Uma reflexão interessante – boa para reaquecer as nossas discussões sobre jornalismo e a convergência. Publicado no Estadão, online desta quarta-feira, artigo de Alan C. Miller e Brent Cunnigham. Segue!

Com a evolução tecnológica, é fundamental para a saúde da democracia que as pessoas tenham capacidade de discernir entre notícia confiável e informações suspeitas.

Conforme se tornam cada vez mais fluidas as fronteiras que separam notícia e entretenimento, opinião e fato, profissional e amador, todas as semanas somos confrontados com um novo capítulo no debate a respeito daquilo que define o “jornalista” e o “jornalismo”. Como definir James O”Keefe? Trata-se de um cineasta ativista, um partidário provocador ou um repórter investigativo?

Será que o furo de reportagem do National Inquirer sobre o filho bastardo de John Edwards merecia o Prêmio Pulitzer? O que significa entregar o Prêmio George Polk, um dos principais do jornalismo, àqueles que colocaram na internet um vídeo feito com celular mostrando uma jovem morrendo durante protestos no Irã?

Nossa cultura de notícias e informação nunca foi tão rica e tão democrática – qualquer pessoa que disponha de uma conexão à internet pode contribuir com o debate público. Mas uma nova pesquisa realizada pelo Projeto Vida Americana e Internet, do Centro de Pesquisas Pew, e pelo Projeto pela Excelência no Jornalismo deixa claro: os EUA tornaram-se um país de consumidores superficiais das notícias cujo “relacionamento com o noticiário está se tornando portátil, personalizado e participativo”.

Enquanto o conceito de “jornalismo” é ampliado para incluir cidadãos com câmeras em seus celulares, o serviço de microblogs Twitter e as ferramentas de mídia social como o Facebook, alguns dos avanços que fazem dessa nova realidade midiática algo tão repleto em termos potenciais também a tornam excessivamente carregada. A mesma pesquisa do Centro Pew descobriu que 70% dos entrevistados sentem-se sobrecarregados pela quantidade de notícias e informações de diferentes fontes, e 72% deles disseram acreditar que a maioria das fontes de notícias é parcial.

A tradicional hierarquia dos noticiários foi subvertida. Com as notícias sendo exibidas lado a lado com itens suspeitos e muito parecidos com notícias, vindos de uma variedade de fontes, como poderemos saber em quem confiar? Como distinguir da propaganda, da desinformação e da informação crua a informação digna de credibilidade?

Engajamento. Há a necessidade de distinções. As informações não são criadas de forma igual e é fundamental para a saúde de nossa democracia que as pessoas tenham a capacidade de discernir aquilo que é confiável – e compreender por que essa distinção é fundamental. Isto é especialmente importante para a próxima geração de consumidores de notícias, que passará um tempo ainda maior acessando (e criando e transmitindo) entretenimento e informação por meio de uma gama cada vez maior de sofisticados dispositivos digitais, sem ter recebido as ferramentas para distinguir entre fato e ficção – e nem aprendido o significado da necessidade de fazer essa distinção.

Um estudo recente realizado pela Fundação Família Kaiser descobriu que crianças e adolescentes com idades entre 8 e 18 anos passam em média 7 horas e 38 minutos diários conectados a alguma forma de mídia de entretenimento – um aumento de 20% nos últimos 5 anos. Descobriu também que “o uso de todos os tipos de mídia aumentou nos últimos dez anos, com exceção da leitura” – e a leitura, é claro, inclui jornais e revistas.

Alguns jovens consideram o Google sua principal fonte de informação, apesar da capacidade de acessar os ricos fluxos de informação e notícias com a digitação de umas poucas teclas. Este estudo amplia os resultados obtidos em 2007 pelo Centro Joan Shorenstein para a Imprensa, a Política e as Medidas Públicas, de Harvard, segundo os quais muitos adolescentes e jovens adultos estão “mal preparados para processar as principais notícias com as quais se deparam”.

Mas um recém-criado movimento começou a enfrentar esse desafio. O Centro de Alfabetização Jornalística, curso de alfabetização voltado para a compreensão de noticiários oferecido pela Universidade Stony Brook, de Long Island, e o Projeto de Alfabetização Jornalística estão conferindo aos alunos as habilidades necessárias para avaliar a confiabilidade e a credibilidade das notícias em todos seus formatos. Mas a alfabetização jornalística não é amplamente ensinada nas escolas americanas, e o foco nos exames e testes padronizados levou a uma tendência de exclusão dos cursos “cívicos” ou que lidam com “temas atuais”. Precisamos de um esforço nacional para criar um conjunto informado e engajado de cidadãos da era digital.

(nota de Luana: aqui uma pequenina propaganda que os professores fazem, mas esse texto é muito rico em informações, isso de alfabetização em jornalismo pode ser complicado, atender a uma demanda x de interesses ideológicos vinculados, mas é uma alternativa, para os dias de hoje, pelo menos eu acho)

O Plano de Banda Larga Nacional da Comissão Federal de Comunicações dos EUA, divulgado no mês passado, oferece uma importante oportunidade para melhorar a alfabetização jornalística de milhões de estudantes. O plano, incluído no pacote de estímulo de US$ 787 bilhões do ano passado, é uma iniciativa há muito necessária para reforçar nossa infraestrutura digital por meio da oferta de acesso à internet via banda larga para todo o país.

Mas, assim que a infraestrutura seja instalada e a informação possa fluir, como as pessoas farão uso destes recursos? Os dias do consumo passivo das notícias são coisa do passado, quando todos sintonizavam o noticiário noturno. Hoje em dia, os cidadãos precisam pensar como jornalistas porque desempenham cada vez mais o papel de zeladores da informação, tanto ao criar e publicar conteúdo original na rede quanto ao retransmitir notícias e informações criadas por outros.

Sustentar o jornalismo sério na era digital é um tema aberto a muitos debates e experimentos, a maioria deles concentrada no produto – a extremidade da oferta na equação da informação. Mas não haverá solução sem a demanda proveniente de cidadãos que compreendam e valorizem o jornalismo de qualidade.

Tradução Augusto Calil.

Brent Cunnigham é editor executivo da Columbia Journalism Review.
Alan C. Miller é direotir executivo do projeto de alfabetização jornalistica.


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Repórter. Escreve sobre pessoas, convergência e cultura.

1Comentário

  • Julieta Carvalho, 15 de maio de 2010 @ 16:59 Reply

    Quem precisa seguir o leitor é o jornaloismo.

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