A academia começa a aprender com as transformações culturais contemporâneas e abre espaço para estudos multidisciplinares.
SALVADOR – A atuação da academia brasileira ajuda a levantar temas importantes para o Estado democrático na história. Contudo, o conhecimento da universidade brasileira é criticado constantemente por atuar distante da realidade política e social do país. O III Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, realizado entre os dias 23 e 25 de maio, em Salvador, mostra que alguns setores da academia estão buscando a inter-relação entre as diversas áreas de estudos procurando pesquisar, identificar e oferecer soluções para problemáticas reais contemporâneas.
Para Bruno Cesar Cavalcanti, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Alagoas, as políticas e a universidade devem tirar mais lições das transformações que acontecem informal e rapidamente na sociedade: “Esses fenômenos têm muito a dizer. Muito mais do que as lições de casa aprendidas e repetidas por todos nós”.
O pesquisador do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas – RJ, Antonio Carvalho Cabral, entende que a academia brasileira é excessivamente teórica. Em alguns lugares, começou um trabalho de identificação dos problemas reais e pesquisas procurando mudanças, mas considera que ainda existe muito ranço.
“Hoje tem muita gente na academia que está tentando trazer o conhecimento acadêmico para resolver os problemas reais. As pesquisas hoje procuram mais compartilhar o conhecimento. Temos muito a evoluir ainda. Não adianta termos grandes pensadores e o conhecimento ficar restrito às prateleiras das bibliotecas das faculdades. Se não existe o trabalho de pensamento acadêmico, as novas experiências com as tecnologias da sociedade podem ser apreendidas pela indústria e não garantido o acesso de todos às tecnologias”, considera Antonio Cabral.
Afonso Luz, coordenador do programa Cultura e Pensamento, que representou o MinC no Enecult, acredita que, além de consolidar estudos, o meio acadêmico pode amplificar a discussão de políticas públicas de cultura para o país: “É preciso a visão de uma nova universidade. Há uma pauta nova e precisamos estar preparados para enfrentá-la. Faltam estímulos e instituições que provoquem políticas inteligentes”.
Para o assessor especial do Ministério, não há contradições entre a especialidade e o diálogo dos rumos. Outros representantes do MinC acompanharam o Enecult com a intenção de absorver o conhecimento acadêmico exposto nos dias do evento.
Política de Guerrilha
O secretário da Cultura da Bahia, Marcio Meirelles, destaca a “política de guerrilha” desenvolvida pelo CULT (Centro de Estudos Multidisciplinares da Cultura da UFBA – organizador do Enecult). “Continuamos apegados às estruturas prontas. Há o medo de mudanças. A universidade tem que marcar posição política nesse debate. Estamos compartilhando a nossa embrionária experiência reconhecendo a Bahia pela sua inteligência”.
O coordenador do Enecult, Albino Rubim, acredita que a academia nunca teve uma interação forte com as políticas públicas de cultura. Para ele, nos anos 70, quando essa discussão começou, não havia grande apuro na academia brasileira sobre o tema. “Depois veio a época de vacas magras. Nesse momento de abertura do debate no Brasil, nós, acadêmicos, temos o desafio de unir os esforços dos setores dentro da universidade. É que as políticas culturais estão completamente dispersas entre os campos de estudo acadêmico. Com raras exceções, existem espaços para pensar esse estudo multidisciplinar”, considera Rubim. Para o organizador do Enecult, existe um canal de diálogo com o governo que pode ser aprimorado: “O grande ganho com Gil é o diálogo que foi aberto com toda a sociedade”.
Já o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Fábio Sá Earp, é mais pessimista e diz que não existe relação alguma entre a universidade e as políticas culturais: “A universidade não enxerga que existem problemas”.
Mattelart lembra ainda que a academia não se resume à produção intelectual docente. “Falta interação com os estudantes. Os estudantes é que precisam apropriar-se desse debate. Toda a sociedade precisa se envolver nessa discussão e os estudantes podem fazer essa relação mais profunda entre a academia e as políticas”, conclui o pensador.
* Carlos Gustavo Yoda acompanhou o III Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, entres os dias 23 e 25 de maio, a convite da organização do evento.
Carlos Gustavo Yoda
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