O Brasil é um dos países com legislação mais avançada sobre distribuição de direitos autorais de execução pública musical. E tem na gestão desses direitos, feita pelas associações de músicos e por seu Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), um dos pilares desse modelo bem-sucedido.
O Ecad é uma sociedade civil, de natureza privada, que faz a arrecadação e a distribuição de direitos autorais da execução pública de músicas nacionais e estrangeiras. Fundado há 34 anos, o órgão tem como modelo de gestão a administração por associações, representantes de milhares de filiados: autores, intérpretes, produtores fonográficos, músicos e editores. Já são 2,4 milhões de obras catalogadas, além de 862 mil fonogramas.
Nos recentes depoimentos realizados nas comissões do Senado Federal e da Assembleia do Estado do Rio de Janeiro, não identificamos qualquer motivo que levasse os senhores parlamentares a se debruçar sobre questões que dizem respeito aos compositores brasileiros e sua entidade privada.
Ocupar deputados estaduais e senadores para discutir como uma empresa privada deve administrar bens privados, e não públicos, significa transferir para o Legislativo a mediação de conflitos entre os criadores intelectuais e as empresas usuárias de música.
Em relação aos depoimentos da Associação Brasileira de Televisão por Assinatura, por exemplo, é importante destacar que as TVs porassinatura são inadimplentes no pagamento dos direitos autorais dos artistas que enriquecem suas programações.
Nesse cenário, fica uma pergunta: o que leva parlamentares de partidos alinhados com ideologias socialistas, como o PSOL, a amplificar os argumentos dos conglomerados devedores contra a legítima cobrança de direitos dos milhares de artistas representados pelo Ecad? E isso ocorre justamente quando cresce fortemente a distribuição, com o registro de alta de 68% nos últimos cinco anos? Quando, em 2010, foram distribuídos direitos para 87.500 titulares? Existem ainda os que sinalizam desejo de estatizar o Ecad. Outros defendem o controle do Estado.
Tudo isso tem sido discutido ao longo dos últimos cinco anos, sendo desnecessária qualquer pressão de última hora para que se resolva de imediato uma questão que envolve direitos individuais sem que se apure o real interesse da sociedade brasileira em criar estrutura pública para controlar a forma como os músicos brasileiros gerem os seus
direitos.
A questão é complexa. Para se ter uma ideia da importância do trabalho do Ecad na defesa dos artistas que representa, as programações das TVs precisam ser gravadas 24 horas para corrigir os inúmeros erros constantes das planilhas de programação das emissoras.
Caso esse trabalho não fosse feito, muitos compositores deixariam de receber pela execução de suas músicas, enquanto outros acabariam recebendo sem que suas músicas tivessem sido executadas. Mas esses “erros” cometidos pelas TVs não são alvo de apuração pelos parlamentares.
Nos últimos anos, o Ecad tem se pautado pela sintonia com a sociedade civil organizada e tem recebido inúmeros apoios de artistas, como o do cantor e compositor Sérgio Reis. Em recente entrevista a uma emissora de TV, ele criticou a incoerência daqueles que resistem ao pagamento dos direitos autorais.
Repito o artista: “Sem música não se faz nada: TV, rádio ou cinema”.
*Publicado originalmente na Folha de S. Paulo
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