Até que ponto uma inclusão digital implicaria em uma inclusão social?
A inclusão digital é um fato. Já existem no mercado computadores pré-pagos, parcelados, financiados, que rodam a partir do sistema linux, softwares piratas etc. Daqui para frente o acesso à informação de modo democrático parece, cada vez mais, se tornar uma realidade. A própria TV Digital assoma aos brasileiros como uma nova maneira isonômica de distribuir conteúdos. A questão é: até que ponto uma inclusão digital implicaria uma inclusão social?
Grosso modo, a primeira etapa para uma sociedade mais justa e igualitária seria servirem-se todos das mesmas oportunidades. Isto inclui o acesso à informação. Em outras palavras, a onipresença da TV Digital, com sua multiplicidade de canais, e da internet, como uma espécie de carta de alforria à escravidão e seletividade informativa, traria supostamente um maior tráfego de idéias e de educação. Com o acesso aos mesmos referenciais, cidadãos das mais variadas origens sociais aproximar-se-iam, ao menos idealmente, no campo cognitivo. Entre outros benefícios, isto poderia moldar seres humanos mais conscientes dos desajustes do mundo à sua volta e capazes de adotar posturas mais eficazes e reflexivas quanto aos meios de transformação.
Há , porém, um profundo abismo entre informar e educar.
Educar vai além da transmissão de material ideativo, significa muito mais um questionamento deste material e uma imposição de limites dentro de parâmetros de interatividade e socialização. Uma interatividade diversa daquela apontada pelos meios de difusão de informações, ou seja, não restrita a uma tela e um cursor, mas a toda uma cultura de deferência para com o outro, as suas peculiaridades e as suas necessidades.
Partindo destes elementos, a educação deve ser vista não como uma mera tradutora de códigos e palavras, mas como prática, um disciplinamento e alargamento dos horizontes culturais postos no nosso cotidiano e nem sempre dimensionados e equacionados.
Primeiro aspecto: a imposição de limites. Dentro do universo virtual reina a permissividade. O que é proibido, e, por isso mesmo, mais atraente, pode ser facilmente consumido sem qualquer forma de controle. Nesse ponto, o meio virtual é contra-producente na formação educacional, uma vez que acentua um desrespeito aos direitos coletivos e difusos inerentes à cidadania.
Por outro lado, a funcionalidade e adaptabilidade da interatividade digital é tamanha, que dissolve e redireciona o próprio conceito de estudo. As antigas dificuldades postas em xeque com a nova tecnologia tornam –se frágeis e tênues quando não totalmente nulas. Assim a lei do menor esforço parece ganhar espaço e se tornar empecilho importante ao desenvolvimento da cidadania educacional.
Outro aspecto relevante diz respeito à socialização. Uma vez digitalizados os conteúdos e os canais de acesso aos mesmos, ficariam prejudicados os mecanismos de aproximação e de trocas culturais entre os seres. A mediação virtual carregaria consigo uma alienação cultural. Uma doença cujos principais sintomas são: a ausência de motivação a uma postura crítica, um não comprometimento do cidadão com o meio social circundante e uma conseqüente perpetuação do regime de sujeição vigente.
Na realidade, ter acesso às mídias informativas não traria necessariamente uma isonomia a título de alternativas de um nivelamento sócio-econômico. A informação em si mesma não traz o germe de um apaziguamento social e uma distribuição de renda mais justa. Há de se adotar políticas públicas que proporcionem um re-ordenamento da cultura educacional: grades curriculares que privilegiem os sensos e contra-sensos humanos, avaliações que meçam a capacidade de discernimento da realidade e aproveitamento maior de mestres não digitalizados e mais bem pagos.
Quando se trata de uma cultura de inclusão é importante enxergar a informação digital mais como uma ferramenta coadjuvante do que propriamente uma arma protagonista e auto-suficiente. Um banco de dados, por mais conteúdo que possa armazenar, jamais superará o contato imediato entre seres com vocação não só para acumular, mas, principalmente, para partilhar sonhos.
Marcos André Carvalho Lins
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