Uma rede de relações econômicas formais, informais e algumas que passam pela contravenção e pelo crime e que faz circular uma quantidade extra de recursos que alimentam o turismo em toda sua extensão, além da indústria própria do Carnaval
Sem dúvida que o Carnaval é a expressão mais volumosa da dita economia criativa, aquela que abriga atividades que têm na criatividade e nos recursos culturais a sua matéria-prima. É a mais vultosa e também aquela que mais se desenvolveu ao longo dos anos. Desenvolveu-se e encheu-se de vícios. Não são vícios novos, nem que contrariem a lógica vigente. Trata-se, em suma, da apropriação privada da coisa pública por meio da construção de uma rede de relações econômicas formais, informais e algumas que passam pela contravenção e pelo crime e que faz circular uma quantidade extra de recursos que alimentam o turismo em toda sua extensão, além da indústria própria do Carnaval, dos criadores de faisão e avestruzes à fábrica de plástico para lantejoulas e paetês.
Tal cenário, riquíssimo em oportunidades, movimenta, num município como Recife, cifras que extrapolam os R$ 280 milhões e, em Salvador, a casa dos R$ 300 milhões é ultrapassada com folga. Claro que quanto mais rentável, mais sofisticada e seletiva a festa se torna. Fenômeno que se perpetua em toda extensão do território da folia, paradoxo revelado pelo fato de que se trata de uma festa popular cada vez mais consumida pela elite mundial.
Porém, assim como se acumulam vícios entre suas tantas virtudes, acumulam-se também os problemas estruturais deste evento que somente recebe dos patrocinadores o assédio pela visibilidade gerada, sem no entanto ser capaz de captar recursos para resolver seus problemas estruturais básicos.
Em São Paulo, o Carnaval caracteriza-se pelo desfile das Escolas de Samba que já conta com o endosso oficial da grade de programação da programadora dos hábitos nacionais há algum tempo. Sinal da magnitude que a festa alcançou por estas terras. No entanto, as escolas enfrentam problemas de falta de espaço adequado para suas quadras, promovendo, muitas das vezes, ensaios em ruas, causando sérios transtornos aos moradores. É notório o caso da campeã deste Carnaval de 2008, a Vai Vai, que já espantou muito inquilino da Bela Vista, sem nunca ter impactado em nada positivo o cenário da vizinhança.
Em muitas instâncias pelo país e também em alguns morros cariocas, continua havendo uma certa promiscuidade entre os organizadores da festa e a festa do crime organizado. É tradicional que na malandragem resida um dos berços do samba e do Carnaval brasileiro, porém as relações passaram da malandragem à contravenção e desta ao crime organizado com a mesma desenvoltura com que se repetem títulos de grandes agremiações do samba que tem como patronos notórios suspeitos, alguns ex-detentos, que comparecem à avenida, seja no desfile, seja na apuração, com as honras de benfeitores.
Na Bahia, a cada ano, aumentam as reclamações sobre a elitização do Carnaval baiano imputado pelo custo do passe (abadá) que garanta a entrada nos cordões de elite. No entanto, na edição 2008, o maior emblema de que esta apropriação do público pelo privado já se banalizou na mentalidade reinante talvez tenha sido o pedido de Daniela Mercury que, contrariamente ao determinado pela PM, queria que seu trio ficasse um bocadinho parado na frente de seu camarote, atrasando a fila dos 25 trios que se esparramam pela cidade a cada dia de Carnaval. Nada contra a grande artista, nem contra a embaixadora da Unesco, nem contra a pessoa de Daniela Mercury, reconhecemos aliás a grandiosidade de sua figura pública, mas ainda que o camarote seja pretensamente seu e também o trio, o Carnaval é público e não dava para atender o pedido! É chegada a hora de atender o pedido do grande público soteropolitano que sofre a contradição de ganhar um troco a mais com a festa, ficando, porém, de fora dela!
No Recife, como de costume, não faltou o já arraigado protecionismo cultural pernambucano. Em uníssono com Alceu Valença, o recifense e o olindense esconjuram de seu Carnaval tudo que não é de seu Carnaval. Neste sentido, jamais se veria o trio de Fat Boy Slim, que empolgou os baianos com sua música eletrônica pelas ladeiras e pontes dali. Vitória garantida pela adesão dos foliões e pela certeza de que também não adianta querer fazer o que é do Carnaval pernambucano fora daquele cenário, haja vista a fragorosa surra que a Mangueira tomou!
Os editores
12Comentários