Em entrevista à Carta Maior, o Ministro da Cultura, Gilberto Gil, fala sobre as perspectivas de continuidade dos Pontos de Cultura
SÃO PAULO – A Teia – A Rede de Cultura do Brasil, mostra da diversidade cultural brasileira realizada entre os dias 6 e 9 de abril na Bienal de São Paulo, reuniu representantes dos cerca 400 Pontos de Cultura do projeto Cultura Viva, do Ministério da Cultura. A intenção é que o evento aconteça a cada dois anos, para que se possa fazer um balanço das atividades e integração presencial dos produtores culturais. A primeira Teia atingiu seus objetivos. Mas deixou no ar uma grande preocupação dos envolvidos: o que será dos Pontos daqui a uns anos, dependendo da conjuntura política do país, com a possibilidade do próximo governo acabar com o projeto.
A continuidade do projeto tem sido uma preocupação constante dentro do MinC. O ministro Gilberto Gil, calmamente, em entrevista à Carta Maior, afirmou que “as bases do futuro não garantem nada como tal se espera”. A relatividade das questões determina o discurso, mas o objetivo é que os Pontos alcancem sua independência.
“Depende de tanta coisa. Primeiro, da própria capacidade da comunidade, para tornar todo o conjunto sustentável. A idéia de dois anos de financiamento básico é para estabelecer um tempo mínimo de maturação e sustentação. A autonomização das iniciativas é essencial. É só continuar fazendo. O que for possível fazer no tempo que temos, faremos. Mas não é muito da minha natureza me preocupar com os resultados. Preocupo-me mais com os investimentos, não apenas financeiros, mas de energia e engajamento”, declarou Gil.
O ministro compreende que o governo federal trabalha na área cultural no princípio de “subversão estatal”, ou seja, invertendo a ordem de implementar políticas e projetos de balcão de negócios, utilizando a pareceria pública e do setor privado apenas com propostas mercadológicas e de transferir a função do estado para a iniciativa privada. “A partir da vontade do governo, é preciso passar do paradigma da autonomia para a subversão estatal. Por isso, procuramos iniciativas já existentes, ao invés de abrir editais para novas idéias. Chegamos aonde já existiam coisas encaminhadas. Só queremos ajuda-los a acertarem seu percurso”, pontuou Gil.
Sereno, o ministro diz não ter grandes preocupações com o futuro: “Precisamos agora nos preocupar com a continuidade, estabelecer a qualificação dos elementos mínimos de cada Ponto de Cultura. Precisamos manter os convênios na transgovernamentalidade, utilizando os outros ministérios. Tudo isso é muito difícil de fazer, agora imaginar o que vai ser disso daqui a quatro anos não é nossa preocupação básica. É como criar uma criança. As mães não se preocupam com quantos meses a criança vai andar, falar. As mães estão preocupadas com as necessidades cotidianas para que os processos se estabeleçam”.
MERCADO
“Uma das questões da produção do ponto de vista internacional é a criação de mercados. O espaço produtor já foi ocupado, há um certo esgotamento. A política do capitalismo, ou dos capitalismos, tem de ser baseadas na formação de novos mercados. O sistema privado precisa da complementação. As políticas públicas de inclusão são até mesmo complementares ao sucesso almejado pelo capital”, disse o ministro.
Além disso, ele acrescenta que depois do processo de privatização predatória do Estado, hoje, as empresas tornaram-se parceiras necessárias do governo: “O horizonte hoje é investimento privado e política pública. Os Pontos de Cultura nascem nesse sentido e precisam ter no sistema privado uma das fontes de escoamento. É uma visão alternativa, no sentido mais amplo e interessante que a palavra pode ter”.
EXTERIOR
O MinC está também investindo em Pontos de Cultura fora do Brasil. Já foram criados seis. E o governo espera chegar a 20 até o fim do ano. “O Brasil não é só o território que temos. Transbordamos para o mundo. É processo globalizatório. O êxodo. As populações migram. Temos mais de dois milhões de brasileiros vivendo fora do país. Eles remetem ao Brasil mais do que a soja. É algo equivalente a US$ 6 bilhões por ano”, informou Gil.
Para o ministro, o objetivo de complementar o equipamento cultural é necessário para as comunidades brasileiras dizerem-se brasileiras: “Eles também estão em interação constante com as culturas de seus locais. Esse é um contingente brasileiro carente de Brasil, carente de nacionalidade nativa. As famílias que estão lá fora sentem a impossibilidade de manterem seus filhos brasileiros”.
Matéria publicada pela Agência Carta Maior, em 14/04/2006
Carlos Gustavo Yoda