Cidade catarinense implanta o programa Desenvolvimento pela Cultura, cria lei de estímulo e aposta em ações que valorizam a diversidade e as manifestações locais
Joinville, cidade catarinense com cerca de 481 mil habitantes localizada a 180 quilômetros de Florianópolis, transformou-se numa referência no campo da cultura. Não há nenhuma publicidade ostensiva buscando sedimentar a idéia. Num trabalho quase silencioso, a Fundação Cultural de Joinville (FCJ) faz a diferença num Estado no qual os produtores e agentes culturais debatem-se com denúncias de descumprimento na lei de incentivo estadual que recentemente chegaram, inclusive, ao Ministério Público Estadual. A FCJ tem uma política de cultura, defende um conceito, um fio condutor e, melhor, tem um projeto de longo prazo. Situação rara. Democratização das ações, estímulo às artes, preservação do patrimônio cultural, equipamentos e comunicação e parcerias são as cinco área de atuação. O Edital de Apoio à Cultura, criado em 2005, e o Sistema Municipal de Desenvolvimento pela Cultura (Simdec), implantado em 2006, ganham elogios por suas singularidades e são apontados como uma das maiores conquistas para o setor.
A FCJ também valoriza as manifestações locais e realiza atividades voltadas para as comunidades, com eventos já consagrados como o Festival de Dança, a Escola Bolshoi, a Coletiva de Artistas, a Casa da Cultura, e um dos mais significativos patrimônios arqueológicos do homem sambaquiano no Brasil guardados no Museu Arqueológico do Sambaqui, onde há cerca de 10 mil peças da pré-história da região.
O “Relatório de Atividades FCJ 2005” ajuda a dimensionar o que faz uma equipe estimulada, que atua em sintonia e na mesma direção. O programa “Desenvolvimento pela Cultura” agrega as principais ações do primeiro ano do prefeito Marco Tebaldi. “Como principal pólo econômico e cultural de Santa Catarina, entendemos que Joinville tem muito a mostrar, mas estava faltando a identificação, valorização e estímulo destas manifestações. Como gestores municipais, cabe a nós esse papel. E é isso o que passamos a fazer de corpo e alma”, afirma Tebaldi na apresentação do seu relatório.
Caravana da Cultura, Concertos Matinais, Sábados Culturais, Ciclos de Cinema e as atividades da Casa da Cultura, associadas a outras ações, além de envolverem os moradores também chamam a atenção dos produtores e agentes que, curiosos, acompanham a implantação do Simdec, um conjunto de medidas criadas pela Lei Municipal 5.372/05, regulamentada pelo Decreto 12.839/06, que pretende estimular a produção e execução de projetos culturais. A lei prevê a destinação de valor equivalente entre 2 a 3% da receita anual do Imposto sobre Serviços (ISS) e do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Neste ano, disponibilizará o montante de R$1,6 milhão, destinando 50% do valor ao Fundo e 50% ao Mecenato, como renúncia fiscal. O primeiro repassa diretamente os recursos aos proponentes de projetos aprovados pela Fundação e mantém a obrigatoriedade de 50 a 60% do montante para o Edital de Apoio à Cultura, um pedido do meio cultural atendido em 2005 e que destinou R$300 mil para projetos de história em quadrinhos, curta-metragem, gravação de CD, mostra de fotografia e lançamento de livros, entre outros. Já o mecenato permite a captação de verbas junto aos contribuintes do ISS e IPTU.
Outro diferencial é a possibilidade de utilização de recursos para a recuperação de bens reconhecidos como patrimônio cultural. Projetos vencedores não precisarão pagar os percentuais legais para o imposto de renda. Não será efetuado pagamento de prêmio e sim destinação de recurso, evitando o pagamento de tributos. A decisão foi adotada depois de várias consultas aos departamentos legais do governo federal e à Procuradoria Geral do Município. Foi extinta esse ano a obrigatoriedade da contrapartida social. O acompanhamento estará sob a responsabilidade do Conselho Municipal de Cultura e da Secretaria da Fazenda.
Conceito – Com apenas 35 anos, advogado especializado no direito constitucional, Rodrigo Bornholdt é vice-prefeito de Joinville e presidente da FCJ. Na gestão cultural entende que a tarefa está só no início e que ela transcende uma gestão. Sabe que, sim, é preciso privilegiar e ter um forte diálogo com a classe artística, mas o trabalho tem de ir além, precisa estar voltado para toda a população.
O ser humano é a referência do programa “Desenvolvimento pela Cultura”. Admite-se, segundo Bornholdt, um componente econômico, mas não uma visão economicista da cultura. Valorizar a autenticidade de um povo, da comunidade, sugerindo fontes alternativas de renda é um dos objetivos do projeto que “não vê a cultura de um modo hermético e nem autista”.
O programa segue as recomendações da Agenda 21 da Cultura, um documento que une mais de 50 países interessados em priorizar ações neste campo que possibilitem o desenvolvimento sustentável, agregando valores fundamentais à cidadania. “Nos bairros, procurou-se fortalecer a participação da comunidade em atividades que valorizam talentos locais e discutem a identidade com pluralidade.” A constituição brasileira, lembra ele, consagra a diversidade cultural, mas ela não pode significar a ausência de estímulo às autenticidades de um povo. Joinville, exemplifica, tem várias culturas dentro da cidade, embora já existam entre elas vários pontos de contato. “A zona sul é diferente da norte. Pirabeiraba é o distrito que se conservou tradicionalmente mais alemão”, situa. A visão de mundo dos grandes centros para as cidades médias ou pequenas, ou seja, o multiculturalismo e a diversidade podem se confundir com enfoques massivos impostos pela mídia e determinantes no sufocamento das manifestações locais. Cuidadoso, alerta que os meios de comunição não podem ser desconsiderados na formulação de qualquer tipo de política ou ação cultural. Com largo alcance, eles asseguram entretenimento, informação e formação. O desafio, em sua concepção, é procurar interagir e criar espaços alternativos abertos à população.
Sobre a implantação do Simdec conta que ocorreu um trabalho político forte em favor de sua aprovação. A classe artística ajudou muito, organizando mobilizações na Câmara de Vereadores. Um dos êxitos da gestão é o aprimoramento do diálogo com os produtores e agentes que se incorporaram ao trabalho, como é o caso da Associação Joinvilense de Teatro (Ajote), entidade que conduz, com o respaldo da FCJ, a sala de espetáculos instalada na Cidadela Cultural Antarctica, uma antiga fábrica que a Prefeitura quer transformar num centro de cultura e lazer. Os primeiros frutos do Edital de Estímulo já foram sentidos. Ele permitiu que mais de 3 mil pessoas assistissem aos espetáculos, peças e outras atrações que se espalharam do centro para os bairros. O Fundo e o Mecenato, que encerraram as inscrições em junho, estão em andamento.
Outro avanço está relacionado ao patrimônio histórico. Um programa iniciado em 2003 fortaleceu-se a partir de 2005 com a Comissão do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Natural de Joinville que coordena os processo de tombamento de prédios com relevância histórica ou arquitetônica, impedindo demolições. A gestão enfrenta fortes críticas das imobiliárias e empreiteiras. “Na defesa do patrimônio histórico serei intransigente, irei às últimas conseqüências. Só serei maleável no sentido de oferecer opções dentro de uma política de proteção”, diz o gestor.
De olho no futuro – A construção do Museu de Arte Contemporânea MAC-Schwanke, idealizado com o Instituto que leva o nome do artista Luiz Henrique Schwanke (1951-1992) e que deverá ser instalado na principal edificação da Cidadela Cultural, é um dos três projetos macro que buscam a dinamização da cidade. Os outros dois são a instalação de um estúdio de cinema e o prédio da Escola Bolshoi com assinatura do arquiteto Oscar Niemeyer.
O MAC-Schwanke é “o mais baratinho”, envolve cerca de R$5 milhões e poderá ser concluído num prazo de seis anos. O da Escola Bolshoi está em vias, mas depende de decisões e apoios políticos. O estúdio de cinema é mais embrionário, mas já com vários estudos comparativos. Em dez anos, se tiver um Executivo envolvido com a economia criativa, é possível concretizá-los, crê Bornholdt. Por estar mais adiantada, ele analisou a implantação do museu que, sob o ponto de vista econômico, irá atrair turistas. No campo educacional, será um valioso suporte na formação de alunos da rede escolar pública, privada e universitária. Acredita também que ele se transformará numa referência no sul do Brasil, como já ocorre com o Museu do Olho em Curitiba (PR) e os equipamentos culturais do Rio Grande do Sul. Em Santa Catarina não há nada comparável ao projeto, garante.
Na ponta do lápis, se analisados os custos, sabe que fica só no papel o desejo de trazer a Joinville grandes obras, como uma ópera, por exemplo. Entre gastar R$500 mil para um grande espetáculo ou para o aperfeiçoamento de produtores e trabalhos locais que possibilitem o acesso de um maior número de moradores, ganha o segundo. “É preciso fazer opções”, simplifica.
Néri Pedroso