A cultura obteve recursos públicos através de renúncia fiscal há 25 anos. A Lei Rouanet tem só 14 anos. A luta pelo dinheiro do orçamento é dura. E legítima. Há campeões, vencedores e principiantes.

1) O Banco Central é campeão. Gasta em media R$ 150 bilhões por ano com juros, sem pedir autorização para ninguém; nem Congresso, nem orçamento, nem ninguém. É independente, soberano e absoluto. Hexacampeão.

2) Depois, temos as receitas vinculadas, como educação e saúde. A educação tem que gastar 25% das receitas de impostos. É bom dinheiro. Existe há cinquenta anos. O governo é obrigado a gastar ou sofre punições importantes, que podem chegar ao impeachment a nível municipal. É um vencedor; mas, às vezes, perde. Como perdeu com a desvinculação de recursos orçamentários desde 1994 até hoje.

3) Em terceiro lugar, os incentivos fiscais que isentam regiões ou produtos de impostos. O Brasil usa incentivos fiscais para as regiões mais pobres do pais há mais de cinquenta anos. Gastamos R$ 100 bilhões com incentivos. Outro vencedor, politicamente forte, bem articulado.

4) Em quarto lugar, vêm as renúncias fiscais. O contribuinte deve 100 de impostos ao governo. A lei permite que o contribuinte, em vez de pagar , gaste diretamente parte do imposto devido em cultura. É bom também.

Mas as renúncias fiscais podem ser dificultadas por exigências burocráticas da Receita Federal.

Em termos de privilégios orçamentários, isto é, garantia de que os recursos serão gastos, em anos de fartura ou de crise, a melhor situação é a do Banco Central. Depois, vêm as receitas vinculadas, como na educação. Em último lugar vem a renúncia fiscal.

A cultura obteve recursos públicos através de renúncia fiscal há 25 anos. A Lei Rouanet tem só 14 anos.

A atividade cultural conseguiu abrir esta brecha — R$ 1 bilhão — com uma condição, de que os gastos fossem decididos pelas empresas com a aprovação do Ministério da Cultura, que avalia preços dos projetos e se os projetos precisam de apoio.

Se forem projetos comerciais ou com ingressos caros, a renúncia fiscal não pode ser utilizada. É uma pequena e recente vitória — igual a 1% dos incentivos fiscais em geral, a 1/300 avos do que se gasta com educação e 1/150 do que se gasta com juros. Conseguimos.

Mas é pouco.

As empresas não deveriam ser as únicas com poder de decidir sobre gastos na cultura. O governo também deveria decidir. Assim como a Sociedade de Cultura Artística, a Osesp, os Amigos da Pinacoteca, sindicatos, ONGs e muitos outros.

A proposta de mudança da Lei Rouanet pretende aumentar a participação do governo nas decisões, para apoiar atividades artísticas que as empresas não apoiariam — cultura popular, grupos amadores, arte erudita, regiões pobres do pais. É justo.

Mas pretende aumentar a sua participação às custas da renúncia fiscal que as empresas podem utilizar. Isto é, propõem aumentar seu poder de decisão sobre a cultura em detrimento dos recursos sobre os quais as empresas decidem. É ingênuo. E a proposta de reforma é apresentada neste ano de crise, quando o FMI, Banco Mundial e até os economistas pro põem aumento de gastos.

É inoportuna.

Ao ministro da Cultura cabe pedir mais dinheiro para cultura, ponto. Não em detrimento de outros recursos destinados à cultura.

Ao ministro da Fazenda, cabe dizer não.

Ao Congresso que aprova o orçamento, cabe decidir.

O ministro da Cultura deveria aspirar à presidência do Banco Central; ou ao Ministério da Educação. Se não conseguir, pedir mais recursos para consolidar a pequena vitória que a cultura conseguiu. Se o ministro da Cultura se preocupa com coisas da Fazenda, quem se preocupará com as coisas da Cultura?

* João Sayad é secretário da Cultura do Estado de São Paulo.


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João Sayad é economista e Secretário de Cultura do Estado da SP.

6Comentários

  • tipuri, 29 de abril de 2009 @ 13:51 Reply

    bravo!

  • Fique por dentro Cultura » Blog Archive » :: CULTURA E MERCADO :: a plataforma brasileira de discussão de …, 2 de maio de 2009 @ 18:45 Reply

    […] da Cultura, que avalia preços dos projetos e se os projetos precisam de … fique por dentro clique aqui. Fonte: […]

  • Jam, 5 de maio de 2009 @ 13:31 Reply

    Mistificação!
    Acho que o Estado deve avançar nos recursos das empresas, sim, (senão em todo, na maior parte), e alocá-los para os setores que efetivamente demandam por eles,e são inúmeros como todos sabem, ou deveriam saber… tudo através de meios democráticos de controle. É justo. É pertinente. É oportuno!

  • lucas, 7 de maio de 2009 @ 16:20 Reply

    credoooo…!!

  • Dulce Nunes, 22 de junho de 2009 @ 20:46 Reply

    Acho tudo muito coerente e justo, da maneira como foi colocado pelo Sr João.
    A Cultura não tem merecido respeito por parte do Governo. Uma lástima, um desperdício de energia geradora de recursos para o desenvolvimento da nação.
    O Banco Central, o Planejamento, seja lá quem for que decida quanto se destina para a Cultura, deveria ampliar os recursos do MINC para que ele possa fazer o circo que achar melhor na intenção sua intenção de dar voz ao artista brasileiro. Agora se a intenção é “gerenciar” mais grana com fins eleitoreiros….
    Quanto ao item 4, em que o sr joão se refere à renuncia fiscal, minha idéia para contribuir com o debate é a seguinte= democratizar a distribuição dos recursos para a cultura fazendo escalonamento= emprezas grandes podem deduzir da forma como está sendo feita. Empresas menores poderia deduzir mais= 150%, 200% do imposto devido. Claro que sem ultrapassar o teto geral da renuncia que segundo ouvi dizer, não conseguiu até agora ser utilizado na sua totalidade, ou seja, sobra. E sobra porquê? Na minha opinião sobra por falta de informação dos mecanismos engessados na buracracia, complex/da lei
    Uma empresa de pequeno porte do interiorzão do país vai poder patrocinar a banda de musica de sua cidade, uma orquestra de crianças, uma apresentação de balé, a edição de um livro, uma exposição de artes plasticas ou oficina de artezanato… Esta pequena empresa vai fazer sua parte no apoio à cultura, vai se sentir inserida, fazendo parte do jogo. Que hoje é dá voz às grandes emprezas e aos grande nomes das comunicação de massa.

  • tito, 16 de julho de 2009 @ 12:27 Reply

    Ele Disse: “Se o ministro da Cultura se preocupa com coisas da Fazenda, quem se preocupará com as coisas da Cultura?”

    Interessante ouvir isso justamente do Sayad, ele foi ministro do planejamento (SARNEY) é economista e assumiu a secretaria de Cultura de São Paulo mais na verdade queria outra pasta né?. Ele acha que todo mundo é como ele, só faz cultura se não tiver outra coisa pra fazer.

    Sayad está muito bem representado na mini série global Som e Fúria, e ver pra crer.

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