta distorções na sua aplicação, que poderiam ser corrigidas a partir de medidas pontuais, principalmente na sua gestão, recebeu sentença de pena de morte do Ministério da Cultura – MinC, que encaminhou para consulta pública projeto que a revoga.

O processo de consulta pública colocou dois segmentos que deveriam atuar de maneira complementar em posições antagônicas: de um lado fica o mercado cultural, de outro o Ministério da Cultura, e no meio a sociedade, maior interessada, que não sabe exatamente o que está acontecendo. Conseguiu o Governo, com essa proposta, a de propor o fim do modelo previsto pela Lei Rouanet e colocar em seu lugar um novo sistema, chamado de PROFIC, de feições obscuras e pouco animadoras, efeitos mais devastadores para o segmento do que aqueles ocasionados pela crise financeira mundial, devido à enorme insegurança que gerou para os que atuam na área.

Para o setor cultural o projeto chega em momento pouco propício às alterações de um modelo de financiamento que se mostrou fundamental para o desenvolvimento da profissionalização do segmento nos últimos 18 anos; para a sociedade como um todo, o projeto apresenta os perigos de um dirigismo cultural disfarçado, por meio de subterfúgios de técnica jurídica que delegam ao Poder Executivo (leia-se, o próprio Ministro) o poder para definir praticamente todos os pontos importantes do novo modelo de financiamento.

Modelo este, aliás, que promete grandes dificuldades a todos os agentes culturais, já que traz no seu bojo, como pano de fundo da nova lei apresentada, incentivos fiscais menores, mais restritos, critérios obscuros para aprovação de projetos, em suma, traz dificuldades a um setor da economia ainda em formação e, portanto, frágil. Além disso, a grande aposta dos que dirigem o MinC, responsável maior pela apresentação do projeto, é a de que os recursos que hoje são oriundos de renúncia fiscal passem a fazer parte do próprio orçamento do Ministério. O cobertor está curto e, em vez de costurarem um maior, buscando aumentar o orçamento de setor tão importante de nossa economia, preferiram cobrir um santo descobrindo outro.

Cabe então a pergunta: quem ganha com o fim da Lei Rouanet?

Para qualquer agente do segmento cultural, seja um artista, um técnico, uma instituição cultural, o anunciado fim da Lei Rouanet tem sido motivo de apreensão. Representa a troca de um mecanismo que, ainda que necessitando de ajustes, possibilitou a estruturação de verdadeiro, embora incipiente, mercado de trabalho, com todas as benesses que isso traz para o país, por novo sistema que não muda a essência da lei anterior, sendo mero arremedo da atual legislação.

Para a sociedade, composta de cidadãos e cidadãs que assistem ao debate sem entendê-lo direito, a situação não é melhor. É que o fim da Lei Rouanet representará certamente diminuição brutal na oferta cultural, atualmente financiada basicamente pelos incentivos, reduzindo sensivelmente o acesso à cultura. O novo projeto anuncia restrições ao incentivo fiscal e não diz de onde serão tirados os recursos para “compensar” esta perda. O mais provável, tanto do ponto de vista técnico quanto político, é que não haja compensação nenhuma e o prejuízo social seja grande, ocasionando diminuição de emprego e renda.

Note-se que os artistas, especificamente, também perdem, tendo em vista que o projeto estabelece que os direitos autorais sobre os bens produzidos com recursos públicos sejam utilizados gratuitamente pelo Estado. Essa violação à Constituição Federal representa enorme prejuízo para compositores, artistas plásticos, autores, enfim, todos os criadores que dependem da receita dos direitos autorais para sobreviver. Com menos projetos financiados, perdem também os artistas com a redução de empregos no setor.

Analisemos então o impacto do fim da Lei Rouanet sobre as regiões Norte e Nordeste do País, alardeadas pelo MinC como os grandes beneficiários das mudanças propostas. O projeto não apresenta qualquer solução para a falta de financiamento cultural nestas regiões, já que não diz de onde virão os recursos para tanto. É falso o discurso de que vai “tirar dos mais ricos e dar para os mais pobres”. Quando analisamos a distribuição atual dos recursos do Fundo Nacional de Cultura, gerido pelo próprio MinC, notamos que é tão desigual quanto a distribuição dos incentivos fiscais, que estão concentrados no sul e sudeste. Isso aponta para os reflexos das desigualdades do Brasil, e a Lei Rouanet não deve ser considerada a vilã dessa história! É bastante nítido que a solução das regiões mais pobres passa pela canalização de mais recursos para a cultura, e não menos, para onde aponta o projeto do MinC.

Pensemos, por fim, no Governo Federal. O que ganha o Presidente Lula com o fim da Lei Rouanet? No atual cenário de crise em que vivemos o Governo distribui “bondades” a todos os setores, com o objetivo de estimular a atividade econômica. O projeto apresentado pelo MinC vai na contramão deste processo, literalmente. Por óbvio, com impacto negativo na popularidade do Presidente em ano pré-eleitoral.

Se analisarmos bem, por que acabar com uma ferramenta de estímulo bem-sucedida, que canaliza mais de R$ 1 bilhão por ano para a cultura? Ao que parece, ninguém ganha com o fim da Lei Rouanet. Ninguém?! Certamente alguém sai ganhando, mas desconfio que seja apenas aquele que ganhou projeção na mídia com toda essa discussão, o atual Ministro da Cultura.


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Presidente do Instituto Pensarte, professor, advogado formado pela USP, mestre em filosofia do direito e do Estado, autor e ex-editor jurídico da Editora Saraiva.

7Comentários

  • Kátia de Marco, 1 de maio de 2009 @ 16:43 Reply

    Oi Fábio!

    Sintonizo a frequência das minhas preocupações com as suas.

    Não sou advogada, mas me parece problemático que um novo projeto de lei tenha quase metade de seus artigos sujeitos à regulamentação e detalhamentos posteriores. Não temos como negar que o texto genérico e obscuro do projeto da nova lei, em diversos aspectos, gera espaço para uma indesejável autonomia partidária de governo.

    Não vejo a lei Rouanet como um modelo superado, visto o seu reconhecimento junto ao meio jurídico como uma lei bem formulada e fundamnetada, na essência de uma aliança equiparada entre o poder público e o privado.

    Ao meu ver, o tal tripé estrutural – mecenato, FNC e Ficart, caso funcionasse como deveria, poderia chegar perto de dar conta do equilíbrio distributivo tão almejado, obviamente somado a um maior orçamento para a pasta da cultura, o que seria fundamental.

    Muito além da indiscutível e latente necessidade de atualização em diversos aspectos, citados “em prosa e verso” aqui no Cultura e Mercado, percebo que as demandas majoritárias de mudanças na lei Rouanet, como a concentração de recursos, falta de equalização dos acessos e privilégios setoriais descompensados, são advindas muito mais da dificuldade de gestão e de controladoria dos processos empíricos, resultantes nas inúmeras distorções, do que de sua improbidade em si.

  • geraldo maia, 5 de maio de 2009 @ 19:56 Reply

    Que coisa, meu, vc parece que escreve só para idiotas. Fala no lugar de todo mundo, utilkiza supoerlativos para parecer que realmente TODOS serão prejudicados pela degola pura e simples da Lei Rouanet, que deveria ter sido defgolada no nascedouro. TODOS significa menos de 1% dos privilegiados que o senhor representa. Durante a existência da lei quem foi beneficiado? TODOS FORAM? Mentira, e o sehor sabe disso, então porque mente assim tão deslavadamente. Só os seus amigos ganharam com a leite, menos de um por cento é quase nada. Na verdade, fora essa elite que o senhor representa (é o que demonstra no seu discurso super apelativo), uma poeirinha de nada, NINGUÉM mais foi beneficiado pela lei rouanet. Conheço a Lei, fiz vários cursos em torno dela, no tempo do “cultura é um bom negócio”, pobres otários como eu, bom negóciiuo só para a elite da elite cultural que maqma 99% das verbas públicas!, para a cultura. O senhor sabe disso tudo mas aí no seu discurso se faz de cego, finge não saber dessa realidade abjeta sustentada no corpo dessa lei espúria. Como pode alguém como o senhor prestar-se a esse papel de fingir-se de idiota para tentar fazer os demais idiotas. O que está por trás do senhor, é o que interesa. Que poderes formidáveis é capaz de fazer um homem inteligente e astuto dobrar-se vergonhosamente e negar a si próprio em prol de trinta esmolas (polpudíssimas, é certo, mas convenhamos)que a Lei Rouanet oferece aos seus defensores. Essa lei não é nossa, caro senhor, pertende única e tão somente aos capos do mercado cultural (mal) acostumados a mamarem nas têtas do estado desde que o país foi invadido há quinhentos anos atrás. Na realidade essa lei pettence ao lixo de onde nunca deveria ter saído. Nós, que verdadeiramente produzimos cultura nesse país e que somos a maioria, queremos que o estado assuma o seu papel de indutor do desenvolvimento e na área da cultura procure fazer como já vem fazendo em outras áreas: ampliar cada vez mais os recursos para atingir a grande maioria até então excluída e que nunca ouviu falar de uma lei que só tyransita nos superconfortáveis gabinetes dos lobbistas e captdores, uma ínfima e poderosa elite da qual o senhor é um dos maios insígnes representantes.

    Fique com lei, tenha um bom apetite.

    Geraldo Maia Santos – Poeta, escritor e parte integrante da imensa maioria excluída e que continuará excluída cao não seja destruído esse entulho neoliberal que a “viagem” do estado mínimo criou para tirar do estado qualquer responsabilidade para com a cultura e transferindo-a para uma parcela ínfima do setor (a elite da elite) privado, o único que realmente se beneficiou com a Lei Rouanet.

  • Carlos Henrique Machado Freitas, 5 de maio de 2009 @ 21:04 Reply

    Quem ganha com o fim da Lei Rouanet?!
    O povo, sem sombra de duvida.

  • Paulo, 12 de maio de 2009 @ 14:06 Reply

    Texto ruim. Extremamente parcial, mas com uma tentativa de parecer imparcial. Para começar, joga com terrorismo ao anunciar um provável “fim da lei Rouanet”, que dá a entender que o financiamento público à cultura vai simplesmente acabar. Uma lástima. Cultura e Mercado só perde credibilidade com a postura que vem adotando. Aliás, é a mesma postura do eixo Rio-SP, que se mostra reacionário e contraditório.

  • Leonardo Brant, 12 de maio de 2009 @ 17:22 Reply

    A postura do eixo Rio-São Paulo é uma construção do Ministro da Cultura, um discurso fácil para, como Bush, definir os que estão com ele e os que não estão. Não existe esta uninimidade por aqui, nem no Cultura e Mercado, nem no Rio, quem dirá em SP. Essa sua postura de condenar o site por algo que o autor fez por livre e espontânea vontade e responsabilidade é que mostra bem reacionária. Abs, LB

  • Fique por dentro Cultura » Blog Archive » :: CULTURA E MERCADO :: a plataforma brasileira de discussão de …, 13 de maio de 2009 @ 15:44 Reply

    […] ministro da cultura estão a democratização do acesso aos recursos e a … fique por dentro clique aqui. Fonte: […]

  • Andrea M., 16 de maio de 2009 @ 10:49 Reply

    Venho dar meu apoio ao texto de Leonardo Brant e mostrar a extensão de meu asco para com as pessoas que comentaram acima e que parecem confundir Cultura com politização e instrumento de ‘igualdade social’. A Lei Rouanet precisava, sim, da democratização de acesso a artistas menos ou nada privilegiados pela grande mídia, o que não quer dizer que não propiciasse meios de acesso a tal segmento. Infelizmente – como tudo que anda a ocorrer neste Brasil desde a subida ao poder de uma casta nada afeita à arte e conhecimento (a começar pelo próprio presidente da república – sim, com letras minúsculas) e com notória tendência à centralização de tudo e todos sob seu controle – temos agora o próprio setor cultural amarrado à máquina governamental, que decidirá quem terá suas idéias artisticas financiadas ou o quê deverá ser exibido à população enquanto arte. Difícil, senão impossível, acreditar que não será a arte usada como mais um meio de propagação de ideologias de esquerda, como já ocorre no MEC, por exemplo. Lástima, mas o que mais poderia se esperar de totalitaristas e populistas?

    Um aparte final ao senhor Geraldo Maia que acima escreveu: o senhor se diz parte da maioria excluída, mas convenhamos que, para alguém que se diz poeta e escritor, o senhor escreve absurdamente mal, o que talvez justifique sua exclusão mais do que a tal parcialidade da lei como o senhor apregoa.

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