Sem negar problemas éticos na atuação do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), o cantor e compositor Ivan Lins defendeu a preservação da entidade, que vem sendo questionada depois de denúncias de irregularidades no pagamento de direitos.
Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga as denúncias, nesta quarta-feira (24/8), ele disse que o nome do Ecad tem elevado “valor simbólico”, por ter nascido a partir de movimento articulado pela própria classe artística, ainda no período da ditadura. “Quando a ética e a transparência estão feridas, as coisas ficam meio turvas. O que aconteceu no Ecad é que, com o tempo, a ética e a transparência ficaram feridas”, considerou, em reunião que contou ainda com a participação da também cantora e compositora Sandra de Sá.
Ivan Lins, que participa de discussões sobre os direitos autorais no país desde os anos 80, recentemente se associou a numeroso grupo de artistas para participar do debate público sobre a reforma da Lei dos Direitos Autorais. O denominado movimento “Terceira Via para os Direitos Autorais” defende a manutenção do Ecad, mas reivindica a criação de um órgão fiscalizador para a entidade. Também pede a criação de uma secretaria específica no Ministério da Cultura para tratar das questões do campo musical, nos moldes da atual Secretaria do Audiovisual.
Para aperfeiçoar o sistema de arrecadação de direito direitos autorais, o artista sugeriu a criação de uma entidade nos moldes do Conselho Nacional do Direito Autoral (CNDA), que ficaria encarregado de normatizar, fiscalizar e regular o sistema de cobrança e distribuição dos direitos de criação. Criado na mesma época do Ecad, na primeira metade dos anos 70, o CNDA foi extinto durante as reformas do governo do ex-presidente Fernando Collor, atual senador pelo PTB de Alagoas.
Jabá – Ivan Lins defendeu ainda a revisão dos atuais critérios de distribuição dos direitos autorais, baseado no ranking de execução das músicas nas emissoras de rádios. De acordo com o cantor, o sistema é distorcido devido a prática do chamado “jabá”, o pagamento às rádios, pelas gravadoras e outros interessados, para facilitar a execução das músicas. “Quando se faz um sistema de distribuição por execução pública, o resultado é a validação do ‘jabá'”, opinou, destacando que esse critério prejudica criadores de música mais sofisticada.
De acordo com o cantor, hoje já existe tecnologia disponível para assegurar modelos de arrecadação de alta eficiência, só faltando investir em pesquisas. Ele observou que cada fonograma digital já inclui em seus suportes informações sobre nome da música, autores e outras informações, tudo isso podendo ser capturado por meios automáticos.
Na avaliação de Sandra de Sá, um dos maiores problemas em relação aos direitos autorais é a elevada inadimplência dos usuários das criações musicais. De acordo com ela, há ainda uma grande “gritaria” em torno do Ecad e das sociedades de direitos autorais que integram o conselho do órgão arrecadador. Porém, assinalou que poucos artistas se envolvem de fato nas discussões e na busca de soluções. “É muito fácil falar na caixa-preta do Ecad. O que precisamos é ir lá dentro, exigir e mudar”, disse ela, pedindo mais união e menos “guerra”.
Ao concluir sua participação em reunião da CPI que investiga denúncias de irregularidades no Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), Ivan Lins defendeu a revisão dos critérios de distribuição das receitas entre os artistas. Desde que se criou o sistema, o critério tem sido o ranking de execução das músicas nas emissoras de rádios.
Denúncias – O advogado Daniel Campelo, especialista em direito autoral, ratificou denúncias que envolvem o Ecad em atos que supostamente resultam em prejuízos para os artistas titulares de direitos autorais. Em reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga as denúncias, ele disse que pagamentos em prêmios por participação em resultados provocaram perdas de R$ 289 mil no ano de 2009 e de R$ 843 mil em 2010. “Embora diga que é uma empresa que administra bens privados, a entidade é uma associação e, desse modo, lhe é vedado distribuir lucros”, afirmou Campelo.
De acordo com o advogado, os dados foram retirados dos balanços da entidade, com ressalvas registradas pela empresa de auditoria. Além disso, Campelo acusou a entidade de manter longo tempo sem levantar e distribuir quase R$ 52 milhões em direitos autorais pagos pela Rede Globo via depósitos judiciais, já que questiona os critérios de cobrança. Porém, depois de um ano o Ecad recuou e decidiu retirar o dinheiro sem esclarecer como será feita a distribuição. “Para os criadores, esses recursos têm natureza alimentar. O Ecad nunca perguntou aos artistas o que deveria fazer e depois, sem explicação, decide levantar o dinheiro. Como ocorrerá a distribuição?”, questionou.
O gerente executivo de arrecadação, Márcio de Oliveira, respondeu ao presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), que os critérios de distribuição são definidos em regulamento aprovado pelas associações de autores que integram o Ecad. O fundamento seria o ranking das músicas mais executadas nas emissoras de rádio: quanto mais a música é tocada, maior será o pagamento devido ao artista.
Márcio Oliveira disse que todos os pagamentos ao Ecad são feitos por meio de boletos bancários, por universo de usuários permanentes que incluem emissoras de rádios a televisões, bares e restaurantes, entre outros, além de avulsos, como patrocinadores de shows. No ano passado, informou que a arrecadação global correspondeu a R$ 433 milhões. As televisões abertas, maiores contribuintes, responderam por 20% de toda a receita. “Somos um país continental e o Ecad faz um tremendo esforço para estar em todos os locais, de Norte a Sul, para fazer um trabalho transparente e bem feito”, afirmou o gerente.
Questionado pelo relator da CPI, senador Lindbergh Farias (PT-RJ), sobre a existência dos pagamentos a título de distribuição de lucros, Márcio Oliveira informou que eles correm desde 1992, conforme acordo coletivo de trabalho aprovado em assembléias dos associados do Ecad.
Salientou, porém, os valores são pagos a todos os servidores, não apenas aos dirigentes, e que não tem como critério exclusivo a superação de metas de arrecadação. Além disso, destacou que, “no melhor ano”, não teria passado de dois salários adicionais. O gerente foi ainda solicitado a revelar seu próprio salário, respondendo que nãos e sentia a vontade para oferecer a informação de público. “Não fico a vontade para informar, mas está na minha declaração do Imposto de Renda”, afirmou.
*Com informações da Agência Senado