O governo federal propôs recentemente a extinção da Lei Rouanet, o principal mecanismo de financiamento à cultura do Brasil. Entre os argumentos defendidos pelo ministro da cultura estão a democratização do acesso aos recursos e a ampliação do sentido público do investimento. Mas será que a mudança proposta resolve os problemas apontados pelo MinC? Ao aprofundar o estudo do projeto apresentado, a resposta é negativa.
Dados do IBGE referentes ao ano de 2003 apontam que a Cultura emprega cerca de 4% da população economicamente ativa, além de abraçar mais de 5% do total das empresas brasileiras. Considerando-se que é um segmento em franca expansão, como comprova o próprio aporte de recursos estatais no setor, que só fez crescer nos últimos anos, acreditamos que esses dados devem ser hoje ainda mais significativos, sem falar do mercado informal que se relaciona com o segmento.
É de se destacar que, infelizmente, apenas um instrumento contribuiu sobremaneira nos últimos anos para o aumento do investimento estatal na Cultura, e esse instrumento foi a Lei Rouanet, de 1991, mas que só “pegou no breu” nos últimos anos, após ocorrer a profissionalização e consequente formalização de inúmeros profissionais que atuam no setor. Essa lei, que apresenta distorções na sua aplicação, que poderiam ser corrigidas a partir de medidas pontuais, principalmente na sua gestão, recebeu sentença de pena de morte do Ministério da Cultura – MinC, que encaminhou para consulta pública projeto que a revoga.
O processo de consulta pública colocou dois segmentos que deveriam atuar de maneira complementar em posições antagônicas: de um lado fica o mercado cultural, de outro o Ministério da Cultura, e no meio a sociedade, maior interessada, que não sabe exatamente o que está acontecendo. Conseguiu o Governo, com essa proposta, a de propor o fim do modelo previsto pela Lei Rouanet e colocar em seu lugar um novo sistema, chamado de PROFIC, de feições obscuras e pouco animadoras, efeitos mais devastadores para o segmento do que aqueles ocasionados pela crise financeira mundial, devido à enorme insegurança que gerou para os que atuam na área.
Para o setor cultural o projeto chega em momento pouco propício às alterações de um modelo de financiamento que se mostrou fundamental para o desenvolvimento da profissionalização do segmento nos últimos 18 anos; para a sociedade como um todo, o projeto apresenta os perigos de um dirigismo cultural disfarçado, por meio de subterfúgios de técnica jurídica que delegam ao Poder Executivo (leia-se, o próprio Ministro) o poder para definir praticamente todos os pontos importantes do novo modelo de financiamento.
Modelo este, aliás, que promete grandes dificuldades a todos os agentes culturais, já que traz no seu bojo, como pano de fundo da nova lei apresentada, incentivos fiscais menores, mais restritos, critérios obscuros para aprovação de projetos, em suma, traz dificuldades a um setor da economia ainda em formação e, portanto, frágil. Além disso, a grande aposta dos que dirigem o MinC, responsável maior pela apresentação do projeto, é a de que os recursos que hoje são oriundos de renúncia fiscal passem a fazer parte do próprio orçamento do Ministério. O cobertor está curto e, em vez de costurarem um maior, buscando aumentar o orçamento de setor tão importante de nossa economia, preferiram cobrir um santo descobrindo outro.
Cabe então a pergunta: quem ganha com o fim da Lei Rouanet?
Para qualquer agente do segmento cultural, seja um artista, um técnico, uma instituição cultural, o anunciado fim da Lei Rouanet tem sido motivo de apreensão. Representa a troca de um mecanismo que, ainda que necessitando de ajustes, possibilitou a estruturação de verdadeiro, embora incipiente, mercado de trabalho, com todas as benesses que isso traz para o país, por novo sistema que não muda a essência da lei anterior, sendo mero arremedo da atual legislação.
Para a sociedade, composta de cidadãos e cidadãs que assistem ao debate sem entendê-lo direito, a situação não é melhor. É que o fim da Lei Rouanet representará certamente diminuição brutal na oferta cultural, atualmente financiada basicamente pelos incentivos, reduzindo sensivelmente o acesso à cultura. O novo projeto anuncia restrições ao incentivo fiscal e não diz de onde serão tirados os recursos para “compensar” esta perda. O mais provável, tanto do ponto de vista técnico quanto político, é que não haja compensação nenhuma e o prejuízo social seja grande, ocasionando diminuição de emprego e renda.
Note-se que os artistas, especificamente, também perdem, tendo em vista que o projeto estabelece que os direitos autorais sobre os bens produzidos com recursos públicos sejam utilizados gratuitamente pelo Estado. Essa violação à Constituição Federal representa enorme prejuízo para compositores, artistas plásticos, autores, enfim, todos os criadores que dependem da receita dos direitos autorais para sobreviver. Com menos projetos financiados, perdem também os artistas com a redução de empregos no setor.
Analisemos então o impacto do fim da Lei Rouanet sobre as regiões Norte e Nordeste do País, alardeadas pelo MinC como os grandes beneficiários das mudanças propostas. O projeto não apresenta qualquer solução para a falta de financiamento cultural nestas regiões, já que não diz de onde virão os recursos para tanto. É falso o discurso de que vai “tirar dos mais ricos e dar para os mais pobres”. Quando analisamos a distribuição atual dos recursos do Fundo Nacional de Cultura, gerido pelo próprio MinC, notamos que é tão desigual quanto a distribuição dos incentivos fiscais, que estão concentrados no sul e sudeste. Isso aponta para os reflexos das desigualdades do Brasil, e a Lei Rouanet não deve ser considerada a vilã dessa história! É bastante nítido que a solução das regiões mais pobres passa pela canalização de mais recursos para a cultura, e não menos, para onde aponta o projeto do MinC.
Pensemos, por fim, no Governo Federal. O que ganha o Presidente Lula com o fim da Lei Rouanet? No atual cenário de crise em que vivemos o Governo distribui “bondades” a todos os setores, com o objetivo de estimular a atividade econômica. O projeto apresentado pelo MinC vai na contramão deste processo, literalmente. Por óbvio, com impacto negativo na popularidade do Presidente em ano pré-eleitoral.
Se analisarmos bem, por que acabar com uma ferramenta de estímulo bem-sucedida, que canaliza mais de R$ 1 bilhão por ano para a cultura? Ao que parece, ninguém ganha com o fim da Lei Rouanet. Ninguém?! Certamente alguém sai ganhando, mas desconfio que seja apenas aquele que ganhou projeção na mídia com toda essa discussão, o atual Ministro da Cultura.
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