Manhã ensolarada de quarta-feira, pães de queijo, bolo de cenoura com chocolate, suco de acerola e café fresco. O cenário é harmônico – quando se recebe uma visita em sua casa, afinal, espera-se que ela se sinta à vontade. Ainda mais quando se tem o objetivo que nós, os anfitriões, tínhamos.

Explica-se: a ocasião foi toda organizada para receber Marta Porto, para um novo projeto do Cultura e Mercado: Reunião de Pauta. A ideia é conversar, assim mesmo, informalmente, com grandes leitores e colaboradores sobre passado, presente e futuro do site.

São quase 10h da manhã quando a campainha toca e é anunciada a chegada de Marta. Os assuntos são muitos. A visita acontece meses após a ensaísta e consultora se desligar do Ministério da Cultura, onde foi secretária de Cidadania e Diversidade Cultural.

Do início da conversa, quando o editor Leonardo Brant explicou o projeto, até o final do bate-papo, quase duas horas depois, Marta mostrou-se uma pessoa muito segura em suas falas. Antes de apresentar suas considerações sobre o site, ela pergunta sobre as nossas. Em meio à conversa inicial, o assunto que surge é a falta de participação da sociedade (e no caso do Cultura e Mercado, do público) nos debates sobre qualquer assunto. Com sutileza, Marta nos alerta para um esvaziamento nas discussões. Para ela, o ativismo, que sempre foi componente essencial da cultura, foi dissipado.

Marta esteve à frente da secretaria do MinC de maio a setembro do ano passado. Durante o período, visitou 23 estados. Em cada encontro discutia com mais de mil pessoas. “Neste curto período que estive no Ministério, o que trouxe de mais interessante foi levantar algumas questões sobre minha militância como ativista”, ela conta. “E é muito interessante perceber que alguns anos atrás, apesar do número de atores ser menor, você tinha uma discussão política mais densa”.

Atualmente, a discussão é mais agressiva, mas não tem um componente político. “As pessoas não querem discutir o país, a sociedade, nem mesmo aquilo a que elas se dedicam a fazer”, completa.

Relembrando a campanha presidencial de 2002, Marta ilustra a situação com uma fala do ex-presidente Lula. “Ele dizia que discutia com vários setores da sociedade e quando ia discutir com pessoas da área da cultura, o assunto era sempre verba”.

A retomada da discussão conceitual é um momento importante, segundo ela. “O Ministério da Cultura está fazendo 27 anos, completando uma maioridade e gastou 90% do tempo discutindo incentivo fiscal, 10% discutindo práticas de fomento, mas não dedicadas às grandes questões que a sociedade vem trazendo”.

Dependência – Para ela, as questões mais inovadoras tangenciam o Ministério, quando deviam estar no coração dele. “Somos muito dependentes dos editais. Eles são o lado visível de um ambiente medíocre. Não existe nenhum outro setor da sociedade brasileira que se sustente com edital. E não é uma questão de uma gestão específica, é algo que vem sendo construído”.

Marta sugere novas discussões. A diferença entre o fomento e o financiamento e como existem áreas que passam longe deste debate e conseguem se manter em pé, como as artes plásticas.

Economia criativa também foi apontada por ela como um dos eixos que gostaria de ver melhor representados na cobertura do site. “O Brasil tem uma economia baseada nos commodities. Acho que seria interessante saber se temos capacidade de criar uma economia baseada em produtos criativos e que produtos são esses”, sugeriu.

Imersão – As redes sociais chegaram apresentando uma nova linguagem e um novo approach entre as instituições e o público. Mas o esvaziamento que Marta supõe, ao que tudo indica, se expande para as discussões mantidas online.

Os comentários, que ajudam a completar, contrapor, criar um debate em torno de uma notícia, enriquecendo a informação, parecem estar desaparecendo. E quando poucos argumentam é difícil manter um debate plural.

A discussão sobre essas novas linguagens tem que ser mais ampla, segundo Marta. Por aí afora ela tem sido reduzida a Twitter e Facebook, o que é um erro. “Me interessa pensar como é que se desenvolvem as novas linguagens expositivas através da cultura digital. Como desenvolvemos uma linha de pesquisa para que os jovens vivenciem uma experiência cultural”, explica.

Ela cita a filha de cinco anos, que já não vive sem o iPad, para falar de um caminho para as expressões artísticas: a imersão. Para Marta, não há como criar uma relação de comoção em torno da arte se essas pessoas não estiverem em um ambiente imersivo.

Nos próximos anos, o Brasil deve ganhar um grande número de equipamentos culturais, mas eles de nada vão adiantar se evitarem essa conversa. O conteúdo antecede a tecnologia. “Melhorar o prédio sem melhorar a capacidade de dialogar com as novas gerações é pouco”, afirma.

Marta concluiu a visita falando sobre seus projetos. Ou melhor, seu principal projeto. Atualmente, ela prepara um livro sobre política cultural, no qual deve falar, entre outras coisas, sobre sua experiência no governo. O objetivo? Levar a cultura a um lugar que lhe é de direito, o de protagonista.

Piatã Kignel – Este foi o segundo encontro realizado na Reunião de Pauta do Cultura e Mercado. O primeiro contou com a presença do Coordenador de Projetos Culturais do Grupo Santander Brasil, Piatã Kignel.

Na ocasião, ele falou sobre como o botão “curtir” esvaziou o exercício crítico das pessoas, a importância de se abordar as questões internacionais – para poder relacionar com o que acontece no Brasil – e de se discutir os modelos de relação entre produtor de cultura e financiador.

O gestor falou sobre as relações entre cultura e economia e a necessidade de se cobrir grandes questões da humanidade a partir do viés da cultura.

A partir dessas duas experiências, Reunião de Pauta passa a ser realizado mensalmente, sempre com a presença de especialistas, para debater, criticar e trazer sugestões sobre a atuação do Cultura e Mercado, buscando ampliar e aprimorar sua presença no setor cultural.


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Jornalista, foi repórter do Cultura e Mercado de 2011 a 2013. Atualmente é assessor de comunicação da SPCine.

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