Foto: Alejandra Mavroski
Como todos sabemos a Lei Rouanet, de incentivo fiscal, tem sido o maior instrumento de financiamento da produção cultural brasileira nos últimos anos. Ela foi criada porque Ministério da Cultura (MINC) não tinha (e continua não tendo) verba orçamentária suficiente para atender a demanda nacional e o Governo entendeu que deveria incentivar a economia do setor, permitindo a interação entre empresas do mercado, produtores e instituições culturais.

O Ministro da Cultura, Juca Ferreira, apresentou um projeto que modifica profundamente essa lei, inclusive revogando-a e, por isso mesmo, criou polêmica e um clima de insegurança em muitos setores da produção cultural.

Para explicar suas razões, o Ministro tem promovido debates por todo o país, quer dizer, debates não, palestras, pois, os chamados debates de fato, nunca aconteceram. A regra sempre foi assim; O Ministro chega, faz uma exposição enorme, apresenta dados e números (muitos não comprovados até agora) e aos ouvintes, restam alguns minutos para manifestações. Essa prática iniciou-se em setembro de 2008, com os chamados “Diálogos Culturais”, que na prática demonstram ser “Monólogos Culturais”. Debate, Ministro, tem que ter regras equilibradas, onde as partes envolvidas devem ter o mesmo tempo de exposição, direito a réplica e tréplica se for o caso.

Uma das principais argumentações do Ministro Juca Ferreira para justificar as mudanças, é a concentração de recursos da Lei Rouanet (leia-se mecenato) no Sul/Sudeste. É fato que existe essa concentração, Ministro, e é extremamente importante que a combatamos, mas é necessário entender suas razões contextualizando-as no panorama demográfico e econômico brasileiro. Essa concentração reflete a tendência de outros indicadores sociais, como por exemplo, o PIB, densidade demográfica, e no caso da cultura, maior oferta de recursos e produtos culturais. Não há dúvidas quanto a necessidade de aumentar a participação das outras regiões do país, mas isso deve ser feito ampliando os recursos, número de projetos e proponentes, e não diminuindo a participação das regiões Sul/Sudeste. Aliás, analisando os números do seu ministério, verificamos que as verbas do FNC, Fundo Nacional da Cultura, (parte da Lei Rouanet) que foi criado originalmente para descentralizar recursos e encaminhá-los para atividades culturais com menor grau de visibilidade, também se concentram no Sul/Sudeste. E olhe que nesse caso, Ministro, a caneta está na sua mão. Além do que, em seu novo projeto de lei, não existe um só mecanismo que possa corrigir essa concentração. O que o Sr. tem dito é: – Deixem o dinheiro em nossa mão, que nós o aplicaremos de forma republicana. Ora, Ministro, isso é dar um cheque em branco para um gestor público, e convenhamos, gastar bem não tem sido uma das características do MINC. Em seis anos e meio, a atual gestão não conseguiu fazer os recursos chegarem adequadamente `as regiões mais carentes de produção cultural.

Em 2007, o MINC recebeu uma recomendação do TCU, para que adotasse providências no sentido de “reduzir as desigualdades regionais mediante a aplicação de recursos captados por meio da renúncia fiscal.” Sabe qual foi a resposta do seu Ministério ao TCU, Ministro? “Detectamos que o baixo investimento nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste é também influenciado pela pouca demanda originária dessas regiões, cujo acesso a informação sobre procedimentos e possibilidades de apoio e `as empresas potencialmente patrocinadoras ainda é deficitário”. E completou argumentando que, “ a concentração dos recursos é influenciada pelo fato do sistema gerencial utilizado pelo MINC para registro dos projetos e seus trâmites, não permite o lançamento de informações acerca das localidades onde os projetos acontecem. Assim os dados de captação estão orientados pelo domicílio do proponente e não do projeto. Isto faz com que muitas ações de abrangência nacional já existentes sejam contabilizadas como uma única proposta geralmente apresentada por instituição localizada na Região Sudeste”. Opa, peraí! Mas essa tem sido a nossa argumentação nesse tempo todo. Então quer dizer que nós concordamos, Ministro? E porque omite essas informações nos debates públicos, preferindo acusar artistas, produtores e agentes culturais como grandes vilões da história e responsáveis pela má distribuição dos bens sócio-culturais do país? Uma das graves causas da concentração de recursos, Ministro, chama-se burocracia, esse cancro da administração pública que impede o pequeno e menos favorecido a ter acesso aos bens públicos. Só para se ter uma idéia, a taxa de mortalidade de projetos (não passam da primeira fase de avaliação por erros de apresentação) no Norte/Nordeste é 50% maior do que no Sudeste. A burocracia do MINC é um dos principais fatores da exclusão cultural.

Quanto a afirmação de que 3% dos proponentes ficam com 50% dos recursos, índice que o MINC vem divulgando insistentemente, trata-se de uma comparação sem nenhum sentido técnico. Para chegar nele o MINC colocou na mesma conta, equivocadamente, coisas incomparáveis, como um curta-metragem e a recuperação de um prédio histórico. São projetos completamente diferentes em termos de natureza cultural, prazo de execução, número de pessoas envolvidas, custos, etc.

O senhor vive dizendo que os recursos do mecenato estão nas mãos de poucos privilegiados, os artistas consagrados, e que os mesmos devem chegar `as mãos dos menos favorecidos. No caso do nosso segmento, o teatro, as pesquisas (Base de dados MINC) apontam que a distribuição de recursos do mecenato, é extremamente equilibrada e justa. (50% para festivais, manutenção de grupos de repertório, de novas linguagens etc, e os outros 50% para médias e grandes produções). O seu único argumento em relação as essas nossas ponderações foi; ”vocês não sabem ler os números.” Seu discurso divide, joga artistas contra artistas, e presta um grande deserviço ao setor cultural. A responsabilidade de fazer políticas públicas é do MINC e não dos produtores culturais.

Recentemente a comissão que julga projetos no MINC vetou que a produção de Caetano Veloso captasse recursos da Lei para seu novo show e no entanto o Sr. deu parecer favorável a esse projeto, contrariando a comissão. Durante uma entrevista para a Folha de São Paulo, quando o repórter lhe perguntou se essa atitude não seria contraditória, parte de sua argumentação foi; “ Não sou masoquista para trabalhar só com artistas mal sucedidos, o ministério não tem vocação para irmã Dulce ou para Madre Teresa de Calcutá”. Como assim? E mais adiante, quando ele lhe pergunta porque os critérios que serviram para aprovar um nome consagrado como Caetano não foram aplicados no caso de musicais como “Miss Saigon” e “Peter Pan”, e exposições como “Leonardo da Vinci”, o senhor respondeu; “Não vou aqui responder casos”. Como assim, Ministro? Dois pesos e duas medidas? (Só para constar, entendemos que tanto Caetano quanto as outras produções citadas acima são mais do que merecedores de receberem recursos da Lei Rouanet.)

Concordamos que mudanças devem ser implementadas para corrigir as eventuais falhas e distorções que ocorrem na utilização da Lei Rouanet, só não concordamos é com seu diagnóstico sobre esses eventuais problemas. E quando o diagnóstico está errado o remédio pode ser fatal. Os efeitos da Lei Rouanet são infinitamente mais positivos do que negativos, superando expectativas, financiando também projetos que deveriam estar sob responsabilidade do FNC. É só vermos o tamanho da economia da cultura hoje em nosso país. O IBGE apontou que a indústria cultural e do entretenimento é responsável por 5% do PIB brasileiro, isso significa muitos empregos, e geração de renda, justamente o que o Presidente Lula vem cobrando como necessidade para nosso país. Além disso, as propostas do seu novo projeto de lei são vagas, não apontam soluções, parecem mais programas de certos candidatos em época de eleições, prometem muito, mas não dizem como vão realizar. E como agravante, em pleno momento de crise, não enxergamos nenhuma ação do Ministério da Cultura para dar suporte e estímulo ` a produção.

As suas considerações durante os “debates”, Ministro, condenam a lei Rouanet como se ela fosse responsável pela má execução das políticas públicas para a cultura. Esse papel é do MINC. Se o Sr. colocasse toda a sua energia e capacidade de convencimento num projeto de fortalecimento do MINC, para que conseguíssemos aumentar os recursos orçamentários da pasta, sem diminuir ou transferir os já existentes, teria a seu lado toda a comunidade cultural, essa, é a grande reforma que precisamos fazer, convencer nossos governantes a tratarem a cultura brasileira com a devida importância. Temos que alcançar o mínimo desejável de 2% do orçamento da união, hoje temos só 0,6%.

Suas considerações, condenam também a todos que se utilizam da Lei Rouanet, através de insinuações generalistas de mau uso dos bens públicos, criando na opinião pública uma falsa impressão de que nós artistas e produtores culturais vivemos usurpando os bens públicos. O Sr. está legislando pela exceção. Basta de insinuações, Ministro, o MINC tem o dever e obrigação de fiscalizar. Que faça seu trabalho. Se ilegalidades houverem, que se cumpra a lei, mas por favor não manche nossa reputação e credibilidade, pois vivemos delas e não de aposentadorias vitalícias.

E finalmente, gostaria lembrar que através da consulta pública convocada pela casa civil, nossa entidade enviou propostas para a reforma da Lei Rouanet, onde, entre outras, elencamos sugestões para descentralizar os investimentos para a cultura. Esperamos ter contribuído de alguma forma e continuamos `a disposição para debater e aprofundar o importante processo de renovação da política cultural brasileira.


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Ator e produtor de teatro, Odilon Wagner é presidente da Associação de Produtores Teatrais Independentes (APTI).

1Comentário

  • Dulce Nunes, 7 de julho de 2009 @ 2:27 Reply

    Odilon

    Bravo, bravo! Afinal, uma visão realista do nosso Ministro da Cultura! Seu texto merece ampliação! Sinaliza com detalhes os meandros obscuros do discurso e das atabalhoadas intervenções do nosso Ministro da Cultura. Quanta mídia, quanta energia mal aproveitada! Este camaleão distorce a realidade para servir a seus propósitos cada vez mais claros de se apropriar das verbas de patrocínio da iniciativa privada certamente no intuito de favorecer protegidos políticos. Aquela pobre gente lá do norte, pau pra toda obra, aquela gente pura que vem sendo usada a torto e a direito sem nem se dar conta.
    Nosso Ministro quer também uma lei que o faça reinar absoluto, podendo decidir que tipo de projeto cultural é melhor para o povo. Melhor para quem? “Para o povo!”dirá ele.
    Precisamos da divulgação maciça da verdadeira face do nosso Ministro da Cultura. A Câmara e o Senado precisam ler seu texto, Sr. Odilon. Onde será que o Ministro quer chegar com este carnaval todo? Dá pra acreditar que depois de desmantelar tudo ele vai conseguir botar alguma coisa no lugar???

    Dulce

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