Ah, vá. Permitam -me a volta aos meus treze anos. Quando o meu sonho era ter 17, tocar guitarra e ser jornalista. Vivia dentro de um córrego que passava dentro da escola, que ficava na periferia de Campo Grande, MS, escola quase rural, num bairro com nome indígena: o Guaicurus.
Onde matávamos aulas de inglês para comer manga nas árvores ao mesmo tempo em que íamos correndo toda segunda-feira, disputar o Folha Teen, encarte da Folha de S. Paulo, só para saber quais eram as novidades da música. Era 1999, eu gostava de Ramones, tentava negar os Backstreet Boys em minha vida e meu sonho era ir ver o Rock in Rio, quando esse festival ainda era no Rio de Janeiro e não em Lisboa. A internet tava longe de chegar no meu colégio e mais longe ainda de chegar em casa.
Para saber sobre novas bandas, “acessávamos” o caderno Ilustrada, nada de internet, pentium 1.66, nem ICQ. Foi assim que soube da existência da excelente banda Queens of the Stone Age e soube o quanto o Álvaro Pereira Júnior poderia ser chato em relação à revivals. Na época também já odiava o Diogo Mainardi. E ficava por isso mesmo. Ouvia falar do MP3, da pirataria, mas não entendia de fato. O máximo que eu fazia próximo daquilo era pegar CDs emprestados de amigos e gravá-los em fita K7. Até que naquele final de 1999, saiu uma matéria no encarte adolescente, sobre uma banda de metal, que fazia adolescentes metaleiros chorarem com músicas como “Nothing else matters” processando uma ferramenta da internet que permitia o download gratuito de músicas.
Estamos falando da briga entre a banda Metallica e o Napster. Eu sei que ninguém precisava saber de minha adolescência, mas é que eu vi isso, e sim, eu gostava do Metallica, foi ali que entendi a maravilha do MP3 e fiquei muito brava com eles, como milhares de fãs que quebraram seus CDs. Tudo isso fez dez anos, ontem, o dia que a indústria fonográfica criminalizou seus próprios fãs.
A partir de então, eu sempre que ia ao trabalho de meu pai, funcionário público, entrava na internet, nem que fosse por 10 minutos e tentava baixar MP3. parecia mágica, enfim não teria que ficar ligando para as rádios tocarem a música que queria ouvir, para tê-la. Além disso, foi a mudança, um novo tempo, que não poderia ser contido, por tamanho fluxo e porque seria apenas o começo de um novo tempo 2.0. A internet tomou rumos. rumos. e tornou-se mais acessível. Hoje são 90 mil lan houses, contra 2.676 livrarias e 2.300 salas de cinema no Brasil.
Segue então trechos da boa reportagem do Rafael Cabral, do Link Estado, sobre o processo de incompreensão:
Napster no tribunal – O dia em que a indústria fonográfica escolheu o caminho errado
Há exatos dez anos atrás, a RIAA (Recording Industry Association of America, organização que reúne as principais gravadoras do mundo) entrava com um processo contra o Napster, ferramenta que permitia que milhões de pessoas tivessem acesso gratuito a downloads por meio de uma rede descentralizada. Em vez de tentar negociar com o programa que popularizou o compartilhamento de arquivos na rede, a indústria fonográfica decidiu enchê-lo de processos – até que, enfim, ele sucumbisse.
O primeiro grande embate jurídico da era digital terminou, sim, com uma vitória aparente das gravadoras. Olhando em retrospecto, no entanto, não há como negar o erro que foi cometido no dia 7 de dezembro de 1999, quando a indústria deliberadamente decidia não entender a internet, fingia que a música não poderia funcionar longe do disco e criminalizava o seu próprio público.
Foi o esse o caso que nos colocou “em uma encruzilhada entre dois tipos de cultura”, como define David Berry, autor do livro Copy, Rip, Burn (um estudo que mostra como a cultura do compartilhamento pós-Napster foi dar no crowdsourcing), em entrevista ao Link. “Uma dessas culturas permite que a informação seja compartilhada livremente e que isso seja facilitado pelas novas tecnologias e pelo peer-to-peer. E outra, representada pelo copyright desbalanceado e pela trava anti-cópias DRM, que quer passar um cadeado em torno do conhecimento, aprisionado nas estruturas legais da propriedade intelectual”.
Já segundo o jornalista Matt Mason, em o O Dilema do Pirata – Como a Cultura Jovem Está Reiventando o Capitalismo (disponível em pdf, no original), o Napster significou ainda mais: por meio dele “o download redistribuiu o poder no mercado de música, para o bem de todos”.
Nos tribunais
Em vez de tentar negociar com o primeiro programa de troca de MP3s online, lançado por Shawn Fanning no mesmo ano, a RIAA resolveu brigar. Faria uma campanha contra os usuários (“Você acha que vai sair impune dessa?”, questionava o e-mail que distribuía) e processaria os fundadores e financiadores do projeto. Comprando os argumentos da indústria, artistas mainstream como Metallica e Madonna também se engajariam na batalha anti-Napster, torcendo por uma derrota nos tribunais e repetindo o mantra que dizia que seus usuários eram ladrões.
O caso arrastou-se por mais de oito anos – mesmo depois de julho de 2001, quando o programa desligou sua rede e declarou falência. Um ano depois, a corte federal de São Francisco decidira que o Napster era mesmo culpado de tudo que o acusavam: sua arquitetura distribuída, p2p, permitia que milhões de pessoas no mundo violassem direitos autorais e ‘roubassem’ músicas.
Depois da bancarrota, o Napster obviamente não conseguiria cobrir suas dívidas com as grandes gravadoras. A organização decidiu, portanto, cobrá-las da multinacional alemã Bertelsmann, que em 2002 comprou a marca por cerca de US$ 85 milhões. A ação da RIAA acusava o conglomerado de mídia de “usar a base de usuários do Napster para sua vantagem comercial”. Temendo derrota pior nos tribunais, a Bertelsmann acalmou o Universal Music Group com US$ 60 milhões; a Warner Music com US$ 110 milhões; a National Music Publishers Association com US$ 130 milhões; e a EMI com um valor até hoje não divulgado.
O erro
“A indústria não pode parar o compartilhamento na internet ou a pirataria, como achava que poderia fazer no caso Napster. Acho que agora, finalmente, ela percebeu isso”, diz ao Link o advogado especializado em propriedade intelectual Neil Netanel, autor Copyright’s Paradox (O Paradoxo do Copyright, inédito no Brasil, citado por Lawrence Lessig, criador do Creative Commons, como um dos livros fundamentais para entender o atrito entre a liberdade de expressão e as leis de direitos autorais). Quando as majors escolhiam taxar de ‘criminosa’ uma atitude que se tornaria rotineira, elas jogavam um pouco de terra na sua própria cova.
Foi o caminho errado – e nada está mais claro no final da primeira década dos anos 00, com a música praticamente liberta da mídia física e a cultura do compartilhamento expandida para bem além dela.
Quando as gravadoras decidiram não assumir a competição contra a pirataria digital, na época simbolizada pelo Napster (mas que depois foi muito além dele, com o BitTorrent), elas criavam as bases para sua própria crise e entregavam o mercado de mãos beijadas para um executivo que até então nunca havia se metido com música. Um tal de Steve Jobs.
Preferindo processar seu próprio público a tentar criar um modelo mais atrativo que o do Napster na época em que o livre compartilhamento entre usuários ainda não havia tomado conta do cenário, as majors praticamente cediam seu público para a Apple. Com o iTunes, a empresa de Jobs até tentou consertar o estrago, mas já não dava mais tempo – as pessoas já tinham se acostumado a não mais pagar por música. O iTunes foi, sim, um sucesso, só que exclusivo da Apple, que conseguiu atrelar a loja online com a venda de iPods (seu objetivo desde sempre era lucrar com a venda de aparelhos, não de músicas).
Já pensou em quanto custaria encher um iPod de músicas compradas no iTunes? Segundo a Microsoft, uns R$65mil
Com o modelo de downloads pagos criado pelo iTunes, as gravadoras passaram a ganhar uma fatia (mínima) do bolo, mas isso não resolveu o problema que elas mesmas criaram no final dos anos 90, quando tentaram – e conseguiram – falir um modelo de negócios em vez de criar o seu.
A admissão
Depois de gastar todos os seus esforços em fechar o Napster – e mesmo assim ver nascer, em seguida, programas como o KaZaA, eMule, SoulSeek e a subsequente popularização dos sites de torrent – a indústria viu que tentar barrar o compartilhamento não era a solução, tampouco tentar travá-lo com tecnologias como o DRM (que o iTunes largou em 2007, no que pareceu a confissão de um erro).
“O mercado agora viu que a solução é marginalizar as ferramentas que oferecem conteúdo ilegal, fazendo com que as pessoas não gastem mais tempo com elas e voltem a apostar nos serviços legais. Para fazer com que não compense aderir à pirataria, no entanto, a indústria ainda tem um longo caminho pela frente. Leis restritivas e cadeados digitais como o DRM não são a solução, mas elas também já sabem disso”, aposta Netanel. “Estúdios e gravadoras devem ouvir e se adequar ao que as pessoas querem, oferecendo conteúdo barato (de preferência gratuito) que elas possam levar para qualquer dispositivo, de forma mais segura”.
Agora a aposta do mercado é no streaming, que pode fazer com o que controle do mercado volte para as mãos das gravadoras e mesmo assim beneficiar o público, com conteúdo acessível e com preço tendendo a zero.
“Escolha ilimitada de conteúdo, em qualquer dispostivo, a qualquer hora, com componentes interativos que liguem os criadores e os consumidores. Modelos que sejam bons tanto para a indústria quanto para os usuários”. É nisso que aposta Greg Kot, jornalista especializado em música e autor de Ripped: How the Wired Generation Revolutionized Music (Ripped: Como a Geração Conectada Revolucionou a Música, um panorama da primeira década da música social, inédito no Brasil). “Ferramentas como o Spotify já conseguem satisfazer os dois lados e acho que elas devem firmar o modelo mais bem-sucedido de todos os tempos na música 2.0. Depois de um começo conturbado, quando tentou barrar os downloads, a indústria está se reinventando. Acho que esse é o futuro”, diz.
Com informações do caderno Link de O Estado de S.Paulo
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