O tema da cota de tela se expande para outros espaços. Da tradicional sala comercial de exibição cinematográfica até a atual programação da televisão fechada, agora a cota de tela se insere no contexto pedagógico das escolas brasileiras.

Numa tabelinha entre os ministros da Educação, José Henrique Fonseca, e da Cultura, Marta Suplicy, a presidenta Dilma Rousseff em plena Copa do Mundo marcou um gol de placa tanto para o cinema quanto para a educação brasileira, depois que sancionou a Lei nº 13.006, de 26 de junho de 2014, que acrescenta o parágrafo 8º ao artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei n º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que obriga a exibição de filmes de produção nacional nas escolas de educação básica.

O parágrafo 8º acrescido ao artigo 26 é bem taxativo ao estabelecer que “a exibição de filmes de produção nacional constituirá componente curricular complementar integrado à proposta pedagógica da escola, sendo sua exibição obrigatória por, no mínimo, 2 (duas) horas mensais”. O artigo 26, que trata dos currículos da educação infantil e dos ensinos fundamental e médio, definindo-os que tenham uma base comum nacional, a ser complementada em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, pensada para abarcar as exigências regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos estudantes.

Assim, pensar o cinema nacional interligado com a educação brasileira já não é nenhuma novidade no governo da Dilma Rousseff. Com o programa Cine Mais Cultura, foi estabelecida uma parceria da Secretaria de Audiovisual do Ministério da Cultura com algumas secretarias estaduais de educação, como da Bahia, de Pernambuco, de São Paulo e, especialmente, do Distrito Federal, que foi a pioneira neste intuito e do qual fui um dos gestores públicos pelo Governo do Distrito Federal, entre 2011 a 2012, como Chefe do Núcleo de Cultura e Arte/Mídia da Secretaria de Educação do Distrito Federal.

O programa Cine Mais Cultura, que visa levar equipamentos de exibição cinematográfica para pontos de cultura, teve sua ampliação ao criar o convênio com a Secretaria de Educação do Distrito Federal, que desburocratizou a aquisição dos equipamentos para 77 escolas públicas do Distrito Federal, que almejavam se tornarem pontos de exibições cinematográficas e, consequentemente, cineclubes de formação de público.

Além dos equipamentos de exibição (projetor, telão, DVD player, mesa de som, amplificadores e caixas de alto-falantes), também foram fornecidos programas de filmes (curta, média e longa-metragens) escolhidos pela própria escola a partir do acervo da Programadora Brasil. A única obrigação da escola era realizar sessões de exibição cinematográfica periodicamente por semana e relatar as sessões por meio de um relatório específico no próprio site da Programadora Brasil.

Mas o que inviabilizou a sua expansão para outras unidades da federação e sua continuidade nos estados que já realizavam? No meu entendimento, foi bem mais por falta de uma vontade política por parte das autoridades governamentais das secretarias de estado de educação e, também, das direções das escolas públicas que haviam recebido o equipamento, do que dos professores e estudantes que alimentavam o sonho de manter as exibições de cineclube contínuas.

Isso porque, para um professor que se ocupa da sua atividade docente e pedagógica durante 40 horas semanais, fica muito difícil manter as atividades de cineclubismo de maneira continua, pois essas não se limitavam a simples exibição, mas num trabalho de estudo sobre a obra cinematográfica e sobre a história do cinema, da programação do(s) filme(s) que serão exibidos na semana ou no mês, da sua divulgação dentro e fora da escola, da montagem e desmontagem dos equipamentos de exibição, da coordenação do debate depois do filme e, por fim, do preenchimento do relatório da sessão ocorrida.

Assim, essa atividade cineclubista ocorrida na escola se torna uma ação não obrigatória dentro dos afazeres obrigatórios do professor, como preenchimento de diários, elaboração e correção de atividades e avaliações, preparação de aulas e planejamentos mensais, semestrais e anuais e, portanto, deixada de lado, como aconteceu com mais da metade das escolas públicas do Distrito Federal, com as quais coordenei e me empenhei para que não parassem suas atividades cineclubistas.

Entre outros motivos que dificultavam a permanência estão: a falta de outros profissionais interessados em realizar a atividade cineclubista, a falta de espaço formal para as sessões, a falta de confiança dos diretores em deixar que os estudantes usem e tomem conta do equipamento que se tornará patrimônio da escola e, portanto, passível de uma sindicância governamental caso houvesse a destruição ou perda deste patrimônio, a falta de horário para sessões dentro do período de trabalho do professor interessado pela atividade cineclubista, entre as principais levantadas e tão comuns na implementação de qualquer atividade extra-curricular cultural dentro das escolas.

Dessa maneira, a nova lei que estabelece a exibição mínima de duas horas por mês de filmes nacionais nas escolas brasileiras, sejam elas públicas ou privadas, veio como um sopro de renovação das ações cinematográficas dentro das escolas. Mas me veio também uma antiga preocupação que apontei os exemplos acima e que se sintetizam na seguinte questão: como serão realizadas as sessões de exibição de filmes nacionais?

Recentemente, numa escola que recebeu o equipamento, mas que em função de algumas reformas, o equipamento se perdeu ou se estragou, tive a oportunidade de levar uma turma de alunos para assistir ao filme Getúlio, de João Jardim, num cinema de shopping. Como conhecedor da atividade cinematográfica, liguei para o proprietário do cinema, propus a seguinte condição: levaria os alunos na sessão, numa terça-feira, mas que me cobrasse o preço de meia-entrada promocional da segunda-feira.

Os estudantes juntaram o dinheiro para alugar um ônibus que levassem e trouxessem da escola para shopping, juntamente com o valor da meia-entrada promocional, e todos nós fomos assistir ao filme, tornando-se uma atividade extra-escolar marcante para muitos, pois eram jovens oriundos das periferias da capital federal e que nunca tiveram a oportunidade de assistir a um filme com colegas da escola sobre um assunto pertinente ao conteúdo escolar e que estava em cartaz nos cinemas.

Todavia, volto a me perguntar se diante do atual programa Mais Cultura nas Escolas, feito em parceria entre os Ministérios da Educação e da Cultura, podemos acreditar que as poucas escolas públicas que recebem recursos da ordem de R$ 20 mil por ano, para atividades culturais de cunho pedagógico, e a grande maioria que não possuem recursos desse apoio, irão reorientar seus planos de atividades para que realmente incluam as duas horas mensais obrigatórias para exibição de filmes nacionais, seja dentro da escola ou fora dela, como exemplifiquei acima.

Quem divulgará aos diretores, professores, estudantes e pais sobre esta nova lei? Quem fiscalizará as exibições mensais dos filmes nacionais de todas as escolas brasileiras? Fico bastante preocupado para que uma lei como esta, de grande importância para o cinema nacional e para a educação brasileira, não se torne inoperante. É como se o Neymar tivesse feito um golaço, mas o juiz tenha invalidado o gol de placa. Diante desta situação trágica, apenas espero que esse gol não venha a fazer falta na campanha brasileira na Copa.

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Distribuidor, realizador, professor e crítico de cinema. Criador da Revista Quem Viver Verá!, presidente da Associação Brasiliense de Cinema e Vídeo - Seção do Distrito Federal da ABD Nacional e Secretário-Geral do Congresso Brasileiro de Cinema.

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