Propostas nos programas de cultura ajudam na decisão; Lula, Ciro e Garotinho citam alternativas para o investimento privado, Serra quer estimulá-loPor Deborah Rocha
Atual cenário
O atual cenário da política de patrocínio no Brasil é este: de 1996 a 2001, foram investidos no país, via leis de incentivo fiscal, como Rouanet e do Audiovisual, R$ 1,7 bilhão em ações culturais. Este valor contabiliza 69% de investimento privado em cultura em oposição aos 31% vindos da Orçamento da União. No total (somando-se Lei Rouanet e do Audiovisual), o investimento de pessoas físicas em cultura é de 0,83%, enquanto que o de pessoas jurídicas é de 99%. Dentre as dez maiores empresas investidoras em leis federais de incentivo à cultura no ano de 2001 estão, Petrobras ? Petróleo Brasileiro S/A, Petrobras Distribuidora S/A, Eletrobrás, Banco do Estado de Minas Gerais, Cia Brasileira de Distribuição, BNDES, Brasil Telecom, Petrobrás Química S/A, Souza Cruz S/A e Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. A distribuição geográfica dos investimentos realizados pelas leis federais de incentivo à cultura é de 85% destinados à região sudeste, 7% à região Sul, 4% ao nordeste, 3% ao centro-oeste, e 0,3% à região norte do estado.
Especificidades no voto
Diante destes dados e do dia 6 de outubro cada vez mais próximo ? com possibilidade, inclusive, de decisão no primeiro turno ? o eleitor, que nesta altura já deve estar bastante seguro de sua escolha para os futuros quatro anos de governo, pode vir a ter questões mais específicas com relação aos programas de cultura dos candidatos à presidência. Empresários, consultores de marketing cultural, produtores, artistas, gerentes de comunicação, etc, e todos os que, de alguma forma, estão envolvidos com os mecanismos de investimento privado em cultura, talvez já tenham perguntado, por exemplo: Como serei afetado ou beneficiado pelo futuro presidente? Como os candidatos veêm a questão da política de patrocínio? Segundo eles, a função de fomentar e difundir a cultura é do Estado ou da iniciativa privada? Questões importantes que, inseridas num contexto maior, podem fazer a diferença na hora do voto.
Ciro ? comunicação e revisão profunda
Sob análise, as propostas dos futuros gestores do país oferecem subsídios ? por enquanto, apenas no plano teórico – para que algumas das respostas tomem direções mais concretas. O programa de cultura de Ciro Gomes (PPS), candidato que está em último lugar nas pesquisas de intenção de voto (em média, 10%, segundo Datafolha de hoje, 3 de outubro), estabelece que a promoção de um conjunto de práticas construtivas que favoreçam uma comunicação recíproca é a diretriz de sua política de cultura. Para o PPS é urgente uma revisão profunda dos modelos tradicionais que proporcione a reinvenção e proteção do mercado cultural interno e o estímulo à produção de conteúdo brasileiro.
Limite e FNC
No que tange ao investimento privado em cultura, Ciro Gomes propõe, através da democratização da Lei Rouanet, que investimentos feitos por empresas privadas limitem-se a um percentual do total do valor anual autorizado a título de incentivo fiscal à cultura. O percentual restante deverá ser, obrigatoriamente, aplicado no FNC (Fundo Nacional de Cultura), que deverá ter suas fontes de financiamento redefinidas. Hoje, os recursos do FNC representam cerca de 10% do total de incentivos e não teêm o devido apoio do Estado pois, segundo o PPS, não são importantes do ponto de vista mercadológico.
Local x global
De acordo com o partido, as linhas de crédito do financiamento ao mercado cultural deverá ser, ora através de bancos públicos como o BNDES, ora em parceria com instituições financeiras privadas, para projetos culturais, públicos ou privados, auto-sustentáveis. Além disso, seu programa de cultura estabelece a criação de mecanismos capazes de viabilizar a participação da pessoa física no financiamento da cultura nacional para valorizar o local perante o global. Outra medida é a criação de legislação e condições operacionais adequadas para que acervos privados possam ser doados a entidades públicas ou se transformem em instituições comunitárias sem fins lucrativos.
Garotinho ? O dever é do Estado
Anthony Garotinho (PSB), terceiro colocado nas pesquisas de intenção de voto (com 15% dos votos válidos, segundo mesma pesquisa Datafolha), parte do pressuposto de que política cultural é questão de Estado, o que não significa que o Estado deva ser o único promotor das iniciativas que deverão ocorrer nas diversas frentes culturais. Segundo o seu programa de cultura, a parceria com a iniciativa privada é necessária, mas insuficiente para suprir as carências, principalmente nas áreas ainda precariamente inseridas no circuito comercial, levando em conta que o objetivo primeiro das empresas privadas não é a promoção do bem público e sim a maximização de seus lucros, seguindo a lógica do mercado.
Política cultural socialista
O PSB defende, além disso, a implementação de uma política cultural socialista, pautada na ampliação do orçamento direto do Ministério da Cultura, na elevação para 10% da atual percentagem de 3% dos recursos destinados à área cultural pelo sistema lotérico e no estabelecimento de um teto diferenciado de renúncia fiscal para projetos a serem implantados fora do eixo Rio de Janeiro/São Paulo, metrópoles que concentram mais de 60% dos investimentos nesta área, originados principalmente da aplicação das leis de incentivo nas esferas municipal, estadual e federal.
Despolarização
De maneira geral, para o PSB, a polarização do debate sobre política cultural em torno da análise das vantagens e desvantagens para o Estado e o mercado – de um lado a mercantilização do produto cultural e de outro a ineficiência das agências estatais ? deve, portanto, ser dissolvida para que o debate seja melhor conduzido. O partido, no entanto, não desconsidera o fato de que a cultura também propicia aquilo que é da natureza das sociedades de mercado: o retorno palpável e não meramente simbólico dos investimentos realizados. O fluxo de produção de bens culturais ocorrerá, portanto, como resultado da democratização do acesso à cultura e das políticas praticadas pelas agências públicas de fomento e pelo setor privado.
Serra ? A marca Brasil
Cultura é cidadania e ação social! Cultura é indústria e desenvolvimento econômico! Cultura é exportação!, sintetiza o candidato José Serra (PSDB), segundo colocado nas pesquisas eleitorais (21%), em seu programa de cultura. O candidato coloca o desenvolvimento da cultura como meio para enfrentar com sucesso o desafio da globalização através do reforço da auto-estima e identidade do povo brasileiro, da possibilidade de geração de riquezas, empregos e melhor inserção do Brasil nos mercados internacionais. Neste último ítem, José Serra, defende a associação da ?marca Brasil? a uma série de produtos e serviços que tem a cara e o jeito de ser brasileiros. De forma semelhante, o primeiro-ministro britânico Tony Blair, desde sua eleição em 1997, comprometeu-se a mudar a imagem um tanto desmazelada da Grâ-Bretanha para uma ?Cool Britannia?*. Um estágio avançado de branding (gestão de marca) empresarial que faz uso de seus mecanismos para agregar valor a um país.
Investimento estratégico
No governo de José Serra, o apoio à cultura será tratado como investimento estratégico, voltado tanto para a ampliação do consumo como para a popularização da produção cultural. As leis de incentivo serão aperfeiçoadas, com a aplicação de incentivos diferenciados em função das prioridades estabelecidas a cada ano, estímulo para que mais empresas participarem do incentivo fiscal à cultura, entre outras medidas que deverão corrigir sua concentração regional e reforçar sua destinação a projetos de qualidade. Além disso, o PSDB visa a desenvolver campanha nacional para estimular pessoas físicas ou jurídicas a promover investimentos no setor, conscientizar e sensibilizar para a responsabilidade social do investimento em cultura. Incentivar o investimento de empresas em atividades culturais estruturantes e não meramente destinadas ao marketing empresarial.
Lula ? Cultura como direito republicano
O candidato do PT à presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, primeiro colocado nas pesquisas de intenção de voto, com 49% dos votos válidos e a um ponto percentual de ganhar as eleições no primeiro turno, expressa em seu programa de cultura, entitulado ?Brasil, mostra a tua cara?, o compromisso com políticas públicas de cultura entendidas como um direito republicano tão importante como o direito ao voto, à saúde, educação, etc. O partido propõe a recuperação do papel da esfera pública de suas tarefas indutoras e reguladoras da produção e difusão cultural, a formação do gosto e a qualificação dos artistas brasileiros em todas as linguagens.
FHC e mercado
Cita o governo de FHC como exemplo de política de governo em que, cada vez mais, o mercado tem definido o caminho dos investimentos de recursos públicos da cultura via leis de incentivo. Segundo o partido, a ação do atual governo resume-se ao financiamento de projetos culturais do interesse de bancos e de grandes empresas. Por outro lado, diz o programa, o orçamento do Minc, correspondente a ridículos 0,25% da arrecadação da União, é o que sobra para aplicação no custeio de instituições públicas importantes como o Iphan e a Funarte, que, obviamente, não conseguem dar ?capilaridade? nacional a suas ações.
FCN e Siscult
Desta forma, no que diz respeito ao investimento em cultura, o Partido dos Trabalhadores buscará ampliar os recursos do FNC (atualmente vindos em grande parte das loterias federais) e estabelecer, em debate com a sociedade, um processo de transição que diversifique as fontes de financiamento da produção e difusão cultural, atualmente sustentados nas Leis de Incentivo Fiscal. Com base nas prescrições constitucionais, o Ministério da Cultura deverá implantar o Sistema Nacional de Política Cultural, através do qual o poder público garantirá a efetivação de políticas públicas de cultura de forma integrada e democrática, em todo o país, incluindo aí, especialmente, a rede escolar. O Siscult será a condição necessária para a efetiva descentralização da política nacional de cultura, pois os diversos projetos e/ou equipamentos públicos culturais, das três esferas de governo, assim como as instituições privadas e do terceiro setor, somente acessariam os recursos do FNC no caso de estarem legalmente integradas ao Sistema.
* fonte: “Sem Logo – A tirania das marcas em um planeta vendido”, Naomi Klein, Editora Record
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