Como se interpretar o direito autoral de obras artísticas no Brasil? É uma pergunta simples, mas que requer algumas análises importantes que extrapolam a lei e acabam em limites com a filosofia. O que se tem no Brasil neste momento é uma lei, baseada no modelo francês, que mescla dois aspectos do direito do autor sobre sua obra.
A primeira é o direito moral, que relaciona a personalidade do individuo criador e protege a sua intelectualidade sobre a obra e o segundo é o direito patrimonial assim como um objeto ou um imóvel.
Em relação à música, hoje, o ECAD é como uma autoridade máxima na cobrança, na concepção de valores e julgamentos patrimoniais sobre o quanto vale uma obra, e é essa maximização da centralização do poder do ECAD que está em discussão no momento. Ainda mais importante que esta discussão é a representatividade do ECAD, o que não coloca em cheque a legalidade dele, ou seja, partindo do princípio de que nem tudo que é legal é “legítimo”.
A linha argumentativa adotada pelos conferencistas gira em torno da proposta 135, que prevê a revisão da Lei de Direitos autorais para a criação de um órgão estatal regulador, capaz de criar um contrapeso ao ECAD, que é privado, na atuação de cobranças e criação de tabelas e mecanismos de arrecadação, é uma espécie de recriação do CNDA (Conselho Nacional de Direitos Autorais) criada na lei (5.998/1973), que foi instituída juntamente com o ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) na mesma lei.
Como o ECAD se tornou a única entidade a regular o direito autoral de músicos no Brasil, mesmo sendo privado?
Com a criação da lei 5.998/1973, que instituía dois braços para a regulação do mercado, ou seja o Escritório Central e o CNDA, que regulava e aprovava ou não as decisões mais relevantes, como valores, tabelas e outros regimentos, o mercado ganhava naquele momento órgãos unificados e centralizados para instituição do mercado fonográfico e também de outros setores artísticos.
Sendo os dois órgãos filhos do período militar, ambos herdaram a briga política do momento histórico, onde qualquer idéia estatizante ou de controle de estado, representava a assunção do estado frente aos direitos dos cidadãos, o que levou o CNDA a ser encarado como uma espécie de órgão de censura. E esta idéia foi difundida, não só no meio artístico, mas também no mercado como um todo, o que levou a utilização deste argumento, também, por muitos “intelectuais” de aluguel para justificar o extremo da não regulação de mercado, a privatização total. Este processo desembocou na criação da Lei Rouanet (Lei nº 8.313 de 23 de dezembro de 1991).
O processo privatizante do mercado cultural de música que continuamente foi sendo aplicado, em 1990 com o Collor, ganha novos contornos. Em um período democrático a estratégia adotada pelo governo para liberalizar a cultura, foi o esvaziamento do CNDA, que chegou a ter um único funcionário (s://blogs.cultura.gov.br/direitoautoral/referencias/), como forma de minar o seu funcionamento. Esta estratégia também foi utilizada em vários setores. A exemplo disso está o caso CSN, que teve o seu sucateamento para posterior venda “justificada” com o valor bem abaixo do devido.
Com a extinção “justificada” do Conselho Nacional de Direitos Autorais, muitas grandes empresas gravadoras e distribuidoras teriam grande influência no único órgão que restou deste processo, o ECAD, que como já dito é privado e não mais sofre regulação do estado. Por fim, todo o desmonte do aparato de regulação e investimento do estado na cultura, é concluído com a privatização do capital público. A Lei Rouanet, termina este processo, o setor está completamente privatizado.
Já no governo FHC, com a lei (Lei 9.610/98), que está em vigor até o momento, o ECAD não é tocado e neste momento, com a nova lei, ganha novas ferramentas de cobrança sobre, até mesmo, uma festinha junina de bairro sem fins lucrativos. O que se seguiu até o presente momento não alterou muito este plano, porém o desgaste inevitável, causado pela unilateralidade e a ditadura privada do formato, causa hoje muita discussão e novas propostas de lei.
Uma outra abordagem é sobre a quem o ECAD representa. Segundo Glória Braga, superintendente do ECAD, em entrevista com o site ConJur, publicada pelo próprio ECAD em seu site e em vídeo no endereço s://pirex.com.br/2007/06/07/ecad/ o órgão apenas presta serviço às associações:
…O Ecad é formado pelas maiores associações, chamadas de efetivas, e outras, muito menores, denominadas de administradas, porque o Ecad, basicamente, presta um serviço para elas. Mas a assembléia-geral é composta pelas seis associações efetivas. São essas que definem como vai funcionar uma série de coisas e avaliam todo o procedimento que o Ecad faz…
Dessa forma, Glória Braga explicita que o ECAD apenas presta serviço, não representando o artista e mais, coloca todo o sistema de direitos autorais nas mãos de literalmente “meia dúzia”.
Um outro aspecto interessante do ponto de vista do Escritório é explicitada no seguinte trecho:
…Alguns compositores se insurgem contra essa definição. Isso é possível, mas são questões que serão analisadas no Judiciário…
Nesse fragmento fica explícita a forma como o artista “insurgente” de um órgão privado é tratado. Mas podemos citar a mesma lei de 98 e 73, para confrontar o pensamento do ECAD quanto ao registro da obra.
Lei 9610/98
Capítulo III
…
Art. 19. É facultado ao autor registrar a sua obra no órgão público definido no caput e no § 1º do art. 17 da Lei nº 5.988, de 14 de dezembro de 1973.
…Lei 5988/73
Capítulo III
Art. 17. Para segurança de seus direitos, o autor da obra intelectual poderá registrá-Ia, conforme sua natureza, na Biblioteca Nacional, na Escola de Música, na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Instituto Nacional do Cinema, ou no Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia.
…
Ou seja, registrar uma obra no ECAD é uma opção, mas o direito faculta um órgão público para registro, e o ECAD é privado.
Finalizando com uma última indagação da mesma entrevista, no ponto que aborda a fiscalização do órgão privado, no trecho abaixo não há mais argumentos.
ConJur — Existe fiscalização do Ecad?
Glória Braga — Existe a fiscalização das associações que são as donas do negócio. O controle interno é feito por nossa auditoria permanente. Já a auditoria externa é contratada anualmente para verificar nossas posições financeiras, como em qualquer empresa privada. Tem muita empresa privada que mexe no valor e nem explica a sua atividade para o público da forma como nós fazemos.
Por esse motivo, o ressurgimento de uma nova CNDA se faz imperativo neste momento.
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