“Por isso mesmo, o Brasil foi, ainda é, um moinho de gastar gentes. Construímo-nos queimando milhões de índios. Depois, queimamos milhões de negros. Atualmente, estamos queimando, desgastando milhões de mestiços brasileiros, na produção não do que eles consomem, mas do que dá lucro às classes empresariais.” (Darcy Ribeiro).
Talvez nesta frase, que utilizo como titulo que é de autoria de um dos mais brilhantes intelectuais brasileiros, Milton Santos, esteja a grande questão que envolve o Itaú Cultural e não só a fala do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, mas o mal-estar geral no mundo das artes brasileiras, com a descoberta desta instituição como a maior das captadoras de recursos da Lei Rouanet.
O Instituto Itaú Cultural é um braço institucional do conglomerado Itausa, que controla um gigantesco centro de gestão interconectado com suas outras empresas, entre elas estão Itaú/Itautec-Philco, além de, depois da fusão com o Unibanco, figurar a lista dos maiores grupos econômico/financeiros do planeta.
Usei esta frase de Milton Santos que está no documentário “Encontro com Milton Santos ou o Mundo Global visto do lado de cá” (de Silvio Tendler) que está disponível no youtube, onde ele, entre tantas outras brilhantes observações, faz a que definiu como Globalitarismo financeiro.
Nestes últimos tempos o mercado cultural vem estimulando a ganância capitalista, instigando a inserção de um exército de novos comandados pelo fundamentalismo neoliberal que afinam com as correntes mais conservadoras e, com isso, os executivos cada vez mais se tornam peças determinantes em que o artista, o cidadão, e a cultura cada vez mais são jogados no balaio da multiculturalidade e ali, consequentemente é pinçado e otimizado o que interessa ao comando neoliberal.
É bem interessante a observação de algumas fórmulas que se instalaram no meio cultural, sobretudo nessa saga universalista que tem a arte como pano de fundo para a expansão do capital globalizado das classes dominantes.
A nossa querida colega, Maria Alice Gouveia, fez uma observação em comentário aqui nesta tribuna que, embora verdadeira, não deixa de ser uma tragédia para a arte, para o artista e para a cultura brasileira, bem como para pequenos produtores que se iludem com a idolatria do eldorado do mercado cultural.
“Qual arte, hoje em dia, não é arte comercializada, estruturada e definida como arte? Marcel Duchamp mostrou exatamente isso: por que um mictório de repente passa a valer muito, em termos artísticos e, muito também em termos econômicos? Porque levou uma assinatura de um artista consagrado. É isso que, juntamente com a aprovação de curadores, diretores de museus, críticos, e donos de galeria vão dar valor tanto artístico como comercial a uma obra de arte. Essa história de artista desconhecido, incompreendido, pouco valorizado é coisa do século XIX. Atualmente, artista é aquele que o sistema de arte diz que é artista. Você pode ter uma produção fantástica. Se ela não for legitimada pelo campo das artes, ela não será reconhecida ou publicamente veiculada como tal”. (Maria Alice Gouveia).
Tal declaração recebe também em comentário aqui no CeM, imediatamente o apoio incondicional de Rosa Maria Peres que diz:
“Maria Alice Gouveia está certíssima. Já faz algum tempo que na arte o que vale é o texto e a divulgação”. E conclui com um com um dos mandamentos neoliberais: “Nenhum burocrata ou capitalista vai perder tempo lendo 15 páginas com termos rebuscados que não expõem o assunto de forma direta, clara e que não sugerem receitas práticas”.
“É preciso que se diga a esses jovens que o dodecafonismo, em música, corresponde ao abstracionismo em pintura; o hermetismo, em literatura; ao existencialismo em filosofia, ao charlatanismo em ciência”. (Camargo Guarnieri)
Estas pequenas observações demandam um olhar mais amplo sobre o peso de uma instituição financeira imantada pelo sobrenome cultural como é o caso Itaú e seu instituto, e a necessidade do Estado ser mais presente e principalmente mais forte nas estratégias que proponham novos paradigmas no universo da cultura e da arte brasileira.
Com o status adquirido pelo próprio sistema, uma instituição como a do Banco Itaú através de sua instituição cultural, pode, por exemplo, definir diretrizes, postular o comando de um pensamento, ditar normas etc.etc.
“Passa a ser instrumento do mais forte com o neodarwinismo social a que nós estamos assistindo agora. O processo atual de globalização agrava essa problemática. Essa globalização não vai durar. Primeiro, ela não é a única possível, segundo, não vai durar como está, porque como está é monstruosa, perversa. Não vai durar, porque não tem finalidade. Para que nós estamos globalizando, para aumentar a competitividade? Para que serve isso? O mercado global, o que é isso? Quem já viu esse mercado global? É o cachorro correndo atrás do rabo. E há o que, quem trabalha com a técnica chama de disfunção da técnica. Todo o processo tecnológico produz suas disfunções e convida a um novo avanço, tanto na tecnologia como na organização. Então, no caso atual, está havendo todos os dias avanços na tecnologia. Na organização o que está havendo é o avanço do comando unificado porque se diminui o número de empresas e se fortalece o papel de organismos centrais, de finanças” (Milton Santos).
Portanto, neste momento não cabe mais viver dessa dualidade, pois se observa, neste momento, o esmagamento pela supremacia do capital sobre-humano que tenta buscar sustentabilidade, vida e liberdade aonde se aplaude textos que caminham no sentido do privilegiado, sentenciando os explorados que, por sua vez, são pressionados pela globalização econômica. Porque o que existe de fato não é a globalização das idéias que poderia trazer uma outra teoria, não, a globalização é financeira, seca e crua. A escala social proposta nesse novo tratado de Oslo “cultural” é a certidão do duplo narciso, dos neocolonialistas e do neocolonizados, conferindo aos primeiros o poder de determinar os valores pelos quais julgam a inferioridade do outro. É nessa perspectiva que se deve salientar que jamais uma instituição privada, uma ONG, seja lá que nome tenha, possa ter qualquer paridade de peso na vida nacional como, por exemplo, a Funarte, que fará o Ministério da Cultura! Representações efetivamente erguidas e sustentadas pela sociedade brasileira, sobretudo no campo das ideias. Por isso elas têm que ser ampliadas, fortalecidas e prestigiadas pelo governo artistas e sociedade.
Todas essas questões são hoje pautas urgentes que demandam dos artistas e produtores comprometidos com o Brasil, um olhar independente, buscando dentro de um novo humanismo a certificação de que a arte e a cultura de um povo têm papel determinante em todos os campos políticos da vida nacional.
Jamais, no mínimo espaço que as instituições privadas de cultura nos oferecem será determinado o desenvolvimento sustentável da cultura e da arte brasileiras. O povo sim, este, com a sua massa crítica é quem trará o resultado concreto do desenvolvimento humano, em seus próprios espaços, nas ruas, a céu aberto.
“Popular porque, cada vez menos as coletividades são chamadas a ter a palavra. Não é possível! Porque a forma como a tecnologia é utilizada por grupos cada vez menos numeroso para buscar unicamente lucro ou mais valia, não tem finalidade. Qual a finalidade, de que uma grande empresa bancária quebre a outra? Hoje nós estamos no reino da “nonsense” total e global. As massas estão, de alguma maneira, contidas pela informação, elas também estão contidas pela produção abstrata das universidades. Não é que a gente não vá ver o povo, só que o pensamento não parte daí porque a nossa maneira de começar a pensar é inadequada. Acho que tudo depende de como começar a pensar. Mas voltando à questão, o fato é também que as classes médias no mundo inteiro começam a descobrir que não mandam nada. Isso pode ser importante.” (Milton Santos).
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