Este é o primeiro artigo que mostram os principais resultados encontrados em minha pesquisa de mestrado em administração, onde defendi a dissertação intitulada “A Caracterização das Redes Sociais e Suas Relações com os Stakeholders na Percepção dos Gestores dos Pontos de Cultura no Grande Recife”.
Além da atuação do primeiro e do segundo setor, as organizações do terceiro setor também têm assumido o papel de protagonistas no desenvolvimento da sociedade, especialmente dos países em desenvolvimento. No terceiro setor, as organizações de natureza cultural estão chamando atenção pelo potencial de desenvolvimento que trazem. A partir do Governo Lula e da atuação de Gilberto Gil no Ministério da Cultura, o Brasil tem investido um volume de recursos públicos maior em atividades de natureza cultural. Algumas organizações desta natureza que têm atividades consolidadas na sociedade estão recebendo recursos do governo para investir no patrimônio da entidade e na continuidade da suas realizações. Os projetos desenvolvidos por estas organizações recebem a denominação de “Pontos de Cultura”.
Em Pernambuco, a parceria entre o Ministério da Cultura e o Governo do Estado está amparada pelo Convênio de Cooperação Técnica e Financeira realizado em 31 de dezembro de 2007. O Estado de Pernambuco, por intermédio da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (FUNDARPE) realizou o I Concurso de Seleção para Implementação de 120 Pontos de Cultura, no âmbito do Programa Mais Cultura, por meio de edital lançado no dia 30 de junho de 2008. A FUNDARPE, por intermédio deste instrumento, objetivou realizar uma seleção de propostas para a implementação da ação Pontos de Cultura do Programa Cultura Viva do Ministério da Cultura.
O concurso de seleção dos Pontos de Cultura citado anteriormente, também estabelece, entre outras obrigações, que as organizações com projetos aprovados devem integrar a Rede de Pontos de Cultura do Programa Cultura Viva/Mais Cultura e da própria Rede do Estado de Pernambuco. Desta maneira, política cultural federal realiza a interface com os governos estaduais. A gestão da Rede de Pontos de Cultura selecionados a partir do mesmo edital do concurso é competência da FUNDARPE.
Devido esta rede estar em fase inicial, é importante entender como os relacionamentos entre os gestores dos Pontos de Cultura estão estruturados e o que acontece nas interações entre eles. A instituição formal de uma rede não garante por si a adesão dos prováveis participantes para o sucesso no alcance de seus objetivos. O sucesso da rede dos Pontos de Cultura vai depender de como os gestores estão se engajando neste processo. Acredita-se que o perfil dos gestores culturais direciona seus comportamentos e relações no campo de atuação.
É importante ressaltar que existem dois grupos de Pontos de Cultura em Pernambuco, assim como em outros estados brasileiros. Um grupo é formado por entidades que foram conveniadas diretamente ao Ministério da Cultura pelo programa Cultura Viva e estão, atualmente, no período final deste convênio. O outro grupo é formado por entidades que foram selecionadas pela FUNDARPE sob o programa Mais Cultura e estão no período inicial deste processo. Este artigo analisa o grupo dos Pontos de Cultura selecionados pela FUNDARPE, mais especificamente os Pontos de Cultura do Grande Recife.
Os Pontos de Cultura recebem recursos para desenvolver o seu projeto durante três anos, sendo, portanto, uma situação com prazo determinado. Em outras palavras, um projeto que atualmente é um Ponto de Cultura, após três anos não o será mais, a não ser que participe novamente de um novo processo de seleção. Pretende-se nesta pesquisa investigar os gestores de projetos que são suficientemente qualificados para receber atualmente a denominação de Ponto de Cultura. Este estudo tem como população os gestores dos Pontos de Cultura no Grande Recife por se tratar de uma região amplamente atendida, possibilitando maior interação entre os gestores culturais devido à proximidade física entre eles.
Por um interesse maior de compreender modelos de gestão que sejam referência, buscou-se entrevistar os gestores dos Pontos de Cultura com as melhores notas de classificação no resultado da seleção. 24 gestores se disponibilizaram a participar de entrevistas.
Foram realizadas visitas formais agendadas com antecedência para realizara as entrevistas no período de novembro de 2009 a janeiro de 2010. Os Pontos de Cultura acessados são localizados em comunidades desfavorecidas economicamente e com problemas sociais em sua maioria. Algumas visitas foram realizadas com o auxílio de taxistas locais, os quais demonstravam tensão quanto aos perigos eminentes e se recusavam a esperar enquanto a coleta de dados acontecia. Os gestores dos Pontos de Cultura foram bem receptivos na maioria das vezes. Contudo, alguns demonstraram falta de compromisso com a agenda e esquecimento de horário.
Foi realizada a análise do conteúdo das entrevistas para descobrir os “núcleos de sentido” que compõem as falas dos entrevistados. Não foram utilizados temas predefinidos como unidades de registro, sendo estes definidos uma vez que surgiam nas falas das entrevistas. Na exposição dos resultados, foram destacados os temas que aparecem nas falas de mais de 1/3 dos respondentes.
Os gestores dos Pontos de Cultura têm idade média de 45 anos. Quanto ao gênero, tanto o gênero masculino (13 respondentes) quanto o gênero feminino (11 respondentes) aparecem entre os entrevistados. Dois temas foram abordados entre os gestores nas entrevistas: os atributos necessários na realização das atividades e a forma de interação entre o gestor e outras organizações. Estas questões podem elucidar como os gestores dos Pontos de Cultura se comportam no atendimento das demandas sociais em um ambiente de rede.
Quando se trata do contexto referente aos atributos necessários para atender as demandas sociais na área cultural, percebe-se que o envolvimento comunitário é o tema que aparece com maior frequência, sendo referenciado por quase metade dos respondentes como um requisito importante para atuar na área cultural. Os gestores dos Pontos de Cultura precisam interagir com as comunidades onde realizam os trabalhos culturais para conhecer as necessidades coletivas que existem nelas e para desenvolver atividades que geram benefícios para a coletividade. Desta forma, a realização de atividades culturais é um meio de atuação no desenvolvimento local das comunidades.
Na realização dos trabalhos, o gestor cultural está condicionado a trabalhar com muitas pessoas diferentes, tanto na busca de orientação específica sobre alguma área de conhecimento que lhe falta, quanto na liderança de equipes de trabalho. Essa articulação pode acontecer pelo engajamento voluntário ou não das pessoas. Desta forma, a realização de atividades culturais requer uma articulação ampla de relações.
Quando os gestores dos Pontos de Cultura não conseguem a adesão voluntária de outras pessoas, eles precisam contratá-los ou desenvolver os conhecimentos necessários. A falta de recursos financeiros para recompensar administradores, contadores e advogados, além dos impedimentos legais na utilização dos recursos recebidos pelos Pontos de Cultura para contratar tais profissionais, tem gerado nos gestores a necessidade de adquirir conhecimentos administrativos. Tais conhecimentos são geralmente necessários para elaborar os projetos que são submetidos aos editais públicos. Por outro lado, os gestores também devem ter conhecimentos específicos das linguagens artísticas utilizadas na realização dos projetos. Ambos, conhecimentos administrativos e conhecimento da linguagem artística, foram temas com alta frequência nas falas dos gestores. Contudo, a necessidade de desenvolver conhecimentos de administração para os gestores dos Pontos de Cultura está associada às responsabilidades advindas da participação em editais públicos na maioria das vezes, e não na consciência de serem administradores de uma organização que precisa ser gerenciada independentemente de editais públicos.
Para os gestores dos Pontos de Cultura, a necessidade de desenvolver conhecimentos de administração está associada às exigências e responsabilidades advindas da participação em editais públicos na maioria das vezes. O fato de serem contemplados pelo edital dos Pontos de Cultura, faz com que uma parte significante dos gestores reconheça a necessidade de se relacionar com o poder público para atuar na área cultural. Este reconhecimento, contudo, aparece como um aspecto positivo quando a inserção da cultura popular nas políticas públicas é lembrada, mas também aparece como um aspecto negativo quando se trata da existência do clientelismo no sistema de gestão pública.
Um número significativo dos gestores entrevistados ressaltou a importância de aproveitar as oportunidades oferecidas pelos editais públicos que distribuem recursos públicos para serem investidos na cultura. Para conseguir aprovar um projeto cultural, um dos critérios normalmente estabelecidos nos editais públicos é que os projetos apresentem de maneira clara como eles podem gerar impactos sociais positivos.
Gerar impactos sociais positivos também é um tema frequente nas falas dos gestores dos Pontos de Cultura quando se referem à inclusão social de jovens envolvidos em ações criminosas, ao ensino de linguagens artísticas e informática para adultos e à geração de renda para os beneficiados dos projetos por meio de apresentações artísticas. A necessidade de envolvimento comunitário e de gerar impactos sociais leva a crer que estes profissionais sejam uma referência no atendimento das demandas da sociedade.
Quando se trata do contexto referente às formas de interação no atendimento das demandas sociais na área cultural, percebe-se que interagir com o poder público é um tema que aparece com muita frequência. Como visto anteriormente, o relacionamento com o poder público é um tema que também aparece entre os atributos necessários para atuar na área cultural. Para os Pontos de Cultura, a interação com o poder público é consequência do processo de avaliação e fomento dos projetos pelo Governo Federal e Estadual. Os gestores reconhecem a importância das políticas públicas de cultura, especificamente da agenda dos Pontos de Cultura, mas também ressaltam aspectos negativos no relacionamento com o poder público, inclusive, chamando a atenção para a necessidade de uma participação maior dos artistas nos movimentos políticos.
Para mudar o cenário político, a história tem demonstrado que é necessário um esforço coletivo. Quando necessidades comuns entre os gestores são identificadas, estes acreditam que a interação entre eles possibilita alcançar melhores soluções pensando na coletividade. Pensar na coletividade por meio de interações entre os gestores faz com que eles se articulem em redes. Contudo, alguns problemas na implementação da rede dos Pontos de Cultura são destacados por alguns gestores. A busca pela coletividade e a articulação em redes são temas com alta frequência nas falas dos respondentes.
A articulação entre os gestores culturais pode ocorrer de maneira transversal a todas as linguagens artísticas quando se trata de questões sociais, administrativas e outros assuntos comuns a todos eles. Contudo, é possível um melhor aproveitamento da articulação quando as interações acontecem entre gestores que trabalham com a mesma linguagem artística. Os respondentes ressaltam que as interações entre gestores que trabalham com a mesma linguagem artística são orientadas pela participação em redes específicas, associações e eventos sobre a linguagem, inclusive na elaboração de políticas públicas.
A articulação em rede pelos Pontos de Cultura permite não somente a busca por ações coletivas e afinidades artísticas, mas também a troca de experiências entre os gestores. As interações que são orientadas pela troca de experiências são marcadas por relacionamentos entre os gestores que permitem que eles troquem informações, realizem intercâmbios e absorvam práticas positivas de outras organizações ou gestores com mais experiência no campo. A consolidação de redes faria com que os gestores dos Pontos de Cultura também pudessem adquirir o conhecimento necessário pela articulação com pessoas qualificadas em conhecimentos administrativos e artísticos e assim, atenderem aos requisitos dos editais públicos nos prazos estabelecidos.
De maneira geral, eles já aderiram à participação em redes, sobretudo na rede dos Pontos de Cultura. A adesão dos participantes à rede é feita buscando a troca de experiência e a participação conjunta em eventos e projetos. Desta forma, são necessárias ações coletivas para que a rede funcione. Alguns respondentes chamaram a atenção para a falta de ações coletivas no ambiente cultural do Grande Recife, ora descrevendo o comportamento individualista de seus pares, ora assumindo o próprio posicionamento isolado dos demais. O isolamento é ressaltado como uma característica de independência ou da descrença em outras organizações. Portanto, os gestores dos Pontos de Cultura parecem estar sensíveis à articulação em rede, mas ainda não aceitam as mudanças necessárias para ações coletivas, ou por não desejarem perder o controle total de seus trabalhos ou por evitarem se envolver com organizações de legitimidade duvidosa. Uma vez que o gestor não percebe a legitimidade nas ações dos outros, ele escolhe atuar de maneira isolada no ambiente.
Apesar de os gestores dos Pontos de Cultura reconhecerem a importância de se articularem em redes, eles também reconhecem que atuam no ambiente cultural de maneira isolada, cada um fazendo seu trabalho de maneira “ilhada”. Portanto, os gestores estariam passando por uma fase de transição no costume de atuação na área. Para a atuação em rede, pode-se considerar que a etapa de reconhecer a necessidade de se articular em rede já foi alcançada, mas os gestores ora não conseguem, ora não querem agir coletivamente em busca de pretensões comuns.
Com relação aos conhecimentos administrativos necessários aos gestores culturais, estes podem aprender buscando as universidades e faculdades que oferecem cursos de extensão na área de gestão. Além da academia, as organizações de fomento empresarial, como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), também são fontes de informação sobre conhecimentos administrativos. É importante que as empresas se aproximem dos Pontos de Cultura para aprender como ter comportamento legítimo na sociedade e para implementar a cidadania empresarial.
Desta forma, as empresas privadas poderiam ajudar organizações culturais, que ainda não são denominadas como Ponto de Cultura, na elaboração dos projetos e nas questões burocráticas necessárias para concorrer aos recursos provenientes do programa dos Pontos de Cultura e para atender as exigências no relacionamento com o poder público.
Uma vez que os gestores construam relações entre eles, será possível reivindicarem seus interesses comuns ao poder público. Assim, é importante que a FUNDARPE incentive a articulação entre os gestores dos Pontos de Cultura para que a rede se perpetue e que um maior compartilhamento de opiniões e valores aconteça entre eles, fortalecendo a identidade e o perfil da área cultural. Neste processo, é necessário que seja feito um trabalho específico para diminuir a resistência à mudança entre os gestores e aumentar a participação em ações coletivas. É necessário que os representantes da rede dos Pontos de Cultura se esforcem para identificar objetivos comuns a todos com a finalidade de conseguirem que ações coletivas se realizem.
Ainda com relação ao poder público, mais especificamente a FUNDARPE, é importante que o relacionamento com os gestores dos Pontos de Cultura seja repensado no sentido de se aproximar da realidade deles. O fato de existir o repasse de recursos públicos e a fiscalização de como estes recursos são utilizados pelos gestores dos Pontos de Cultura faz com que as obrigações burocráticas e legais sejam atendidas invariavelmente. Contudo, o sucesso deste programa pode ser alcançado com mais facilidade se a natureza dos trabalhos desenvolvidos pelos gestores culturais for reconhecida, fazendo novas formas de relacionamento surgirem. Seria útil pensar em um processo de incubação dos Pontos de Cultura durante o primeiro ano de convênio. A incubação seria um período em que os projetos culturais estariam sendo desenvolvidos com o apoio e proteção de um conjunto de assessorias em diversas áreas: contábil, jurídica, comunicação, administração, etc. Além da participação da FUNDARPE e dos Pontos de Cultura neste processo de incubação, seria necessária a participação formal de consultores especializados para assessorar os gestores no atendimento das exigências legais do poder público, concretizando a transferência de conhecimentos e dando condições para que os próprios gestores desenvolvam os projetos após o período de incubação. Este processo deveria ser liderado pela FUNDARPE, garantindo a disponibilidade dos consultores, que podem ser produtores culturais ou administradores com experiência em gestão pública ou gestão social. Estes profissionais podem ser disponibilizados pela FUNDARPE por meio de convênios com outras organizações do poder público como a Secretaria da Fazenda estadual. Absorver a experiência das incubadoras de empresas em outras áreas também pode ser útil na orientação deste processo.
Um processo de incubação para os Pontos de Cultura seria útil para a FUNDARPE uma vez que diminuiria o retrabalho nas questões burocráticas. Contudo, a questão sobre qual organização seria mais adequada para desenvolver e institucionalizar este processo merece ser discutida entre os interessados.
Portanto, o campo da gestão cultural pode ser visto como uma referência na aderência e manutenção de comportamentos éticos para os demais campos organizacionais, especialmente para as organizações públicas e para as empresas lucrativas.
É importante lembrar que os resultados alcançados neste artigo, se referem a um tipo de profissional particular: os gestores dos Pontos de Cultura. Ou seja, tratou-se dos gestores culturais nas indústrias criativas do terceiro setor.
Podem existir diferenças entre o perfil do gestor cultural no terceiro setor daquele que atua em outros setores. A compreensão de tais diferenças requer mais pesquisas neste campo. Também é importante avaliar como os gestores dos Pontos de Cultura em outras regiões e estados do país têm se comportado para ampliar a discussão.
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