Foto: Grafitti Land
A discussão sobre propriedade intelectual é das mais importantes para a definição dos rumos da sociedade contemporânea. Estão em jogo o acesso universal ao conhecimento e o direito do autor viver de sua obra, consagrados pela modernidade. Configurado de maneira a atender aos interesses dos grandes conglomerados empresariais o aparato legal vigente é anacrônico e impede a construção de uma sociedade baseada na livre expressão e circulação de conteúdos. As novas tecnologias da informação implodem esse sistema.

Há muito por trás das disputas internacionais a respeito da propriedade intelectual. A pauta da Diversidade Cultural, impulsionada por movimentos organizados no mundo todo, em busca de integridade cultural e artística de produtores independentes, une-se às agendas governamentais com contraposição ao poder unificador e universalista (imperialista?) da monocultura norte-americana, que ampara e sustenta um oligopólio de conglomerados de mídia e entretenimento, as chamadas majors. Não por acaso, as maiores interessadas em criminalizar a dita “pirataria”.

Até mesmo a legitimidade de organismos como a OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual), criada para atender interesses privados de detentores de direitos autorais, está em jogo. A partir de do surgimento de inúmeros movimentos, e até partidos políticos, em países como a Suécia, por exemplo, impulsionam a luta por democracia, acesso e liberdade de expressão e circulação na rede.

Na contramão disso tudo temos a lei recentemente aprovada na França, que criminaliza o download, e seus pares, nos diversos cantos do mundo, como a Lei Azeredo do Brasil, que insistem em analisar e regular a web com a lógica linear de controle da demanda, típico das majors em suas práticas comerciais.

A questão é complexa, controversa, de difícil resolução. O mercado fonográfico foi nocauteado pelo download e precisa ser reinventado. Em breve o audiovisual estará na mesma situação, o que exigirá uma resposta mais rápida por parte de produtores e da indústria como um todo, além do desenvolvimento de um marco legal que lide de maneira mais adequada com a situação.

Tema sensível para os artistas, sobretudo os que sobrevivem de direitos autorais, como compositores e autores de obras licenciáveis. O Creative Commons oferece a possibilidade de simplificar este uso, permitindo a circulação de  obras contemporâneas. Ao mesmo tempo, diminui a cada dia a possibilidade de gerar recursos por meio de licenciamentos.

Novos mercado irão surgir, obrigando editoras, produtoras e artistas a buscar remuneração por suas obras. Enquanto isso, o MinC resolve colocar a questão em debate, novamente sem o diálogo necessário com a sociedade. Por isso, é importante a informação e o debate acerca do direito autoral, pois o tema vai ocupar lugar privilegiado nas arenas mais importantes no mundo e no Brasil.


Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

15Comentários

  • Graça Cremon, 13 de novembro de 2009 @ 14:22 Reply

    Alguns são piratas, outros são corsários. Sabe qual é a diferença? É que os corsários têm autorização do rei para praticar a pilhagem. O rei é sócio. Temos as rádios piratas e as TVs corsários, certo? Teoricamente, o pirata é o que trabalha por conta própria! A propriedade intelectual está para muito além dos livros, discos e peças teatrais. E o conhecimento de grupos coletivos? Os Guarani, por exemplo, lançam disco, a mini série usa na tv e não acham para quem pagar o direito autoral…. Os congados, a cultura popular, esse conhecimento também é elaborado, tem dono. Cansei de ver livros lançados de pesquisas de mestrados e doutorados que têm como matéria prima a cultura popular. Quem é o mestre? Quem é o dono? Temos que ampliar muito esse debate.
    Um abraço,
    Graça Cremon.

  • Celio Barros - PMC, 14 de novembro de 2009 @ 12:56 Reply

    Não creio ser o caso de debate e sim de uma ação constante autônoma por parte dos produtores independentes, de obras fora do circuito comercial. Deve-se buscar um espaço na lei e na constante evolução tecnológica, que garanta facilidade, agilidade e expansão da divulgação de conteúdo ao mesmo tempo que gere os direitos devidos para o autor.

    Isso é possível e tecnicamente até fácil de ser implementado, mas nem usuários nem legisladores querem essa solução. É uma solução impopular. Numa sociedade onde o bonito é ser simpático e doador, não há espaço para medidas reguladoras, muito menos interesse em tomar e aceitar tais medidas.

    Podem debater à vontade, pois sempre estarão andando em volta do problema e nunca indo à raiz dele.

    Tomara que eu só esteja sendo pessimista demais e até sejam tomadas algumas providências positivas, mas só acredito vendo resultados consistentes em longo prazo.

  • Elayne, 14 de novembro de 2009 @ 18:48 Reply

    “A questão é complexa, controversa, de difícil resolução.”
    (de fato é de se concordar).
    O sobressalto dessa história é a questão da acessibilidade,o que pode, sim,ser considerado como posições informacionais mais democráticas.

  • Aptos, 14 de novembro de 2009 @ 22:57 Reply

    Leonardo,

    Você está enganado, melhor, apenas errado.

    Usa modelos e formulas envelhecidas e aponta a escolha de um dos lados para o desenvolvimento cultural, os imperialistas lá e nós aqui.

    Nada mais errado.

    Não há dúvida que o mercado precisa se reinventar que que a internet muda a forma de acesso. Uma certeza é que pela a sua forma de pensar você vai passar os próximos 20 anos como um ser panfletário e não, isso não é um elogio.

    As empresas do mercado cultural também vão se transformar, sim, haverá a cobrança, sim haverá receitas, haverá lucro, e isso não é errado.

    O que você parece não entender é que não há a necessidade de binômios, ou é isso ou é aquilo. Há espaço para todos. O creative commons é ótimo é a materiais onde há o pagamento de direitos autorais.

    Os dois vão coexistir.

    Não, não sou um executivo de um conglomerado internacional com uma “hidden agenda” para dominar os países do terceiro mundo.

    Acho apenas o seu discurso chato e resolvi escrever.

    Um ótimo sábado para você.

  • Nirvana Marinho, 16 de novembro de 2009 @ 7:08 Reply

    A questão clama por debate não só por sua complexidade, mas sobretudo pelo mundo em que vivemos. Isso é o que parece-me sempre mais difícil de aceitar; compreendemos, mas não aceitamos que as regras estão mudando, inclusive por nossa própria vontade e intervenção. Queremos mais acesso à informação, queixamo-nos por não ter grana para rodar o mundo e que a internet tornou tudo mais interessante, vemos que nem tudo é possível, mas dentro das probabilidades, acessar é um “barato”.
    Utilizo-me das ferramentas do Creative Commons em um projeto de caráter público e estamos tendo o maior cuidado com a obra do outro. é uma oportunidade do artista se colocar, sem intermediários, e de fato ser mais conhecido por novos canais.
    Aceita as partes mais difiíceis – o mundo mudou e eu devo me posicionar nele – o que nos resta é criar novos nichos de mercado, sermos criativos para posicionar de novas formas a arte. Um belo e delicioso desafio. Sempre com respeito, ainda com mais respeito.

  • Rodrigo, 16 de novembro de 2009 @ 15:10 Reply

    Os direitos de quem cria ou investe em uma obra cultural deveriam ser protegidos da mesma forma em que são protegidos, por exemplo, os direitos de imagem da logo da Coca-Cola, ou a fórmula da mais recente descoberta farmacológica da Pfizer.

    Se fala sempre que a troca de música na internet deve ser livre, e que a venda de produtos piratas nas ruas não deve ser reprimida para, assim, fomentar a música às classes menos favorecidas.

    Mas do ponto de vista econômico, qual empresa vai investir em uma obra cultural que não tem valor de retorno? Por enquanto, estas empresas sobrevivem em um mercado cheio de incertezas e receitas em queda. Mas será sempre assim?

    Se seguirmos essa ótica de livre fluxo de músicas na web, então a Pfizer e a Coca-Cola deveriam liberar suas marcas e seus produtos para livre comércio. Mas não, música tem que ser grátis, enquanto remédio e refrigerante tem que ser pagos.

    Essa é a mentalidade causada pela falta de união do mercado da música, onde cada integrante do mercado (gravadoras, músicos, editoras, fábricas, lojas) se preocupa com seu lado sem olhar para o bem comum cunjunto.

  • Carlos Henrique Machado Freitas, 17 de novembro de 2009 @ 8:27 Reply

    É no minimo, pouco pedagógica a “busca de integridade cultural” pelo viés do acesso universal ao conhecimento via a quebra da propriedade intelectual.
    Temos muitas outras demandas nessa direção.

    Em terra campeã mundial de grilagem por elétricas, câmeras, milícias privadas e pitbuls, aonde o direito à terra, à casa, à alimentação é criminalizado e, quando se trata dos desvalidos, falar em avanços pela liberdado geral ao acesso da criação artística e, no mínimo, hipocrisia.
    empresas nacionais e multinacionais como é o caso do Brasil, aonde se defende à bala o direito sagrado de propriedade dos ricos com cercas
    Derrubem os muros, destituam os jagunços que ainda hoje vigiam as sesmarias, tirem das multinacionais a água potável cada vez mais monopolizadas por pesados grupos internacionais, dentro e fora do Brasil, e mais uma série de prioridades para socializar o direito a tudo, principalmente à alimentação. As sociedades, antes de se preocuparem em ter direito ao livre acesso aos bens artísticos, quer ter o direito, mínimo que seja, à moradia, alimentação, à água e cidadania. Depois de tudo pronto, aí sim, chamem os artistas e façam a distribuição gratuita de suas artes. Mas primeiro chamem os banqueiros e façam com que contribuam com seus monumentais acúmulos, fruto da agiotagem sobre a mão de obra do trabalhador. Inventem o pesticida contra essa praga que provoca miséria e fome no mundo e nos coloca a cada dia nessa guerra urbana pela sobrevivência para ampliar seus direitos de propriedade de nossas almas e corpos. Depois que o dever de casa estiver pronto, que essa chaga chamada direito de propriedade cair, os artistas que, antes de qualquer coisa, são cidadãos que pagam cada centavo dos seus passos, entrarão na roda cantando, dançando de bom grado. Mas vamos aos banqueiros e aos grileiros, queimar primeiro a gordura que está matando a sociedade.

  • Roberto Luiz Warken, 17 de novembro de 2009 @ 19:56 Reply

    Olá! Eduardo!

    Li seu texto e os excelentes comentários d*s colegas. Vejamos a seguinte questão:
    O que há de original em você? A excessão de seu DNA, todo o resto é fruto da interferência cultural. Sempre aprendemos com quem nos antecedeu. A falar, andar, estimular a reflexão, moldar nossa personalidade e caráter, etc. que são, por outro lado, também, atingidas pelo meio ambiente, pelos que nos rodeiam, etc. Nossa cultura tem pouca coisa de essencialmente original. Ela avança com nossas descobertas e a cada passo agregamos informações que se tornam conhecimento se bem mediatizado. Posso afirmar que sou cópia de outras cópias? Em hipótese, talvez. E o que eu produzo? As técnicas que utilizo?…. Como foi falado acima, sobre a coca-cola, etc. fica claro que o mais importante não é o que eu produzo, mas como eu produzo, como chego lá e, outro debate é o sistema em que vivemos nos leva a uma competição e individualização continuas.
    Estas coisas tem desdobramentos enormes e merecem mais espaço.

    Abraço!

  • alvaro santi, 18 de novembro de 2009 @ 8:18 Reply

    ué, cadê meu comentário?

  • Leonardo Brant, 18 de novembro de 2009 @ 10:15 Reply

    Álvaro, seu comentário não entrou. Se puder publicá-lo novamente, agradeço.

    Aproveito e recomendo a todos a excelente carta aberta do Álvaro ao presidente da Ordem dos Músicos do Brasil.

    Abs, LB

  • Celio Barros, 18 de novembro de 2009 @ 14:44 Reply

    Não creio ser o caso de debate e sim de uma ação constante autônoma por parte dos produtores independentes, de obras fora do circuito comercial. Deve-se buscar um espaço na lei e na constante evolução tecnológica, que garanta facilidade, agilidade e expansão da divulgação de conteúdo ao mesmo tempo que gere os direitos devidos para o autor.Isso é possível e tecnicamente até fácil de ser implementado, mas nem usuários nem legisladores querem essa solução. É uma solução impopular. Numa sociedade onde o bonito é ser simpático e doador, não há espaço para medidas reguladoras, muito menos interesse em tomar e aceitar tais medidas.Podem debater à vontade, pois sempre estarão andando em volta do problema e nunca indo à raiz dele.Tomara que eu só esteja sendo pessimista demais e até sejam tomadas algumas providências positivas, mas só acredito vendo resultados consistentes em longo prazo.

  • Afinsophia, 18 de novembro de 2009 @ 17:52 Reply

    Aí, companheiro Leonardo Brant, nos da Afinsophia ousamos publicar teu texto, bem procedente no Blog Esquizofia, também da AFIN.

    Abraços Afinados!

  • alvaro santi, 19 de novembro de 2009 @ 15:23 Reply

    Concordo com praticamente tudo, Leonardo. Só no final você se contradiz: se o MinC está colocando a questão “em debate”, então não é “sem diálogo com a sociedade”, certo?
    Cabe até informar aos leitores que o setor de propriedade intelectual do MinC promove este debate já há algum tempo, em diversos eventos nacionais e internacionais pelo país. Quem quiser conhecer melhor o assunto, pode consultar o material disponibilizado em sss://www.cultura.gov.br/site/categoria/politicas/direitos-autorais-politicas.
    No mais, o Carlos Henrique já matou a charada. Pra mim a questão mais delicada é conciliar os dois extremos: de um lado os poucos mas poderosos que ganham com o modelo atual; de outro os bárbaros defensores do “livre acesso da sociedade”, dentro e fora do governo.
    Se o acesso é impossível sem o hardware, o preço dos computadores e da banda larga são os primeiros obstáculos, mas curiosamente não ocorre a ninguém pedi-los de presente pra indústria. Já a música e o filme, como estão ao alcance da mão… Aliás, isso sim é contradição: para que reivindicar acesso a algo cujo valor não reconhecemos?

  • Leonardo Brant, 19 de novembro de 2009 @ 19:36 Reply

    Alvaro, acho que o MinC teve a coragem de colocar o dedo na ferida em relação aos direitos autorais. Organizei aqui no Brasil em 2006 uma conferência da Rede Internacional pela Diversidade Cultural, da qual fui vice-presidente e participei de duas reuniões de ministros da cultura, na China e no Brasil, onde a questão do direito autoral foi corajosamente colocada por nós: tanto pelo MinC quanto pela sociedade civil, sobretudo do Brasil, onde tb me incluo.

    No próprio processo de construção da convenção da diversidade cultural fomos votos vencidos na vontade de conectar esses dois temas. No ambito interno, no entanto, a discussão ficou mais uma vez reservada ao gabinete e ao grupo dos “a favor”. O diálogo tem que ser feito e negociado com o grupo “do contra”, senão não é diálogo. Esse erro já foi cometido inúmeras vezes. Com a Ancinav, com a Lei Rouanet e agora novamente com o direito autoral. Perdemos três oportunidades de ouro.

    O MinC recuou em relação ao seu projeto. Aliás, cadê o projeto? Vc viu? Como o Conselho lida com essas surpresas? Ele não deveria estar na ponta de lança desse diálogo com a sociedade? Pelo que eu saiba o CNPC tb é surpreendido com projetos (mal) elaborados em gabinete. E aí é um pega pra capar!

    O erro não está na agenda mas sim na condução e no diálogo. Portanto, não vejo contradição no meu artigo, mas sim no MinC, que é arbitrário e arrogante em relação às propostas, todas urgentes!

    Abs, LB

  • Ricardo Severo, 2 de dezembro de 2009 @ 14:54 Reply

    Não somos contra a remuneração. Muito menos a favor do plágio.
    Mas ninguém pode ser dono da cultura e do conhecimento.
    Para discutir sobre propriedade intelectual e fortalecer o movimento no Brasil: http://www.partidopirata.org

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