Empresa da Prefeitura do Rio de Janeiro, a RioFilme é hoje o segundo maior investidor em audiovisual do Brasil, atrás apenas do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), e fez da cidade a que mais investe no setor no país. O orçamento, que em 2008 era de R$ 1,1 milhão, passou para R$ 43 milhões em 2013. A receita passou de R$ 1,4 milhão (2008) para R$ 11,7 milhões (2013). Em 2008 foram 22 projetos; em 2013, 378.

Foto: RioFilmeE não para por aí: em 2008 foram lançados sete filmes, com 18,6 mil espectadores; em 2013 foram 21 filmes e público de 19,6 milhões de pessoas. Os lançamentos equivalem a 16,5% dos filmes brasileiros em 2013 e tiveram 70,3% do público do cinema nacional.

Para 2014, o investimento previsto é de R$ 44,5 milhões, sendo: R$ 22,1 milhões em cinema, R$ 12,3 milhões em TV, R$ 1,5 milhão em mídias digitais, R$ 6,6 milhões em eventos setoriais, R$ 1,5 milhão em capacitação e R$ 500 mil na Rede CineCarioca. Além disso, há previsão de investimento de R$ 6,3 milhões via ISS. A previsão de receita é de R$ 12 milhões.

Na última semana, durante o RioContentMarket, foram anunciadas as novas linhas de investimento da empresa. Entre elas está uma de investimento automático em desenvolvimento de longas (R$ 1 milhão) e outra, também de investimento automático, de desenvolvimento de conteúdos para a TV (R$ 1,5 milhão). Nessas linhas não há comissão de seleção ou análise de roteiro. Os projetos são apoiados de acordo com seu desempenho comercial.

Produtoras cariocas e distribuidoras nacionais de longas de produtoras cariocas serão beneficiadas pela linha de investimento reembolsável automático, que terá recursos de R$ 12 milhões. Filmes com mais de 300 mil ingressos vendidos em 2013 terão créditos (cada ingresso vendido gera um crédito para produtor e distribuidor). Dez produtoras estão nessa linha: Migdal Produções, Morena/Atitude, Frahia Produções, Canto Claro, Filmes do Equador, De Felippes Filmes, RT2A, Conspiração, Total e Sincrocine. E quatro distribuidoras: Paris Fimes, Downtown, Imagem Filmes e Europa Filmes.

Já produtores que tenham contrato com canais de TV também serão beneficiados pela linha de investimento reembolsável automático em TV, com recursos de R$ 10 milhões. Para cada R$ 1 investido pelo canal, a RioFime investe mais R$ 1. Essa linha atua por fluxo contínuo (ordem de chegada).

Há ainda uma linha de investimento em desenvolvimento de coproduções para a TV com o Canadá (R$ 300 mil), em parceria com o Canada Media Fund, e a mais comentada nos últimos dias, em parceria com o YouTube, que é a que vai destinar R$ 1,5 milhões para a produção de conteúdos de mídias digitais.

Foram anunciados ainda um acordo regional com o Fundo Setorial do Audiovisual, para que a RioFilme seja um agente local, uma parceria com o Sebrae e a ESPM para cursos de capacitação (com duração de três anos e previsão de atender 1,5 mil alunos) e um acordo com a Universidade de Columbia, em Nova York, para oferecer no Brasil o curso TV Writing Intensive para duas turmas de 30 alunos.

Para os editais, que serão publicados a partir de 14 de abril, serão destinados ao todo R$ 10,3 milhões, sendo R$ 1,5 milhão para o desenvolvimento de longas, R$ 2 milhões para desenvolvimento de TV, R$ 4 milhões para a produção e finalização de longas, R$ 1 milhão para a produção de curtas, além daqueles em parceria com o YouTube e o Canada Media Fund.

Em entrevista exclusiva ao Cultura e Mercado, o diretor-presidente da RioFilme, Sérgio Sá Leitão, fala sobre o processo de crescimento da empresa, as parcerias para formação profissional, a importância do investimento automático e dos editais e a diversificação de gêneros apoiados no cinema.

Cultura e Mercado – A RioFilme é hoje o segundo maior investidor em audiovisual do Brasil. Isso é resultado de um processo de revitalização que começou em 2009. Quais momentos você considera que foram fundamentais para chegar nesse patamar?
Sérgio Sá Leitão – Apresentei o projeto de revitalização da RioFilme ao prefeito Eduardo Paes logo no início da gestão. Ele abraçou a ideia. Foi de fato uma mudança radical. Mudamos boa parte da equipe, o posicionamento, a maneira de trabalhar. A RioFilme deixou de ser uma distribuidora estatal e passou a ser uma investidora no desenvolvimento do audiovisual carioca, levando em conta o conjunto da atividade. Implantamos o investimento reembolsável e o processo automático. Aos poucos, o setor entendeu o projeto e o abraçou também. A Prefeitura elevou os repasses, a RioFilme começou a ter receitas expressivas… E assim foi possível estabelecer um ciclo virtuoso. Acho que o projeto está consolidado. E os resultados são expressivos.

CeM – Em 2013 São Paulo criou a SPCine, com base no modelo da RioFilme. Quais foram e quais são as fontes nas quais a RioFilme bebe para desenvolver seus modelos de atuação?
SSL – A ambição era fazer da RioFilme uma espécie de BNDES do audiovisual carioca. Considerando, claro, que a RioFilme não é um banco e não pode realizar operações de crédito. Mas pode e deve fazer operações de investimento. Ter e reinvestir receitas. E focar em resultados, performance, mérito. Tratar o audiovisual sobretudo como atividade econômica, que gera renda, emprego e desenvolvimento. Sem esquecer, naturalmente, a dimensão cultural. Minha experiência no BNDES foi fundamental. Procurei também aproveitar experiências de outros países, como as da Ontario Media Development Corporation, do British Film Institute e do Korean Film Council. Estou torcendo para o sucesso da SPCine. Será bom para todos.

CeM – Como é formada a equipe da RioFilme?
SSL – A equipe foi reformulada. Buscamos quadros qualificados dentro e fora da Prefeitura, de acordo com o perfil das funções. Procuramos trazer pessoas motivadas, com experiência em audiovisual e também no mercado financeiro. E passamos a buscar profissionais jovens, recém-formados, com vontade de crescer. Um aspecto vital foi o reforço do jurídico, que saltou de um para três advogados. Também houve uma reestruturação organizacional. Hoje a empresa está funcionando bem, com um nível elevado de eficiência e de eficácia. Fazemos mais e melhor com uma equipe menor. E a RioFilme passou a formar profissionais para o mercado. Muitos dos jovens que ajudamos a formar estão hoje em empresas médias e grandes, ou em consultorias.

CeM – O que está previsto como ação de formação profissional para 2014?
SSL –
Vamos aprofundar a parceria com o SENAI, ampliando a oferta de cursos técnicos. Estamos desenvolvendo em parceria com o SEBRAE, a ESPM e a University of Southern California um programa de três anos incluindo diversas ações, como cursos, oficinas e publicações, com professores do Brasil e do exterior. Vamos lançar diversos cursos com a Columbia University. O primeiro (de roteiro para TV) foi um sucesso. Temos também projetos de formação e capacitação com a ABPITV, o Conservatório Europeu de Escrita Audiovisual e o YouTube, entre outros. A ideia é contribuir para uma formação mais adequada dos nossos profissionais.

CeM – A parceria com o YouTube foi uma proposta feita pela RioFilme, ou veio de lá? Parcerias internacionais, não só para o cinema, têm sido mais fáceis nos últimos anos?
SSL –
Procuramos o YouTube para ver a possibilidade de um projeto em parceria. A conversa evoluiu para o que estamos lançando agora: um edital de projetos de séries para mídias digitais. O YouTube vai entrar com a parte da capacitação, para cerca de 600 pessoas envolvidas. Temos outro projeto interessante em parceria: um edital de desenvolvimento de coproduções internacionais com o Canada Media Fund. O audiovisual se globalizou e há oportunidades atraentes em todos os lugares. É preciso focar na disputa do mercado interno. Mas não podemos esquecer o mercado externo. Essas parcerias são boas para adquirir know-how.

CeM – O investimento automático é um sistema que se baseia no desempenho comercial das produtoras de cinema e incentiva o investimento privado na TV, em uma área – cultural – muito acostumada com o modelo de projetos para editais. Há um movimento no sentido de dar mais espaço a esse tipo de mecanismo?
SSL – Desde o início procuramos um equilíbrio entre o investimento reembolsável, que visa o desempenho econômico, e o investimento não-reembolsável, mais adequado à busca de resultados artísticos e culturais. Aos poucos, vimos que a melhor maneira de fazer o investimento reembolsável é por meio de processos automáticos. Mas também procuramos qualificar o processo seletivo do investimento não-reembolsável. Acho que hoje o equilíbrio foi atingido. Ampliamos e diversificamos o alcance da RioFilme e o impacto no setor, com resultados cada vez mais relevantes, tanto em termos econômicos quanto em termos criativos. Estabelecemos paradigmas que estão sendo adotados por outras instituições.

CeM – Você acha possível ter um sistema de editais que ajude os produtores a desenvolverem seus projetos além do modelo “fechado” de inscrição?
SSL – É preciso tomar muito cuidado. Temos de evitar o paternalismo e o dirigismo. O setor audiovisual brasileiro está crescendo e se capacitando. Ele tem de ser o sujeito do seu próprio desenvolvimento, não o poder público. Nossa função é estimular e criar oportunidades. Não acho que devemos dar o peixe e nem mesmo ensinar a pescar. Devemos contribuir para que as pessoas aprendam a pescar por conta própria, e definam como e o que querem pescar. Por isso, criamos o nosso programa de formação e capacitação, em paralelo aos demais programas. As ações da RioFilme foram concebidas para serem complementares.

CeM – A RioFilme tem investido em muitos filmes de sucesso comercial e acaba de informar que seu próximo foco será o gênero Ação, numa estratégia que segue uma linha que é característica da sua gestão: visão de mercado. Isso causou certo desconforto entre alguns estudiosos e produtores de cinema. Há quem diga que vai contra uma necessidade de levar ao público o que ele ainda não sabe que quer ver. De que maneira você acha que é possível unir estratégia de mercado e compromisso com a produção que ainda não chegou ao grande público?
SSL – Realizamos com o Datafolha e a consultoria J.Leiva uma pesquisa sobre os hábitos culturais dos cariocas. Esta pesquisa apontou uma assimetria entre o perfil da oferta de filmes brasileiros e o interesse do público, considerando os gêneros dos filmes. Se o cinema brasileiro quer ampliar sua fatia de mercado, se quer competir com o cinema estrangeiro em seu mercado primário, então é necessário diversificar a oferta por gêneros. Há dramas e documentários demais e filmes de ação, de aventura, de romance, de terror e animações de menos na oferta de filmes brasileiros. Vamos estimular uma diversificação maior de gêneros, visando a disputa do mercado e a satisfação do interesse do público, que, afinal, é quem paga a conta. Mas sem esquecer, claro, que o público também quer o inesperado, a surpresa, a novidade.

 


Jornalista, foi diretora de conteúdo e editora do Cultura e Mercado de 2011 a 2016.

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