Em tempos nos quais a preocupação da produção de conteúdo audiovisual está em alta, e experimentam-se políticas de democratização e regionalização da produção, Discovery Atlas fica como exemplo de conteúdo indesejado gerado pelo desentendimento do poder do estado com a sua representação do interesse público.

Caneta é um regatão, um ofício em extinção. Abaetetuba, no Pará, já contou com mais de trezentos regatões, hoje são apenas cinqüenta. O personagem desse comércio ambulante que sobe o Rio Amazonas e seus afluentes é o primeiro dos sete iluminados escolhidos pela Discovery Channel para representar o Brasil em seu projeto educativo, financiado pelo governo dos Estados Unidos, sobre os países da América Latina.

Em reportagem da cobertura do Seminário Internacional sobre Diversidade Cultural realizado em Brasília, o 100canais já havia alertado sobre tal iniciativa que representaria uma das políticas públicas de educação e cultura a respeito dos conhecimentos necessários sobre a vida nos países desconhecidos deste quintal com proporções continentais.

Sobre o que a Discovery tem a revelar a respito do brazil, maybe we can say: A Discovery questiona a proibição de porte de armas no Brasil, afirmando que os cinqüenta regateiros de Abaetetuba vivem sob constante ameaça de piratas nas travessias do rio. É um absurdo a vida sem a liberdade de escolhas de calibre do fogo de cada um.

Jaqueline Mota Diniz sonha ser jogadora de futebol. Por sorte, ela tem em Manaus o Peladão, o maior torneio de futebol amador do planeta. Com toda a sua dificuldade em ler um texto pré-escrito para as câmeras, Jaqueline esforça-se em representar a paixão canarinha pela pelota. Paulinho é o juiz que já espalhou mais de dois mil cartões vermelhos em jogos oficiais, diz que é a única arma que ele tem em campo, isso porque ele é baixinho. Mas quando acaba o jogo é ele que tem que sair correndo.

Enquanto isso, no Rio, espera-se o carnaval. E destaca-se, pelos padrões de beleza, o Brasil campeão mundial em cirurgias plásticas. Vista panorâmica das favelas com arco-íris de fundo apresenta o samba como símbolo da modernidade da cultura e toda a sua economia de fantasia.

Salvador e o seu “quinhão de problemas urbanos das tentações (sic) do crime”, mostra Jakson. Tudo o que ele queria era vingar-se de quem matou seu pai. Mas Boa Gente, mestre de capoeira, ajuda a tirar Jakson da amargura das ruas. Apareceu até Zé Pilintra na Discovery. Jakson brabo atirando pedrinhas nas latinhas. Jakson incomodado, dormindo no sofá. E Boa gente com seus projetos sociais “salvando” a molecada.

Classe média presente. A moça brasiliense, acaba de mudar para o Rio paga para desfilar na Estação Primeira de Mangueira, pega o cedê e ensaia em casa. Disso para o interior de São Paulo. Francisco, o peão que sonha ser astro de rodeio. De Barretos, para São Paulo, a maior cidade do hemisfério sul. A cidade do futuro precisa do quê para se desenvolver? De Helicópteros. Táxi aéreo é o que há de interessante para saber sobre São Paulo. Clarissa, “motorista de helicóptero” (sic). Sonha em voar sobre as regras de instrumento, com aeronaves maiores. O setor militar e transporte de plataformas de petróleo precisa de gente capacitada. E a narrativa enjoa-se por si só: “Clarissa tem que fazer cálculos complicados. O drama está por conta da banca. Se ela conseguir passar, sua vida irá mudar para sempre”. “Voltamos já dos comerciais”. “Não deixe de conferir a história contada pelos inimigos e pelos amigos de Fidel”. E, enfim, Clarissa passa na prova e fica literalmente nas alturas.

Luciana, de volta no Rio, tem ensaio até com passista particular. De lá para Minas, Ouro Preto. A menininha que gosta de Páscoa e fantasias, lendo o teleprompter, ficou trabalhando sozinha até às três da manhã para montar a procissão da Páscoa, e ela tem que acordar às seis para se vestir de anjinho. Laís caminha na procissão, procura pelos pais e não os encontra em lugar algum. Mas sua avó está por lá. “Como foi ótimo ver a minha vó. Foi uma surpresa maravilhosa”.

Deveria não ser preciso, mas nos parece preciso dizer que a trilha sonora em momento algum aproveitou conteúdos regionais e nem sequer alguma obra musical brasileira. “O Brasil captado em alta definição”, infeliz chamada para o programa.

Em tempos nos quais a preocupação da produção de conteúdo audiovisual está em alta, e experimentam-se políticas de democratização e regionalização da produção, Discovery Atlas fica como exemplo de conteúdo indesejado gerado pelo desentendimento do poder do Estado com a sua representação do interesse público. A urgência de atenção do governo brasileiro acerca da ampliação do debate sobre as questões relacionadas às pautas de TV Pública e TV Digital, e regulação do setor audiovisual permanecem urgentes.

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1Comentário

  • Carlos Stefano, 6 de setembro de 2007 @ 15:38 Reply

    Há alguns anos tive o desprazer de ir a uma coletiva d eimprensa do lançaemnto da Revista Discovery Magazine, um engodo, que só traduzia notícias e publicava para concorrer com SuperInteressante e Globo Ciência. Na ocasião, lembro do executivo de marketing da empresa em debate anunciar a chegad deles ao mercado com uma ação parecda com a dos mariners americanos,q ue desembarcam na frente para neutralizar o inimigo. Uma analogia infeliz, mas que coaduna com a mentalidade destes boãis da Discovery! No fundo devemos ter pena do nível de desinformação destes caras!

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