As leis de incentivo à cultura se baseiam em essência no princípio da Renúncia Fiscal. Nelas o poder público abre mão da cobrança de um percentual do imposto, seja Federal, Estadual ou Municipal, para que a iniciativa privada passe a investir em determinado setor cultural.

Essas leis são uma tendência na economia da cultura mundial. Nos Estados Unidos e nos Países da Europa, possuem semelhança na forma de subsídios e patrocínio da cultura, seguem, assim, o modelo de administração direta. Já na Grã-Bretanha há certa similaridade com Brasil, onde se aplicam a administração indireta propiciando, dessa maneira, um contexto favorável as empresas privadas, conforme examinaremos a seguir.

Com o surgimento das leis de incentivo, aumentou o interesse do mercado da cultura, segmento esse que cresce cada vez mais. Em 2010 a economia da cultura alcançou 5% da economia nacional, isso é positivo para a economia cultural e para cadeia artística. O fomento gera emprego e aumenta a relação de trabalho, calcula-se que 5% dos trabalhadores participem desse mercado.

É de competência comum da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, proporcionar os meios de acesso à cultura[1]. Nesse sentido a Constituição Brasileira de 1988 definiu com maior precisão que o Estado deveria considerar “cultura” como esfera de atividade pública.

No Brasil, a Lei nº 7.505, de 02 de julho de 1986 (Lei Sarney) já previa a concessão de benefícios fiscais federais, sob o imposto de renda na modalidade de mecenato concedidos a operações de caráter cultural ou artístico.  O Estado contribuia com maior parte por meio da renúncia fiscal, naquela  época críticava-se, que se de um lado tínhamos a prestação de contas , de outro não existia um controle efetivo sobre os projetos.  Em 1991, foi criada a Lei  n° 8.313,  conhecida como a Lei Rouanet,posteriormente foi regulamentada em 1995, através do Decreto n° 1.494/95, que institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac). Esse  novo diploma legal, restabelecendo “princípios” da Lei Sarney, nas palavras de Carlos Alberto  Dório, tinha como objetivo “captar e canalizar recursos para o setor”, de modo a contribuir para a gestão pública da cultura. A diferença era sutil, mas essencial[2].

Hoje se discute a reforma da Lei Rouanet. Entre as críticas, que embasam a necessidade de mudança desta legislação, destaco duas que considero importantes: Primeira é de que a Lei deveria estabelecer critérios para maior distribuição dos recursos entre as cadeias produtivas culturais e entre as regiões, já que hoje em sua maioria, estão concentrados na região Sudeste. Desta forma proporcionaria uma distribuição mais equilibrada. Segunda, é a forma de administração indireta que facilita o setor privado e conseqüentemente a própria inversão de valores.

Nas leis de renúncia fiscal, o Estado abre mão de uma parte do imposto e transfere o poder de decidir para as empresas. Essas possuem autonomia na hora de escolher quem irão patrocinar, se utilizando para isso de recursos públicos. Tais instituições optam por escolherem quem já está inserido no mercado cultural: grandes eventos, artistas de renome, instituições culturais já reconhecidas e desta forma só alguns são beneficiados. O financiamento público acaba favorecendo as empresas privadas, e invertendo a lógica, sendo elas consideradas os grandes patrocinadores das artes.

CHIN TAO WU, em seu livro a Privatização da cultura[3], descreve sobre a intervenção corporativa nas artes, o interesse do sistema privado em investir no setor cultural, o que caracteriza essa inversão de valores, e por isso questiona-se a liberdade e o crescimento de investimento neste mercado, com o uso de recursos públicos.

Desta forma se estabelece o financiamento da cultura por intermédio de renúncia fiscal, deixando de lado a principal missão pública, que seria o de articular a democracia cultural.

Um dos critérios das leis de incentivo, do ponto de vista conceitual, é o investimento em projetos com maior “interesse social”, a ampliação do acesso à arte pela população. A Lei Rouanet, por exemplo, hoje estabelece critérios que inclui as três dimensões da cultura, são elas: Expressão Simbólica, Cidadania e Economia.

A Dimensão Simbólica traz uma abordagem antropológica, nas diferentes formas que a cultura brasileira se manifesta. É também uma forma de estimular a valorizar o capital simbólico, os laços de identidade entre os brasileiros. A Cidadania significa dar acesso aos bens e equipamentos culturais, no Brasil ha uma grande desigualdade, apenas uma pequena parcela da população brasileira tem o hábito de freqüentar teatros, museus ou cinemas. Sem contar que, as infra-estruturas, ainda estão concentradas nas em regiões centrais, ou seja, a maioria da população não tem acesso.

A econômica é para a realização das políticas públicas, para evitar os monopólios comerciais e estimular as atividades que geram rendimento financeiro nas atividades culturais. Isso reafirma o conceito de Economia da Cultura com o lançamento de políticas públicas, estudos de cadeias produtivas e capacitação dos agentes deste setor.

No entanto, a maior parte dos projetos hoje aprovados pelo MinC e executados, nem sempre contemplam esses critérios. E ainda, a falta de fiscalização por parte do Ministério, proporciona o surgimento de museus, fundações culturais, salas de espetáculos, que estão à disposição de um público específico e reservado, muitos inclusive com cobranças de ingressos não acessíveis a população em geral. E, que por muitas vezes são confundidas com patrocínios privados. Poucos sabem que são mantidas e financiadas com dinheiro público.

As leis de incentivo à cultura possuem por fundamento: a preservação do patrimônio cultural, acesso à cultura, estimulo à criação artística, democratização aos recursos públicos e difusão cultural.

Ocorre que a grande parte da sociedade ainda é carente e desconhece tais recursos, por outro lado há poucos que conhecem, centralizando e utilizando-se muitas vezes de forma não apropriada fugindo de tais critérios.

No entanto, apresentar uma nova Lei ou estabelecer novos critérios para descentralização dos recursos, em área geográfica e aos produtores culturais, não basta, é importante lembrar que as leis de incentivo têm em seu papel principal, como refere a nossa Constituição, acessibilidade e difusão da cultura.

Nesse sentido, o poder público poderia investir na maior participação da sociedade, na superação das desigualdades e diferenças regionais.

Desta forma poderia apoiar a difusão e a promoção do mercado cultural, se for democrático e atender as finalidades das leis de incentivo. Não há problemas, o mercado da arte ainda está à espera, e afinal, ganhar dinheiro com arte não é nenhum pecado.

Assim, é por meio de uma política de equilíbrio, unindo os interesses públicos e privados, que podemos fortalecer as leis de incentivo, em especial a Lei do Mecenato. Nesse ponto a Lei de nº 8.313/91 assume um papel importante: incentivar a iniciativa privada a patrocinar mais projetos culturais, desde que, valorizando a cultura, o interesse social e respeitando a fonte de recursos, que é em última análise, o orçamento público.

Adriana Donato

Gestora Cultural, Pesquisadora em Política Cultural e Economia da Cultura

[1] Art. 23, inciso V da Constituição Federal.

[2] www. pphp.uol.com.br/tropic


contributor

Artista Visual, Pesquisadora em Gestão e incentivo em Artes Visuais. É Gestora Cultual, Curadora e Parecerista do Ministério da Cultura.

9Comentários

  • Carlos Henrique Machado, 26 de janeiro de 2011 @ 20:50 Reply

    Adriana

    Vejo em seu artigo uma sincera preocupação em que se construa um modelo honesto e ético de compartilharmos de uma agenda cultural com características de políticas voltadas à sociedade. No entanto, a nossa própria história revela que não será através de modelos de negócios importados que teremos o resultado sonhado.

    Pelo que entendi, segundo Renata Truzzi que participou do encontro anual do IFC (International Fundraising Congress)o Brasil está muito à frente no que se refere à captação de recursos quando diz… “Temos muito a ensinar sobre captação de recursos de pessoas jurídicas. Sob esse aspecto estamos à frente. Sabemos muito sobre tudo o que envolve o relacionamento com empresas e campanhas de marketing relacionado a causas. Assisti a uma palestra sobre esse tema e posso dizer que no Brasil fazemos melhor”.

    Mas não é só ela como sugere a matéria.

    Michel Freller, diretor da ABCR (Associação Brasileira de Captadores de Recursos) e também da consultoria Criando, também avalia como positiva a participação no evento do IFC. E coincide com as observações de Renata Truzzi. “O Congresso foi muito bom e bem organizado. Houve bastante foco na captação de recursos da pessoa física. Então, a pergunta que se coloca é se eles não têm expertise na captação de recursos da pessoa jurídica ou se nós, brasileiros, sabemos mais sobre o tema.

    sss://captacao.org/recursos/noticias/48-30o-congresso-internacional-de-recursos-tem-recorde-de-participacao

    O que quero colocar é que o Brasil tem autenticidade para captar, tanto que estamos à frente, ou seja, esse primeiro passo que no nosso caso é bem mais largo porque no exterior a captação é verdadeiramente do mecenato privado, aqui no Brasil criamos uma espécie de golpe tributário chamado Lei Rouanet que tem singularidades de expansão apenas no mecanismo de captação.

    No entanto, Adriana a experiência de vinte anos nos mostra que a abrangência dessa expansão se restringe mesmo a um mercado de captação de maneira permanente. E este é o nosso principal triunfo internacional, captar, captar e captar com a velocidade de um mercado moderno até bastante desvairado. Nisso, evoluimos rapidamente, mas a lição de casa que, em tese, deveria integrar o Brasil por sua cultura, rendeu-se à pequenez regionalista como tanto defendeu com entusiasmos fanfarrônicos João Sayad no debate ocorrido na Folha efusivamente aplaudido pelos gestores/captadores quando ele defendia os méritos culturais de São Paulo justificando a concentração pro seus méritos tributários.

    E o isso essencialmente significa? Que o gramofone de Sayad fazia uma descrição clássica de quanto esse sistema fragmenta o território brasileiro. Imagine só, naquele debate, o norte e o nordeste foram misericordiosamente mistificados até com citação ao sotaque, por Sayad, pois segundo ele São Paulo tem méritos dominantes por ser a cidade que é em termos de geração de impostos a grande capital cultutal.

    São esses os termos que estabeleceram quarteirões no Brasil. Esta é a linguagem dominante do pensamento minoritário que temos como modelo.

    Não tivemos nada parecido com um projeto de integração nacional, e sabe por quê? Mesmo que as tardes de domingo sejam iguais em todo o Brasil? Porque as pessoas dentro dessa redoma não conseguem olhar o Brasil nem de sua sacada. Os esrcitórios herméticos aonde são constituidas todas as normas administrativas que vão desenvolver num primeiro plano a captação, enxerga em última análise a cultura no Brasil como algo residual.

    É a alma desse negócio, enxergar o negócio em si e não o país.

    Por isso so o Estado compreende o país. Os grandes artistas e intelectuais do norte e nordeste são verdadeiros tesouros históricos na construção do Brasil que não tenho coragem de mencionar alguns, porque sei que cometerei a maior das injustiças em deixar inúmeros deles de fora, mas esse modelo de negócio não os vê, vê a cultura pelas vias de uma nota fiscal. E aí, Sayad que vive com os olhos grudados na calculadora bairrista, faz aquele vexame na hora de falar da cultura brasileira, sobretudo quando cita de forma pejorativa o Boi-Bumbá que ironicamente o maior intelectual da cultura brasileira, Mário de Andrade que criou não só a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, mas também ao lado de Capanema, ajudou a criar o próprio Ministério da Cultura, sentencia que o Boi-Bumbá é essencialmente a grande amálgama da cultura brasileira. Agora, vai explicar isso para o obtuso Sayad!

    O problema dos negócios da cultura em substituição a uma política pública se torna na realidade um estilo esquizofrênico de entender o país. E se não entendemos o país, não entendemos a Lei Rouanet como sistema que possa compreender essa aldeia que se comunica e se integra e que infelizmente está sendo fragmentada institucionalmente por esse campeonato de cultura de restituição de impostos.

    Não tem jeito, pensar o país cendendo para a tentação de um mecanismo servil ao mercado e não de uma política de Estado, é repetir o monumento de fracassos que acumulamos em vinte anos de Lei Rouanet, mesmo que tenhamos a melhor das intenções como acredito sinceramente ser o seu caso.

    Grande abraço.

  • Luu Machado, 26 de janeiro de 2011 @ 21:13 Reply

    Adriana,

    Concordo em grande parte com seu artigo e defendo os seguintes princípios facilitadores:
    1- Ações/produtos culturais que são auto-sustentáveis pelo mercado não precisam de fomento por meio de leis de incentivo, sem para isso precisar passar por um crivo qualitativo.
    2- A discussão sobre a nova Rouanet é inócua visto que em grande parte dos casos fomentou projetos que não cumpriam o requisito básico de democratização de acesso a Cultura. De que adianta uma nova lei se nem a velha era cumprida? Ou se organiza toda a cadeia de avaliação/acompanhamento dos projetos ou continuaremos dando um passo a frente e dois prá trás.
    3- Não adianta criar cotas para regiões /estados sem investimento na formação de gestores culturais. Sem essa formação difundida será criada uma horda de idôneos representantes da Cultura não conseguindo elaborar, executar, captar ou prestar contas de projetos legítimos. Criação de um fundo para formação de gestores para cada unidade federativa levando em consideração população, área, etc..
    4- Definição de um limite de R$200.000,00 por CPF ou R$ 400.000,00 por CNPJ, afim de que só possam ser renovado ou apresentado outro projeto após a prestação de contas /comprovação de execução (os auto-sustentáveis automaticamente se desinteressariam do mecanismo).

    Bastante simplista minha linha de raciocínio, não?

    Se possível comente.

    Abraço,

    Luciana Machado

  • Adriana Donato, 7 de fevereiro de 2011 @ 21:45 Reply

    Concordo que o produto cultural deveria se sustentar pelo mercado em si sem precisar de fomento, no entanto, isso ainda não é possível, por isso foram criadas as leis de incentivo à cultura; a discussão é de que elas devem fomentar e não controlar ou propiciar má distribuição dos recursos.

    A Lei Rouanet não precisa mudar. Em minha opinião a Lei é muito boa e eficaz, a sociedade é que precisa mudar, o jeitinho brasileiro precisa mudar. Por ser tratar de recurso público é legitimo a democratização de acesso a cultura. Assim como, para o produtor de cultura é vantajoso, porque quanto maior o acesso, maior a propagação do seu produto.

    Sobre as cotas por regiões, concordo com a questão de investir em formação de gestores, o MinC tem feito isso, mas não sei se está sendo suficiente. De qualquer forma não há como ignorar que a concentração dos recursos na região Sudeste é um problema, porque isso gera uma desigualdade, uma vez que a Lei 8.313/91 foi criada para incentivar a cultura brasileira, com recursos provenientes de impostos pagos por todos os cidadãos de norte a sul.

  • gil lopes, 8 de fevereiro de 2011 @ 11:52 Reply

    O incentivo é a cultura, seja ela, russa, japonesa, argentina, ou mexicana. A lei incentiva a cultura de um modo geral. Acontece que todo sabe que existe uma hegemonia na produção cultural mundial, poderosa, competente e suportada pela midia global. Não dá pra fingir que isso não existe. Portanto ficamos sem um instrumento específico para incentivar a produção do conteúdo nacional, um incentivo a cultura nacional. Não dá para um novo dramaturgo competir em igualdade de condições com a máquina da Broadway por exemplo, então teremos mais Broadway que novo dramaturgos nacionais por exemplo. A empresa na hora de optar não tem nenhum benefício adicional ao escolher o produto nacional, que de resto fica por conta das empresas estatais.
    A lei trata como iguais o que é desigual, o incentivo fiscal não pode ser o o mesmo para o produto nacional ou estrangeiro…não é assim em nenhuma parte do mundo, como é lógico, nem no paraguai, nem na Argentina, nem nos EUA, nem na Inglaterra. Por que é assim aqui?

  • Carlos Henrique Machado, 8 de fevereiro de 2011 @ 17:18 Reply

    A grande questão prática Adriana e Gil, é o que fazer com a soberania da cultura brasileira. O sistema da Lei Rouanet é por si só transgressor e, por isso não enxerga fronteiras. Isso nada tem a ver com vontade política. A questão é que a força normativa das instituições supra-nacionais impôs sozinha dentro do território brasileiro a sua vontade política e econômica sem oferecer nenhuma cartilha para a infraestrutura que pudesse construir um Estado nacional aonde a democracia cultural de fato pleiteasse um assento nessa relação.

    Os pontos de cultura ainda dependendo de um processo técnico no seu entorno alcança um espectro com êxito político e social que, se não tem comportamento compatível com os institutos e fundações privadas que são os maiores sanguessugas do dinheiro público, os pontos excepcionalmente fundam em cada território do Brasil uma nova corrente de transmissão. Isso em última análise, significa que as andorinhas podem derrubar a força normativa do Gaviões,(institutos e fundações privadas) num futuro próximo pela solidariedade social e não pela competitividade do mercado como parece ser o desejo dessa nova gestão do MinC.

    Os pontos de cultura impõem outras formas de relações interpessoais, no chão, na produção cotidiana, loge das técnicas hegemônicas construindo um outro processo de criação e fomento.

    A Lei Rouanet, Adriana, não paga o pato que come, simplificando, quero dizer que, em termos concretos, ela é deficitária na balança custo/benefício, quando as contas são feitas ali na batata. É uma produção de prejuízos aos cofres públicos. E aí, quando cobrados, jogam com o artifício do “imaterial de almeida”, deixam de ser capitalistas e passam a defender com unhas e dentes a mesma teoria do medalhão de Machado de Assis, “prefira a metafísica”.
    E assim vão construindo seus edifícios fazendo covas uma após outra para enterrar as manifestções culturais do Brasil.

    Ana de Hollanda, em seu discurso, propõe que a produção foi excluída, que o pensamento agora é outro e que devemos ter consciência da “divina luz” do criador, do compositor, sobretudo. Deveria eu me alegrar, cambalhotar, mas pelo visto a ideologia não é bem a do criador, mas de determinado criador.

    Voltamos à teoria do medalhão de Machado de Assis, porque com certeza essa nova voz de comando não foi atribuída aos meus objetivos como criador, compositor. O discurso é ideológico, mas logo em seguida é apequenado pelo pensamento indiscutivelmente neoliberal com a criação de uma secretaria de mercado cultural, mesmo não sabendo em que base isso vai acontecer. E na outra mão a SID entra nà palmatória do Estado.

    Não podemos fazer políticas públicas numa mesma relação imaginando que vivemos momentos diferentes. A cultura a serviço dos homens, dos criadores e compositores não se realiza sendo entregue aos objetivos do marketing, do designer ou do mercado.

    Ana quer promover a unificação desse palanque como ideologia metafísica? Não cabe, Gil e Adriana, a lei da relatividade aí. São fatos muitos concretos e significativos, pois levantam imediatamente a impossibilidade de convívio de fenômenos tão díspares. Mercado não conhece confraternização, pior, acaba com ela, jogando-nos a uma situação de competitividade e não de comunhão.

    O nosso grande problema é que a informação é totalitária e só olha pra frente. Se olhássemos a história real do Brasil, como essa multidão construiu seus objetivos culturais fora da cerca elétrica do burgo, entenderíamos melhor como multiplicam criações e espaços espontâneos neste país fora desse “movimento intelectual” das divinas individualidades.

    Nessa nova situação está sendo muito comum trazer como valor ideológico a criação de Cartola, Pixinguinha, Nelson Cavaquinho etc. chega-se ao cúmulo de dizer que Chiquinha Gonzaga é a matriarca do ECAD. Pixinguinha, Cartola, Nelson Cavaquinho em seus anonimatos jamais conseguiriam furar a barreira dos medalhões, aliás, os medalhões assim se fizeram as custas da pobreza desses músicos.

    Portanto, Gil e Adriana, não há responsabilidade com esse sistema via Lei Rouanet com o país, nem com o mercado, com nada. A grande realidade que vivemos durante vinte anos de um mercado cultural regido por essa similistronca chamada Lei Rouanet já nos dá um panora exclusivo do que vem por aí com essa secretaria de economia rumo à indústria criativa.

  • gil lopes, 9 de fevereiro de 2011 @ 11:52 Reply

    É devagar, é devagar, é devagarinho…nem se deu tempo e já há siderados em contradizer a Ana. Assim como antes contradiziam o Juca…e assim vamos, malhando um Judas de cada vez e uma turma de cá, depois outra turma de lá, esse tem sido o movimento e não é por outra razão, talvez a maior de todas, que nos encontramos nessa miséria que dá dó, na música, no teatro, na literatura e no cinema. Nossa pobreza cultural tem muito a ver com essa dança que a política menor nos impõe. Superá-la também é um desafio.
    Um instrumento de tamanha importância demora um tempo pra se desenvolver, formar massa crítica na sociedade, moldar as necessidades, enfim, a Lei Rouanet é uma instituição que demorou a vingar. Parece que nos damos conta dela cada dia, e a gente quer melhorá-la. A lei Rouante interessa, pode perfeitamente cumprir um papel importante no nosso desenvolvimento, mas precisa ser ajustada. Se vamos incentivar a cultura produzida no estrangeiro com isenção de impostos a seus patrocinadores daqui, muito bem em termos, mas vamos dar um diferencial para o produto nacional, para o conteúdo nacional de modo a torná-lo mais atrativo e facilitar a competição pela captação de recursos para sua realização.
    A tabuada de lucros e perdas na realização do conteúdo nacional não pode ser medida em termos matemáticos ou mesquinhos. E também não tem uma só seleção, temos várias. Ao lado de Pixinga, Cartola e Cavaquinho temos Tom, Vinicius e Chico Buarque, e temos Gilberto Gil, Caetano Veloso e Glauber, temos Amado, Graciliano e Ferreira…temos muita gente, somos um gigante. Os famosos e os que não ficaram tão famosos, os educados e os sensitivos, os geniais, e temos também os que jamais serão famosos, os desconhecidos, e daí? São todos brasileiros. Não temos por que idolatrar a pobreza, mas a nossa capacidade de superá-la.
    O discurso para acabar com a lei amplifica nossas perdas, não projeta nada e nenhuma recuperação do estrago que o erro na letra jurídica tem provocado. O discurso para acabar pode estar enganado.

  • gil lopes, 9 de fevereiro de 2011 @ 12:05 Reply

    A teoria da conspiração explica tudo, no entanto estamos construindo nossa democracia e portanto, para aprimorar a lei Rouanet é preciso considerar no Congresso um incentivo adicional ao conteúdo nacional de modo a dar mais competitividade a ele na captação de recursos para produção de produtos culturais no país e desenvolvimento da industria criativa nacional. Dessa forma poderemos correr atrás do prejuízo que a forma da lei contém. Estimular o investimento na economia criativa nacional passa por esse ajuste na lei Rouanet. Acabar com ela seria amplificar seus prejuízos.
    O lucros e perdas da cultura é diferente do top dez da semana, Maracanã lotado não é sinônimo de bom futebol, depende…no edifício da cultura há conhecidos e desconhecidos, sucessos e fracassos, a resultante é uma tensão disso tudo…

  • gil lopes, 9 de fevereiro de 2011 @ 15:12 Reply

    E antes que eu me esqueça, a grande questão NÃO É o que fazer com a soberania da cultura brasileira, a questão é a soberania…essa mesquinharia do que fazer com ela é pretexto para não assumi-la, é entreguismo…vamos exercer a soberania da cultura brasileira e faremos…

  • Carlos Henrique Machado, 10 de fevereiro de 2011 @ 10:41 Reply

    O IMPERIO DO JABÁ.

    Uma otima materia de Mauro Dias nesses dias da Industria do jabá.

    sss://www.digestivocultural.com/ensaios/ensaio.asp?codigo=129&titulo=Sobre_o_Jaba

    A música brasileira entrou num impressionante processo de decadência. Errado. A música brasileira continua boa como sempre. Há grandes compositores, cantores, instrumentistas. Mas não é possível dizer que estejam em atuação. Tentam atuar. Não têm onde. Tentam viver da arte – tolice. São dentistas, fiscais do INSS, professores, motoristas de táxi, balconistas, colunistas de jornais – essas atividades garantem a sobrevivência. Tomam tempo – a criação artística, que é a atividade principal (estamos falando de artistas) acaba sendo deixada para as horas possíveis. A música brasileira que toca nos rádios, na televisão, nos grandes palcos, nos estádios, nas festas de São João, no carnaval, nas convenções de criadores de gado é que está em decadência. E só ela que aparece. A outra música, a boa, existe, mas não aparece. A culpa é dos radialistas, dos que montam trilhas sonoras de televisão, dos executivos das gravadoras, dos produtores de discos e espetáculos, dos marqueteiros da indústria de entretenimento. Essa gente criminosa está transformando, conscientemente, coração em tripa. É responsável pela seleção do que você ouve e deixa de ouvir. Essa gente está assassinando o que há de mais rico em nossa produção cultural. E ganhando muito, muito, muito dinheiro.

    É essa a idéia. Ganhar dinheiro, e dane-se o resto. Um disco, na indústria, não é chamado de disco, mas de “produto”. O produto precisa vender. Para que o produto venda, precisa ser exibido. Até agora, apenas regra de mercado, nada demais. No entanto, para que seja exibido, paga-se ao exibidor – ao programador de rádio, ao apresentador de programa de auditório televisivo. Como são muitos, os produtos, sobe o cachê do exibidor. É uma prática antiga, tem até nome: jabá.

    Paga-se o jabá para que a música toque, sempre foi assim. Mas o mecanismo perverso foi ficando mais perverso. Quem pode pagar mais, consegue maior número de execuções. Isso é reproduzido no País inteiro. Quem pode pagar mais, escolhe o que você vai ouvir. E você fica achando que é só aquilo que se produz de música. Porque é só aquilo que está ao seu alcance. Quem não paga, não toca. Não existe.

    Há alguns anos, uma igreja evangélica comprou a rádio FM Musical, de São Paulo, capital. Era uma rádio que só tocava música brasileira. Praticava o jabá, como todas, mas como a audiência era menor, o preço era menor. O que permitia o acesso às ondas sonoras a alguns artistas menos conhecidos – os tais que são dentistas ou fiscais do INSS. Às vezes, até sem pagamento de jabá programava a execução deles. Misturava um pouco de “música de mercado” e de música de verdade. Talvez por isso não tenha resistido. Há práticas alternativas de jabá. Um famoso letrista fez um disco independente, comemorativo de tantos anos de idade e de carreira. Armou pequeno esquema, alternativo, de distribuição do disco. Fiou-se, talvez, no nome famoso. Ouviu dos intermediários dos programadores de várias rádios: “Dá um aparelho de fax para ele que ele toca seu disco.”

    O retorno do investimento dos que pagam mesmo o jabá, o dinheiro alto, sai da venda de discos e shows, da venda de bonecos, camisetas, roupinhas para crianças, sorvetes, biscoitos, bicicletas, sandálias, lancheirinhas, pegadores de cabelo, batons, perfumes, roupas de cama e banho, coleções de lápis de cor ou o que se possa imaginar que possa ter estampada a marca do “ídolo”. O “ídolo”, por seu turno, cumpre a maratona de estar presente em todos os programas televisivos de auditório, garantindo audiência que vende os anúncios que sustentam os programas e fazendo a roda rodar, o preço subir. A presença do “ídolo” pode mesmo ser indireta: o apresentador Raul Gil, da TV Record, prepara novos consumidores da bunda-music promovendo concurso de imitação do rebolado da Carla Perez, ex-É o Tchan. As candidatas têm 5, 6, 7 anos de idade.

    Não há questão moral a ser considerada. O negócio é dinheiro. Um bom compositor, cantor, instrumentista vai ter de se submeter a determinados imperativos (ditados pelos que pagam a execução) ou fica de fora. Quem não entrar no esquema não aparece. Quem quer entrar no sistema precisa ter muito dinheiro – precisa pagar mais ainda, porque as “vagas” são limitadas. Se entra um, sai outro. Por isso existem as vogas, as ondas – um ano de música sertaneja, um ano de axé music, um ano de falsas louras bundudas, um ano de pagodeiros de butique, um ano de forró deformado, desforrozado (é o que se anuncia: preparem-se). E o preço vai subindo, a cada nova etapa da substituição.

    Só quem entra no esquema, claro, é a grande indústria, que tem o dinheiro – e que inventou o esquema, afinal. No início da década de 90, o compositor Ivan Lins, com seu parceiro Vítor Martins, fundaram a gravadora Velas, para dar voz a uma quantidade imensa de músicos que eles conheciam, mas que estavam fora do mercado. Nomes como os de Edu Lobo, Fátima Guedes, Almir Sater, Pena Branca e Xavantinho, Guinga. Aliás, o primeiro disco da gravadora foi o primeiro disco de Guinga. A Velas tinha uma proposta musical alternativa ao padrão imposto pela grande indústria. Montou estrutura, divulgação e distribuição nacionais. O vendedor da Velas ia ao lojista oferecer o produto. Ouvia: “Quero, mas não vou pagar agora, pago se vender.” Três meses depois, voltava o vendedor, para oferecer novo produto e cobrar o outro – que havia sido vendido. Ouvia: “Quero o novo, mas não pago o antigo, porque tenho de pagar à multinacional Tal, ou ela não me entrega a dupla sertaneja Qual & Pau.”

    Acontece que a dupla sertaneja Qual & Pau (pense na que quiser: Leonardos, Chitãozinhos, ou substitua dupla sertaneja por grupo de pagode ou por banda de axé) tem música na trilha da novela, paga para tocar em todos os programas de auditório e em todas as rádios – como o lojista pode ficar sem a dupla? Então, o lojista paga a gravadora que tem sob contrato a dupla sertaneja e não paga nunca a Velas, que tem o Edu Lobo (que infelizmente não tem música em novela nem toca em programa de auditório, muito menos no rádio). Perda por perda, o vendedor da Velas deixa o novo disco, sem receber pelo antigo – e assim a coisa seguiu. Em algum tempo, a Velas faliu. Está, no momento, porque os sócios são loucos idealistas, tentando voltar ao mercado.

    Ou seja, estamos falando de economia, de lobbys, de pressões, não de música. Disco é negócio, todos sabemos. Precisa pagar-se, dar lucro. A questão é que os executivos do mundo do disco concluíram que o povo é burro e só vai consumir música burra. Então, o executivo da fábrica X inventa um grupo de pagode, paga para que ele apareça muito, etc. O da fábrica Y diz: “Este filão dá certo, vou nele”, e inventa um grupo de pagode que imita aquele primeiro. É só o que eles fazem. Clonam-se uns aos outros. Se o Chico Buarque fosse bater à porta de uma gravadora hoje (Chico sabe disso, já disse que sabe disso) ouviria que sua música é “difícil” e não se enquadra nos “padrões da companhia”. O mesmo com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Egberto Gismonti, Edu Lobo, Tom Jobim, Noel Rosa, Zeca Pagodinho, Cartola, Nélson Cavaquinho, Wagner Tiso: todos “difíceis”, fora do padrão.

    Claro: é preciso contratar o pagodeiro barato porque ele é orientável. Faça isso, faça aquilo, cante assim, vista-se assado, vá ao programa tal, diga tal coisa, mexa as cadeiras desse modo – e, sobretudo, não faça música. Ninguém trataria assim o Chico Barque – e já que ele não pode ser tratado assim, como coisa, como objeto, como ponta-de-lança de uma campanha de vendas, então afaste-se o Chico Buarque. Ele é “difícil”.

    Enquanto isso, o ouvinte vai acostumando o ouvido com as barbaridades criadas nos laboratórios de marketing das companhias de disco – padres cantores, traseiros cantores, sadomasoquistas cantores, falsas louras cantoras, negões vitaminados cantores. E perde a capacidade de comparar – comparar com o quê? O padre cantor com o traseiro cantor? Não há diferença. O ouvinte fica sem possibilidade de julgar (na verdade ele pensa que está escolhendo o grupo pagodeiro tal, quando, de fato, só sobrou para ele o grupo pagodeiro tal).

    E os criadores… Bem, os criadores, os artistas verdadeiros, que existem, quase ninguém sabe, vão resistindo o quanto podem. Um dia, desistem – os novos Chicos e Caetanos, as novas Elis Reginas e Nanas Caymmis, os novos Jobins e Fátimas Guedes um dia desistirão. Precisam comer, vestir-se, sustentar filhos. A ganância dos executivos está promovendo um massacre da cultura brasileira que talvez não tenha similar na história da humanidade. Estão matando de fome o que temos de mais rico – nossa música. Matando de fome a inteligência e a sensibilidade

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