A professora Sonia Aguiar fala sobre o mais extenso levantamento bibliográfico sobre redes sociais e redes digitais no Brasil, que ela acabou de concluir

O mais extenso levantamento bibliográfico sobre redes sociais e redes digitais no Brasil acaba de ser concluído pela professora Sonia Aguiar, da Universidade Federal Fluminense. O estudo foi realizado pelo Núcleo de Pesquisas, Estudos e Formação (Nupef) da Rits e aborda temas como inclusão digital, ativismo em rede, governança eletrônica e cibersociedade. O trabalho também inclui fontes online para acompanhamento permanente da produção sobre o tema.

De acordo com a pesquisadora, a idéia de fazer o levantamento surgiu da demanda por estudos relacionados ao fortalecimento da sociedade civil por meio do uso de metodologias e tecnologias de ação em rede. O tema é uma das prioridades de estudo do Nupef, que foi criado em 2005, com o objetivo de organizar e promover a pesquisa e a qualificação de pessoas atuantes no universo da sociedade civil organizada, frente aos novos desafios propostos pela sociedade da informação e da comunicação.

O levantamento foi realizado através de pesquisa nos currículos armazenados na Plataforma Lattes do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq). Segundo Sônia, essa opção metodológica é justificada pela importância da base de dados do CNPq, que se tornou uma referência da pesquisa acadêmica no país. “O CNPq tem estimulado o intercâmbio de dados entre o seu banco de currículos e as bases cadastrais de universidades, instituições de pesquisa e outras agências financiadoras”, explica.

Dentre as descobertas do estudo, o crescimento do interesse acadêmico pelo tema das redes sociais foi o que mais chamou a atenção da pesquisadora. Além disso, ela conta que outra importante constatação foi “a recente e crescente ligação das redes sociais e organizacionais à base tecnológica de informação e comunicação, agora sintetizada pela internet. Esse tipo de enfoque domina a maioria das pesquisas realizadas nos últimos cinco anos nas áreas de Comunicação e Ciência da Informação”, diz ela.

Algumas descobertas são fundamentais para as organizações da sociedade civil. O ciberativismo, por exemplo, utilizado por muitas ONGs e movimentos sociais, ainda não aparece tão intimamente ligado a essas entidades. “Talvez a visão predominante do webativismo ainda seja a de movimentos espontâneos, que se proliferam por ‘contágio’ entre os nós da rede, como na chamada comunicação viral”, explica a pesquisadora.

Rets – Como surgiu a idéia de fazer esse tipo de levantamento?

Sonia Aguiar – Surgiu da demanda por estudos relacionados ao fortalecimento da sociedade civil por meio do uso de metodologias e tecnologias de ação em rede, detectada pelo Nupef. Como eu havia pesquisado o uso da Rede Alternex por algumas redes de ONGs e movimentos sociais para a minha tese de doutorado, dez anos atrás, sugeri que fosse feito um levantamento do que aconteceu de lá para cá.

Na época, o acesso comercial à internet tinha apenas dois anos de vida, mas algumas centenas de profissionais e ativistas dessas organizações já usavam a comunicação eletrônica para articular ações. No entanto pouquíssimos pesquisadores notaram a importância disso, e não sabíamos o que cada um estava estudando, porque não tínhamos as facilidades de comunicação e intercâmbio que temos hoje. Portanto a minha idéia, agora, era investigar quem pesquisa redes sociais no Brasil e o que mudou no tratamento do tema nesses dez anos. Ou seja, mapear o “estado da arte” dessas pesquisas.

Rets – Por que foi feita a escolha metodológica de pesquisar nos currículos armazenados na Plataforma Lattes do CNPq?

Sonia Aguiar – Porque o currículo Lattes tornou-se, há quatro anos, obrigatório para todos os pesquisadores, orientadores e estudantes de doutorado, de mestrado e de iniciação científica que recebem bolsas do CNPq. Além disso, o CNPq tem estimulado o intercâmbio de dados entre o seu banco de currículos e as bases cadastrais de universidades, instituições de pesquisa e outras agências financiadoras. Com isso, acabou tornando-se uma referência e uma vitrine da pesquisa acadêmica no país.

Rets – Dentro dessa pesquisa, que áreas do conhecimento foram priorizadas?

Sonia Aguiar – Foram dez disciplinas das ciências humanas e sociais que, numa primeira sondagem, apresentaram maior concentração de pesquisas com foco em organizações sociais, priorizadas pela Rits e pelo Nupef: Antropologia, Sociologia, Ciência Política, Psicologia, Educação, Geografia, Comunicação, Ciência da Informação, Economia e Administração. Mas as abordagens variam bastante entre essas áreas.

Rets – O estudo é o mais extenso levantamento bibliográfico já realizado sobre a produção nacional sobre redes sociais. O que mais chamou a sua atenção na produção científica sobre o tema, na última década?

Sonia Aguiar – Primeiro, o crescimento exponencial do interesse acadêmico pelas redes sociais desde 1996, quando defendi a minha tese. Na época, havia apenas um livro publicado sobre o assunto no Brasil [“Redes de movimentos sociais”, da Ilse Sherer-Warren], que, na verdade, mencionava as redes apenas nas suas últimas 12 páginas [de um total de 124], como “uma perspectiva para os anos 90”. E só trazia, em sua extensa bibliografia, um único título sobre análise de redes sociais, que então já tinha uma base acumulada de mais de três décadas de pesquisas, sobretudo nos Estados Unidos e no Canadá, mas também em alguns países da Europa.

A outra importante constatação a partir desse levantamento é a recente – e crescente – ligação das redes sociais e organizacionais à base tecnológica de informação e comunicação, agora sintetizada pela internet. Esse tipo de enfoque domina a maioria das pesquisas realizadas nos últimos cinco anos nas áreas de Comunicação e Ciência da Informação, mas também vem despertando interesse nas pesquisas sobre relações em rede no processo ensino-aprendizagem, em função dos avanços da educação a distância no país.

Rets – Por que o estudo das redes sociais é uma área cada vez mais procurada pelos pesquisadores? O que isso indica?

Sonia Aguiar – Porque as redes sociais são, sem dúvida, uma forma fundamental de expressão dos interesses coletivos, que se expande na medida do aumento da complexidade da vida cotidiana nas diferentes sociedades. Isto fica mais evidente com a intensificação da globalização econômica nesta fase de expansão do capitalismo neoliberal. Não é à toa que as idéias de “glocal” [associação entre global e local] e de “sociedade planetária” são temas emergentes nas pesquisas sobre comunicação e desenvolvimento. E que, paralelamente a tanta virtualidade, os geógrafos continuem interessados na territorialidade e nas relações sócio-espaciais, estudando as redes que se formam nas dinâmicas das populações, como as de migrantes e as de atingidos por barragens das hidrelétricas.

Rets – Dentre os temas pesquisados, quais são mais recorrentes?

Sonia Aguiar – Não dá para falar de temas recorrentes nas pesquisas como um todo, mas de algumas preocupações que atravessam diferentes disciplinas, como os problemas gerados pela virtualidade e pela cultura digital e o impacto das tecnologias de informação e comunicação nas relações humanas. Mas é possível observar tendências das pesquisas por áreas de conhecimento.

Por exemplo, a questão da sociabilidade continua a interessar muito ao pessoal da Antropologia, da Sociologia e da Psicologia. As relações das redes de organizações e movimentos sociais com o Estado – sobretudo no que diz respeito a políticas públicas e governança – atraem mais pesquisadores da Ciência Política e da Economia. Na Administração, predominam os estudos sobre redes organizacionais e interorganizacionais, redes de cooperação entre pequenas e médias empresas e as de parceria entre “arranjos produtivos” locais e regionais. Já na Comunicação e na Ciência da Informação, concentra-se o interesse no uso da internet nas relações interpessoais e na produção de conhecimento, com destaque para o ciberespaço, a cibercultura e as comunidades virtuais.

Rets – De que forma a questão do ativismo em rede aparece no levantamento? Geralmente essa questão vem relacionada com a forma de atuação de organizações da sociedade civil?

Sonia Aguiar – Aparece entre as abordagens que qualifico de não-hegemônicas (ou, em alguns casos, até contra-hegemônicas), como as de certa corrente da Economia Política das Redes, que faz uma leitura crítica dos efeitos da globalização econômica, inclusive relativizando a naturalização das redes mediadas por computador feita por Castells [Manuel Castells, sociólogo espanhol que estuda o papel das novas tecnologias na sociedade atual]. Mas nem sempre ele é associado a organizações da sociedade institucionalizadas. Talvez a visão predominante do webativismo ainda seja a de movimentos espontâneos, que se proliferam por “contágio” entre os nós da rede, como na chamada comunicação viral.

Há, porém, outras abordagens interessantes sobre o potencial mobilizador das redes sociais, exponenciado pela internet, que incluem a discussão sobre as possibilidades de uma cibercidadania, os processos de criação coletiva, a produção colaborativa de conteúdos, como a Wikipédia, as articulações de economia solidária e as novas formas de conhecimento compartilhado, como o copyleft, o Creative Commons e o software livre.

Rets – E sobre a inclusão digital? O que foi possível descobrir com o levantamento?

Sonia Aguiar – Como a busca na Plataforma Lattes foi feita a partir da palavra “redes”, o sistema recuperou também currículos cuja produção é centrada nas tecnologias de informação e comunicação (TICs), na internet e na Economia das Redes. Isto gerou uma bibliografia complementar, também já disponível no site do Nupef [em www.nupef.org.br], que inclui as questões da infoexclusão e da inclusão digital. Mas ainda não foi possível analisá-la. Estes são, sem dúvida, temas fundamentais para os próximos desdobramentos da pesquisa, que deverão ser mais focados nas interfaces entre as redes sociais e as redes digitais, do âmbito comunitário ao global.

Matéria publicada originalmente pela Rits e reproduzida com a autorização do veículo

Luísa Gockel


editor

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