Criar plataformas que permitam novas tecnologias de diálogo do estado com a sociedade para a elaboração de suas políticas é o desafio da gestão da cultura.

André Martinez já inaugurou, neste espaço, o debate a respeito da dualidade conceitual entre política cultural e cultura política. Lembrou, naquela ocasião que, para Maquiavel, a política é a arte de conquistar, manter e exercer o poder. Para Aristóteles, a política não passa de uma “ciência prática” que nos ajuda a agir pela felicidade e pelo bem-estar dos seres humanos. A síntese possível seria o empoderamento para a felicidade?

Segundo Martinez, em 2006, o Estado brasileiro ainda colhia os louros de uma política setorial de cultura baseada na Lei Rouanet e em padrões estéticos restritos a uma elite artística. O pensamento político caracterizado pela propositura de autonomia, protagonismo e empoderamento de uma sociedade viva e repleta de expressões sócio-culturais sequer era imaginado ou colocado em discussão no âmbito da política de Estado até bem pouco tempo atrás. Fortaleceu-se este debate somente em abril daquele 2006, enquanto era realizada a Teia dos Pontos de Cultura, momento em que o Ministério da Cultura começou a intensificar a mensagem e a massagem de empoderamento dos tais pontos de cultura conveniados ao Programa Cultura Viva do MinC (Leia – “MinC procura autonomia dos Pontos de Cultura, pensando em “subversão estatal”).

A lógica do trabalho em rede proposta para tal programa, por exemplo, não é novidade nenhuma, como aponta reportagem do 100canais com Pierre Lévy. Os nós de nós todos estão apertados na necessidade do compartilhamento tanto do pensamento quanto dos conflitos. São exatamente estes nós, num ambiente de diversidade cultural, que indicam a necessidade de serem preservadas e promovidas as diferenças. E o diferente só se configura como agente transformador que imprime dinamismo às relações sócio-econômico-culturais quando há o conflito, o enfrentamento, o choque.

Mas como se representam as diferenças culturais de um país como o Brasil? A democracia permite inúmeras formas de atuação, seja em sua face representativa, seja na participativa. O desenvolvimento de tecnologias sociais que permitam facilitar tais diálogos são essenciais para o fortalecimento das questões políticas necessárias à cultura e para o exercício da democracia nos processos que a fortalecem.

Afinal, as culturas brasileiras não se representam em organizações, sindicatos, associação ou partidos políticos. Criar plataformas que permitam novas tecnologias de diálogo do Estado com a sociedade, principalmente em seu segmento ligado às práticas culturais, a fim de se verem propostas e elaboradas as suas políticas públicas é o desafio de todo o complexo conjunto de atores públicos e privados que atuam na gestão da cultura. Não há dificuldade maior do que reconhecer e experimentar essas tecnologias em qualquer processo. Ao mesmo tempo, é essencial o esforço para se implantarem políticas que abarquem todos os interesses da sociedade. Se assegurada a inclusão digital dos diversos setores envolvidos, o trabalho em rede revela-se a forma concreta de realizar a democracia direta e participativa neste processo de construção de políticas, estas sim, representativas.

As práxis políticas e de cultura nascem fundamentalmente das mesmas raízes filosóficas, mas realizam-se sobre dois eixos que as diferencia: o da cultura, em que se descortina a discussão e o confronto entre ética e estética, além do reconhecimento de sua dimensão econômica; e o eixo da política, no qual se propõe a tríade da sustentabilidade: autonomia, protagonismo e empoderamento, a serviço do fortalecimento da própria práxis cultural. Embora seja tudo uma coisa só, as políticas culturais precisam ser entendidas a partir do reconhecimento destas duas práxis distintas e irremediavelmente unidas.

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2Comentários

  • Carlos Henrique Machado, 30 de agosto de 2007 @ 0:00 Reply

    O que, neste pais, soa mais pedante que a palavra “Arte”? O que há de mais representativo para a nossa pseudo-elite do que um encontro de “arte”? Algo socialmente educado, elevado, em que os saguões e cafés são recintos preferidos onde paira este ar soberbo da arte. Entidades com os seus “Ss” enchem a boca para falar de arte. Muita gente do meio acadêmico adora os contrapontos sociais que a arte proporciona ao meio social que a tal arte propõe. Acastelados em monumentos que inibem qualquer homem comum brasileiro. A apreciação nos museus populares chega a ser cômico o tratamento estético das exposições das peças de barro feitas por gente de mãos calejadas, desdentada, mal alimentada. Mas as luzes que imitam as mesmas dos grandes museus mundo afora flagram a total falta de coragem de mergulhar nas nossas origens caboclas. A cultura do povo, mas sem o povo. Essa gente de fala baixa, entre um petisco e outro, se esbalda nesse teatro social que a palavra “arte” pode lhe proporcionar. Difícil escrever isso aqui, talvez nem saiba externar meus sentimentos, mas o que observo e cada vez mais, é que o povo está muito distante do ambiente que cerca a arte no Brasil. O povo faz, produz e, graças a Deus, não depende de qualquer mecanismo social para a sua sobrevivência. Faz porque faz, não porque quer fazer. Tudo isso que venho assistindo ultimamente, me traz o amargo sentimento das divisões de classes. Parece que é ali onde a palavra arte é dita com gosto por quem não a produz, que o povo que, de fato produz uma grande arte, jamais terá acesso. falta liga humana, falta o povo. Fala-se de sua cultura, mas o excluem das grandes decisões. Continuamos amedrontados, aquartelados nos grandes teatros, nas grandes convenções, nas grandes conveniências sociais, enfim, se não andamos pra trás nesse sentido, não demos um só passo para estimular o humano através da arte.

  • Carlos Henrique Machado, 30 de agosto de 2007 @ 11:20 Reply

    O grande problema da nossa classe dominante e os que aspiram partilhar dos mesmos meios, é um profundo complexo de terceiro mundismo. Morrem de medo de serem confundidos com o povo, quando muito, aceitam a relação com a camada menos favorecida da sociedade, seguindo a linha dos chás beneficentes. O tom em torno de tudo isso é filantrópico. O ambiente artísitico, neste caso, serve para consolidar a demarcação dos territórios traçados pelo império na geografia social brasileira. Toda essa gente perfumada, aspirante do “Cansei”, frequenta, em suas fantasias mais íntimas, a nobreza. A dificuldade que se observa entre o discurso estatutário das instituições “culturais” com a sua pretensa cartilha de elevação civilizatória herdada dos nossos ilustres jesuitas e da nossa querida corte, são, na realidade, o código morse para que se mantenha distante qualquer odor do homem brasileiro. Tenho a impressão que reeditamos sistematicamente no atual período, o dia de ação de graças, ou melhor, isso me faz lembrar o dia de páscoa, onde se tem a possibilidade de permitir ao povo alguma escolha.

    Tenho muito medo dos caminhos por onde avançam as nossas políticas públicas de cultura. O “vamos fazer”, cada vez mais, toma corpo diante do que já foi determindado culturalmente pelo povo. Não sei se é proposital ou não, mas alguém já deve ter dito que desde que o Brasil é Brasil, nenhum projeto catequista conseguiu um mínimo de resultado diante da tentativa de dirigir o povo brasileiro. Mas pelo que percebo, as classes dominantes ligam pouco pra isso, o que importa é manter firme o corporativismo se entrelaçando e se fortalecendo nos meandros sociais e políticos para que isso lhes caiba como um belo produto a ser explorado. O povo estará lá, longe, pois o castelo medieval continuará cercado de crocodilos em seu fosso. Não há o perigo da invasão dos plebeus.

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