O navegante do Cultura e Mercado pode constatar que nas minhas parcas colaborações para este portal até o momento – duas, para ser exato – tenho me limitado a narrar as peripécias do fazer cultural no Sul, na linha limítrofe entre a generosa nação brasileira e os hermanos platinos.
Neste breve texto, abordo três temas diferentes que levam à constatação de que o nosso segmento segue vítima de desrespeito e agressões constantes, obra de aprendizes e burocratas presunçosos. Por isso, comungo da crença de que seguimos como saco de pancadas, em que pese nossa importância no PIB econômico e simbólico etcetera e tal.
Começo narrando um episódio local para ilustrar a tese. Desde 2001, o Rio Grande dispõe de um mecanismo de apoio direto, o FAC – Fundo de Apoio à Cultura, que hibernava desde sua criação porque nenhum dos Governantes aportou um centavo sequer para o cumprimento de seus objetivos. Com a chegada da Ex-Governadora Yeda Crusius em 2007, os gestores públicos da cultura passaram a exercer forte pressão sobre os produtores culturais para que estes devolvessem recursos supostamente mal aplicados em seus projetos. Em resumo, extorsão. O dinheiro assim havido passou a irrigar o FAC, que foi entregue ao atual Governo Tarso Genro com 1 milhão em caixa. Sob trombetas, se abriu o primeiro Edital, destinado a pessoas físicas e jurídicas que quisessem disputar a incrível quantia de R$ 30 mil por projeto. Dezenas acorreram ao chamado. Foram contemplados 30 projetos de 18 pessoas físicas e 12 de jurídicas. No momento de pagar, interveio a CAGE – Controladoria Geral do Estado e determinou a incidência de 27,5 % de Imposto de Renda sobre o valor total dos projetos apresentados por pessoas físicas!
Em que pese todos os argumentos jurídicos, especialmente a constatação de que recursos incentivados de projetos culturais não pertencem ao patrimônio do Proponente, não se constituindo, portanto, em rendimento, a SEDAC – Secretaria de Estado da Cultura seguiu adiante: consultou a Receita Federal. Não é preciso ser adivinho para saber o resultado: a Receita, tão ciosa de seus deveres, não só ratificou o Parecer como se prepara para atacar os demais fundos e mecanismos de apoio direto que acolhem os sofridos artistas brasileiros, exatamente os peixes pequenos que se apresentam como pessoas físicas para exercer o ofício! Esta é a situação presente e a SEDAC jogou a toalha. Os próximos Editais do FAC mencionarão valores líquidos, já reservado o quinhão das burras federais.
A mesma Receita Federal, sob novas trombetas, veio à imprensa nos últimos dias para anunciar as regras do IR – Imposto de Renda das Pessoas Físicas na virada 2011/12. Garantida pela absurda competência que a faz legislar ao bel prazer, anunciou que os doadores de recursos aos Fundos da Criança e do Adolescente poderão usar o prazo limite da entrega das declarações, 30 de abril, para efetivarem seus aportes. Sabemos todos que os maiores pagadores de IR são exatamente as pessoas físicas, que só podiam fazer suas aplicações até 31 de dezembro do ano base, o que deprimia os investimentos. Felizes pelas crianças e adolescentes, perguntamos: e a Lei Rouanet? E a Lei do Audiovisual? Por que a discriminação?
Vem também do Governo Federal a última notícia que comprova a nossa tese: seguimos apanhando como ladrões persas, isso quando não nos cortam os braços. Depois do enorme alarde da mídia, que acabou derrubando o Ministro do Esporte, o Governo Dilma promoveu devassa nos convênios entre as ONGs – Organizações Não Governamentais, atual sinônimo da máfia no Brasil, e o Poder Público. Dos 1403 convenios avaliados pela CGU – Controladoria Geral da União, 181 foram cancelados, o que representa 12,9% (doze ponto nove) do universo pesquisado! Mais 305 tiveram restrições e poderão ser regularizados após a prestação de contas. Perguntamos: onde estão os ladrões? Quem paga os prejuízos dos convênios abortados e o dano moral da imagem derrubada ao rés do chão? Além de não encontrar as armas químicas, o Governo se limitou a publicar dois decretos transformando as ONGs em suspeitas até prova em contrário.
Até quando, senhores? Até quando ouviremos dos gestores instalados na Esplanada ou nos gabinetes estaduais, os mesmos que partilhavam da planície conosco até pouco tempo atrás, que nada podem fazer? Até quando o cidadão investido de função pública vai morrer de medo de cair nas malhas dos famigerados “órgãos de controle”, as CAGEs, CGUs e TCUs da vida, e nos entregar aos leões para salvar a pele? Até quando a mídia marrom vai mandar no país?
Enquanto isso, os que escolheram a cultura como meio de vida e precisam a cada mês manter o emprego do enorme contingente que vive deste meio, lutam dia a dia para sobreviver, imersos na insegurança jurídica e no mar de lama criado pelos aprendizes e burocratas de plantão. Como se diz aqui no Sul, o que nos conforta é que não está morto quem peleia.