A recente apresentação do Secretário Municipal de Cultura e presidente da RioFilme, Sergio Sá Leitão, e seu diretor comercial, Adrien Muselet, na Federação das Indústria do Rio de Janeiro (Firjan) transformou-se num grande frisson nas redes sociais quanto a uma possível mudança de rumos do cinema brasileiro, diante da publicação da pesquisa feita pela empresa de consultoria JLeiva Cultura e Esporte, “Cinema: o que os cariocas querem ver”.

Essa pesquisa irá contribuir com o possível redirecionamento das ações de investimento público dentro das políticas de incentivo à produção cinematográfica no Rio de Janeiro, pela RioFilme, que nos últimos anos tem capitalizado o setor industrial do audiovisual com amplos recursos para a cinematografia nacional, especialmente para os filmes feitos no território carioca com dinheiro estadual.

A tese que os interlocutores governamentais da RioFilme defendem a partir dessa pesquisa é de que os realizadores de cinema brasileiros fazem seus respectivos filmes como gostariam que fossem, especialmente no gênero cinematográfico que lhes convêm, ao invés de atender ao desejo latente do grande público espectador que busca outros gêneros que não são constantemente atendidos.

A pesquisa foi feita com 1.501 moradores da capital fluminense, a partir de 12 anos, de todos os níveis econômicos, em todas as regiões da cidade, durante os meses de agosto, setembro e outubro de 2013. Na média percentual dos entrevistados, 45% preferiam ver filmes de ação, 42% comédia, 25% romance, 15% terror, 13% policial, 9% drama, 7% animação, 6% ficção científica, 6% religioso, 6% documentário, 5% histórico, 5% guerra, 2% arte, 1% western e 1% musical.

Contudo, foram lançados nos cinemas cariocas 294 filmes entre 2011 e 2013: 119 do gênero drama, 100 documentários, 45 comédias, 13 animações, 11 de ação, 4 de terror e 2 romances. Assim, desperta a questão de que a produção cinematográfica nacional está na contramão dos interesses do público carioca.

Alguns pontos a serem analisados: primeiro, que a amostragem se refere a um público pesquisado de cariocas e, dessa forma, não representa as diferenças regionais e territoriais que compõem a sociedade brasileira. Por isso, como primeira avaliação, seria melhor que se fizesse uma pesquisa semelhante e com uma amostragem bem mais ampla para avaliar os diferentes perfis do público espectador das salas de cinema por todo o território nacional. Segundo, que a pesquisa acontecesse constantemente durante todo o ano anterior, para perceber as variações de intenções, tal como são feitas em períodos eleitorais ou de governo. Isso significa que, com uma saturação de filmes de um gênero numa devida época, poderá haver o interesse por outros e diferentes gêneros que outrora não eram desejados. E terceiro, que os realizadores brasileiros são muito diferentes entre si e criativos para com seus projetos, mas sentem imensa dificuldade de alavancar todos os que almejam fazer. Assim, dos cerca de 300 filmes nacionais lançados entre 2011 a 2013, muitos outros não foram feitos por problemas técnicos ou financeiros e, dentre esses projetos, muitos, com certeza, estão direcionados para o gosto do grande público, pois os realizadores são oriundos dessa massa populacional. Contudo, principalmente, entre os jovens realizadores, falta a expertise e capacidade empreendedora de conseguir recursos para seus projetos fora da lógica dos editais e leis de incentivo e atrair investidores, sejam eles pequenos, médio ou grandes.

Esses realizadores encontram em dois respectivos gêneros, o documentário e o drama, a solução econômica e estética para trilhar o mercado audiovisual. Porque nesses gêneros possuem uma redução de custos operacionais na produção, com equipes técnicas pequenas, pequeno elenco, poucas locações, diferente dos gêneros solicitados e alertados a partir da pesquisa supracitada, que requerem uma grande equipe técnica, normalmente com duas ou mais três unidades de filmagem, grupo de dublês, muitos figurantes, gastos com locações e deslocamentos, pós-produção cara, etc.

Tanto Sá Leitão e Muselet defendem um novo direcionamento dentro da RioFilme, buscando valorizar a diversidade e o equilíbrio entre os gêneros, já que nos últimos três anos a empresa incentivou as comédias cariocas, com atores reconhecidos e com uma dramaturgia bem simples e superficial. Muitos distribuidores viram seus cofres se encherem diante da supremacia da comédia besteirol, que já vem mostrando sinais de descontentamento do público carioca e, possivelmente, brasileiro.

No primeiro momento, esse redirecionamento dos investimentos, dentro da ótica da diversificação e do equilíbrio dos gêneros, se torna um apoio direto aos projetos de filmes de ação, como sinalização ao mercado desse novo interesse. O mercado irá ouvir com ouvidos bem abertos a nova cantoria da RioFilme e se adaptará facilmente nos próximos meses. A comissão de editais da empresa já está ciente da nova mudança e irá criar instrumentos de avaliação dos projetos que serão apresentados. As produtoras provavelmente retomarão seus antigos argumentos de filmes de ação e buscarão viabilizar as suas realizações. Mas o que se espera no próximo ano é o retorno de audiências para filmes de ação, como aconteceu em 2007 e 2010 com o fenômeno Tropa de Elite 1 e 2, de José Padilha.

Assim, qual será o novo action-movie carioca? Sá Leitão e Muselet acreditam que, se o cinema nacional encarar essa frente de produção de filmes de gênero de ação, talvez consiga aproveitar e aumentar seu marketshare no território nacional, que oscila nestes últimos anos entre 15% a 18%, e atingir o patamar acima de 1/5 do mercado nacional, assim como incrementar as possibilidades de exportação dos filmes brasileiros para outros mercados, tal como aconteceram com Cidade de Deus (2003), de Fernando Meirelles, Carandiru (2004) de Hector Babenco e os dois Tropa de Elite, de José Padilha.

Em suma, não custa sonhar, mas custa incentivar. O incentivo para os filmes de ação é um capítulo à parte, especialmente no caso brasileiro. Como já foi dito, são filmes onerosos e trabalhosos. Os gestores da RioFilme acreditam que a realização de parcerias com países que tradicionalmente produzem com extrema competência filmes de gênero de ação, como os Estados Unidos e a Coreia do Sul, pode ser a solução em curto e médio prazo.

Isso nos leva à preocupação: iremos fazer filmes de ação, como continuações semelhantes aos dois filmes Tropa de Elite, ou seja, filmes de ação policiais cariocas, ou teremos uma safra diferenciada de filmes de ação, cujas referências ultrapassem o imaginário popular e seja criada uma estética de gênero próprio e com várias facetas?

O risco que se corre com este tipo de política pública é uma corrida pelo ouro, onde todos irão lutar para conseguir viabilizar seus projetos repetindo o mesmo modelo de sucesso (comumente chamado de filme-favela), onde os estereótipos são alimentados e poucos avaliados, onde os bandidos estão no morro ou na periferia e o herói invade com o seu selo de dever a cumprir, mesmo que isso custe vidas inocentes.

Existem muitos tipos de filmes de ação além de representar a barbárie cotidiana que os cidadãos mais humildes e infelizes sofrem diariamente, ainda mais que são esses em sua maioria pertencentes às classes C, D e E, que estão ascendendo econômica e socialmente e que têm seus jovens filhos ávidos para assistir os filmes com o seu grupo de amigos nas salas de cinema multiplex, mas que são impedidos de entrarem nos shoppings da cidade por estarem fazendo seu “rolêzinho” e serem confundidos com assaltantes perigosos para a ordem pública burguesa carioca. Aí, vai virar caso de polícia. Neste caso, será a vida que imita o cinema ou é o cinema que imita a vida?


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Distribuidor, realizador, professor e crítico de cinema. Criador da Revista Quem Viver Verá!, presidente da Associação Brasiliense de Cinema e Vídeo - Seção do Distrito Federal da ABD Nacional e Secretário-Geral do Congresso Brasileiro de Cinema.

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